23 a 27 de junho de 2008

Comércio Exterior

Resultados
Governo vai licitar portos sem restrições à operação privada
Lula e Chávez devem fechar 15 acordos em Caracas

Agronegócio

Noble Group investirá US$ 300 milhões em nova usina de álcool
Anea reduz produção
Preços de milho e soja batem novos recordes

Mercosul

Na defesa do Mercosul, Brasil quase pára Doha, mas impasse foi superado
Argentina se prepara para pouso forçado
Novo acordo com Uruguai garante importação de carro chinês e blindados
Para negociadores, Argentina está isolada no Mercosul

Organização Mundial do Comércio (OMC)

Brasil ameaça ir à OMC se México e Coréia do Sul não abrirem mercado
Lamy marca reunião ministerial, mas Mercosul racha de novo
Coréia resiste a importar suíno de SC

Plano Internacional

Oferta saudita de petróleo enfrenta ceticismo



Comércio Exterior

a) Resultados

A balança comercial acabou superavitária em US$ 346 milhões entre os dias 16 e 22 de junho, com cinco dias úteis. No período, as exportações somaram US$ 4,097 bilhões, uma média de US$ 819,4 milhões por dia útil. As importações ficaram em US$ 3,751 bilhões, média diária de US$ 750,2 milhões.

Nas três primeiras semanas de junho, com 15 dias úteis, o superávit comercial foi de US$ 1,501 bilhão, decorrente de vendas externas de US$ 12,784 bilhões e compras de US$ 11,283 bilhões, informou o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

De janeiro até o dia 22 de junho, com 117 dias úteis, a balança comercial brasileira registra saldo positivo de US$ 10,156 bilhões. Em mesmo período do ano passado, com três dias úteis a menos, o superávit comercial tinha sido de US$ 18,483 bilhões. As exportações totalizaram US$ 84,838 bilhões do início deste ano até a terceira semana de junho, média de US$ 725,1 milhões por dia útil. As importações ficaram em US$ 74,682 bilhões, média de US$ 638,3 milhões por dia útil.

b) Governo vai licitar portos sem restrições à operação privada

O governo dará mais liberdade à iniciativa privada para investir na construção e operação dos portos. Por meio de decreto presidencial, deverá autorizar a abertura de terminais privados para movimentar cargas de terceiros, sem limites percentuais, em regime de concessão. Os projetos terão necessariamente que passar por licitação pública, contrariando o desejo de parte dos empresários, mas o vencedor da concorrência ficará desobrigado de provar que existe carga própria em quantidade suficiente para justificar o investimento.

Essa é uma restrição imposta atualmente pela resolução 517 da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) que, segundo entidades empresariais, tem travado investimentos privados de pelo menos US$ 5 bilhões. A solução virá por um decreto, em fase final de preparação. A primeira versão do texto está pronta no Palácio do Planalto, deverá ser anunciado nas próximas semanas e busca resolver uma polêmica que já chegou ao Supremo Tribunal Federal.

O ministro-chefe da Secretaria Especial de Portos (SEP), Pedro Brito, afirmou ao Valor que o aperfeiçoamento do marco regulatório do setor - sem mudança na Lei dos Portos (8.630/93) - visa "retirar as pendências hoje existentes e dar clareza aos negócios". "Até para que o investidor possa avaliar, a partir das regras do jogo, se vale a pena entrar no negócio ou não", assinalou Brito.

Conforme adiantou o ministro, não haverá mais restrições para a movimentação privada de cargas de terceiros, mas os empresários interessados em investir nesse tipo de terminal portuário deverão cumprir duas exigências: a instalação deverá constar de um plano de outorgas ainda a ser definido e a concessão será dada mediante licitação pública.

Em agosto, segundo ele, uma portaria da SEP trará normas mais específicas e a modelagem de concessão do setor. Mais adiante, provavelmente até o fim do ano, será anunciado o plano de outorgas - uma espécie de mapa das necessidades portuárias e das oportunidades de investimento. Mas o ministro esclareceu que, antes mesmo da divulgação do plano, empresários poderão apresentar seus projetos ao governo, que avaliará a possibilidade de fazer a licitação.

"Não vamos esperar o plano de outorgas para dar largada ao processo, o que significaria engessar o mercado", observou Brito. "Se alguém tem um projeto portuário, ele pode ser apresentado e avaliado dentro das condições econômicas existentes, mesmo não estando no plano. Aí nós estudaremos a possibilidade de fazer licitação pública", afirmou.

É uma referência indireta aos projetos do empresário Eike Batista em Peruíbe (SP) e da Embraport em Santos. Eike esteve na semana passada com Brito e com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, para discutir o assunto. "O nosso alinhamento [dentro do governo] é total", afirmou Brito.

Para explicar como funcionará o sistema de concessão dos terminais privados que movimentarão cargas exclusiva ou majoritariamente de terceiros, Brito traça um paralelo com as regras do setor elétrico. Da mesma forma que Furnas e Odebrecht viram potencial hidrelétrico e estudaram as condições de erguer usinas no rio Madeira, empresas poderão entregar ao governo projetos para explorar uma possível zona portuária. Como ocorreu no Madeira, isso não significa autorização imediata para construir os projetos. Eles terão que estar em conformidade com a política pública e serão licitados. Não necessariamente o idealizador do projeto vencerá a disputa.

Para o ministro, as mudanças vão derrubar entraves à maior participação da iniciativa privada. "O governo precisa dos investimentos privados e quer estimulá-los", frisou. Ele rejeita, entretanto, a idéia de que isso seja uma espécie de privatização dos portos. "Só se fosse uma abertura com decisões exclusivamente privadas, sem qualquer interferência do governo e transferindo toda a gestão dos portos para o setor privado, o que não existe em lugar nenhum do mundo, com exceção de Hong Kong."

Brito faz questão de ressaltar que o setor não vai mal e a exploração de terminais privados para cargas de terceiros é o único ponto ainda sem definição. Em 2002, o fluxo total do comércio exterior brasileiro era de US$ 107 bilhões e o número de contêineres movimentados atingiu 1,3 milhão de TEUs (referência do setor). Em 2007, o comércio exterior somou US$ 281 bilhões e o número de contêineres foi para 6,6 milhões. A produtividade também subiu - de 11 movimentos (carga e descarga de contêineres) para 50 movimentos por hora. "Os portos estão dando conta do recado", afirmou Brito.

A Lei dos Portos definiu duas modalidades para a exploração de instalações portuárias por empresas privadas: os terminais de uso público, explorados mediante contratos de concessão para prestação de serviços a terceiros, e os terminais de uso privativo, para movimentação de carga própria. Nessa categoria criou-se uma subdivisão, com a figura dos terminais de uso privativo misto, que podem movimentar cargas próprias e de terceiros. Em 2005, a resolução 517 da Antaq estabeleceu condições para a outorga de autorizações aos terminais de uso privativo misto. A norma prevê que a empresa interessada nesse tipo de terminal deve provar que a carga própria justifica o investimento.

c) Lula e Chávez devem fechar 15 acordos em Caracas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a Caracas para a quarta reunião bilateral com o colega Hugo Chávez em nove meses. A previsão é que sejam fechados cerca de 15 acordos em áreas como gás, telecomunicações e energia elétrica, envolvendo os dois governos e empresas brasileiras.

O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, se reuniu com representantes da PDVSA para negociar a compra de Gás Natural Liqüefeito (GNL) para o abastecimento do Nordeste brasileiro, a partir de 2014. Caso seja fechado, o contrato de compra afasta ainda mais a viabilidade em médio prazo do megaprojeto Gasoduto do Sul, que teria um ramal dirigido ao Nordeste -o transporte do GNL é feito por navio.

Na área elétrica, os dois presidentes assinarão um acordo para estudar a interligação energética entre os dois países, o que será viável após a construção do linhão Manaus (AM)-Tucuruí, obra de 1.800 km ainda em fase de leilão que conectará a capital amazônica ao restante do país. Como já há uma ligação entre Boa Vista (RR) e a Venezuela, faltaria um linhão entre a capital de Roraima e Manaus para unir os dois países.

Na área de telecomunicações, será discutido o uso da estrutura existente na Venezuela para levar internet banda larga a Boa Vista e Manaus por meio de fibra ótica, barateando o uso da web nessas capitais.

Também estão previstos acordos de empresas brasileiras, segundo a Folha apurou. A construtora Andrade Gutierrez deve assinar memorandos para a construção de uma grande siderúrgica e de um estaleiro na Venezuela. A Odebrecht Óleo e Gás deve fechar um acordo para a recuperação de campos de petróleo maduro. Finalmente, a Braskem negocia um acordo para a venda de polietileno e outros produtos.

Na visita, também pode ser finalmente anunciado um acordo entre a Petrobras e a PDVSA para formar a empresa que administrará a refinaria de Pernambuco.

Em setembro, os dois presidentes decidiram se reunir a cada três meses, em meio à crise diplomática em torno do atraso na aprovação pelo Congresso brasileiro da entrada da Venezuela no Mercosul. O próximo encontro deve ocorrer no segundo semestre no Brasil.

Agronegócio

a) Noble Group investirá US$ 300 milhões em nova usina de álcool

O Noble Group, trading de commodities com sede em Hong Kong, vai investir US$ 300 milhões na construção de uma nova usina de açúcar e álcool em São Paulo, com capacidade de esmagar 8 milhões de toneladas anuais. A informação foi dada pelo vice-presidente do Noble, o indiano Harry Banga, em passagem pelo Brasil na semana passada. A nova planta, prevista para entrar em funcionamento dentro de 18 a 24 meses, produzirá principalmente etanol.

"O Brasil está no topo das nossas prioridades de investimento", disse Banga. A Noble, que faturou US$ 23 bilhões em 2007 e prevê uma receita de US$ 40 bilhões neste ano, é uma gigante do comércio mundial, presente em 40 países. Administra, por exemplo, uma frota de 400 navios, entre próprios (leasing) e de terceiros. Embora tenha nascido como uma trading, partiu para a verticalização e hoje participa da produção, transporte e até a distribuição dos produtos a granel nos mercados consumidores. "Nossa estratégia é fazer a ligação entre os países produtores do hemisfério Sul e os países consumidores do hemisfério Norte. E o Brasil tem um papel importantíssimo nisso", observou.

Com a nova usina, os os investimentos previstos e os já realizados pela Noble no país chegará a US$ 600 milhões. Como trading, a companhia já está presente no país há quase vinte anos. É dos grandes exportadores de café e soja, atividades nas quais atua financiando os produtores e fornecendo insumos. No ano passado exportou 8 milhões de sacas de café e 2,6 milhões de toneladas de soja. Foi em 2007 que o Noble Group passou a fazer investimentos em produção e logística por aqui.

Em janeiro do ano passado, adquiriu cinco armazéns de grãos no Mato Grosso e Paraná, por US$ 18 milhões. Em fevereiro, comprou a Usina Petribu Paulista, no interior paulista, com capacidade de esmagamento de 2,5 milhões de toneladas. Depois disso, foram investidos US$ 150 milhões para dobrar a capacidade da usina e também implementar melhorias. Por último, em meados do ano, o Noble fechou a compra, por R$ 120 milhões, de 30% da mineradora Mhag, que agora prepara a sua abertura de capital.

Banga disse que o grupo está muito confiante na implementação do plano de expansão da Mhag, que pode elevar a produção a 30 milhões de toneladas no longo prazo. "E estamos tranquilos em relação a nossa capacidade de comercializar isso tudo."

Aqui no Brasil, ainda na área de mineração, a Noble trabalha na exportação de alumínio e importação de coque. "E no ano passado transportamos 10 milhões de toneladas de ferro de produção da Vale do Rio Doce", contou o executivo.

Há cerca de quatro anos, a Noble começou a investir na produção de etanol de milho nos Estados Unidos, por meio da aquisição de participações minoritárias de usinas. Hoje, o grupo acompanha com atenção toda a polêmica em torno do etanol no mundo. Banga disse que o grupo tomou a decisão de migrar o foco da sua atividade do etanol de milho para o etanol de cana-de-açúcar. "É mais sustentável e comercial a longo prazo", afirmou ele.

b) Anea reduz produção

O dólar desvalorizado em relação a outras moedas também deu suporte aos preços futuros do algodão na quinta-feira. Na bolsa de Nova York, os contratos para outubro fecharam a 78,39 centavos de dólar por libra-peso, com alta de 88 pontos. Em São Paulo, o algodão fechou a R$ 1,2932 a libra-peso, com aumento de 0,4%, segundo o índice Cepea/Esalq. A diretoria da Anea (Associação Nacional dos Exportadores de Algodão) divulgou seu relatório de oferta e demanda para 2008 e previsões para 2009. Segundo a Anea, a produção nacional de algodão deverá cair 13% na próxima safra, a 2008/09, para 1,35 milhão de toneladas. As exportações no mesmo período terão aumento de 3,6%, para 570 mil toneladas. Os estoques finais para 2009 vão recuar 11,6%, para 720 mil toneladas.

c) Preços de milho e soja batem novos recordes

As chuvas em regiões produtoras do Meio-Oeste dos Estados Unidos e as turbulências na economia daquele país voltaram a impulsionar os preços das principais commodities agrícolas na quinta-feira na bolsa de Chicago. Os contratos futuros de segunda posição de entrega (normalmente os de maior liquidez) de milho e soja atingiram novas máximas históricas, e os do trigo continuaram a recuperar as perdas dos últimos meses.

No caso do milho, os papéis para setembro subiram 23,75 centavos de dólar (3,19%) e fecharam a US$ 7,6825 por bushel. No mês, a alta chega a 25,43%, segundo o Valor Data. Nos últimos 12 meses, o salto é de 109,33%. O bushel da soja para entrega em agosto encerrou a sessão a US$ 15,7425, alta de 34,25 cents (2,22%), e passou a acumular valorizações de 29,65% em 2008 e de 93,10% em doze meses. O bushel do trigo para o mês de setembro fechou a US$ 9,4275, 22,50 cents (2,44%) mais que na véspera. Em junho o ganho é de 21,55%; em doze meses, alcança 50,60%.

No Meio-Oeste, o problema continua concentrado em Iowa, maior Estado americano produtor de grãos. Inundações causaram sérios danos à produção e logística locais na primeira metade de junho, e as chuvas voltaram a ganhar intensidade, alimentando preocupações. No Fed, o banco central dos EUA, o problema é a inflação. Muitos traders não acreditam que as medidas anunciadas até agora serão suficientes para debelar a crise, o que teoricamente mantém as commodities como um porto seguro para investimentos.

Mesmo cauteloso em relação aos prejuízos de Iowa, o conselho Internacional de Grãos (IGC, na sigla em inglês) começou a ajustar suas projeções para a safra 2008/09 (em desenvolvimento no Hemisfério Norte) levando em consideração o problema. No total, o IGC passou a prever produção 1,711 bilhão de toneladas de grãos no mundo na temporada, 1 milhão a menos que o previsto no mês passado mas ainda 25 milhões a mais que em 2007/08.

Para o trigo, o conselho agora estima colheita global de 658 milhões de toneladas, 8 milhões acima do projetado em maio e 50 milhões superior ao registrado em 2007/08. No caso do milho, contudo, a nova previsão é 7 milhões de toneladas menor que a de maio e 30 milhões inferior ao total registrado no ciclo anterior.

Para os estoques mundial de grãos, o IGC elevou sua estimativa para 2008//09 em 12 milhões de toneladas, para 274 milhões - mesmo patamar de 2007/08 graças ao milho, cujos estoques mundiais tendem a aumentar em 122 milhões de toneladas. No caso dos cinco maiores exportadores mundiais, rol que inclui o Brasil, a correção dos estoques foi para baixo. A comissão passou a trabalhar com 77 milhões de toneladas, ante as 82 milhões previstas em maio e as 86 milhões da temporada passada.

Mercosul

a) Na defesa do Mercosul, Brasil quase pára Doha, mas impasse foi superado

O Brasil praticamente desligou da tomada o tênue fio que mantém ligada a Rodada Doha, na quinta-feira, após um confronto com os Estados Unidos sobre flexibilidade para as indústrias do Mercosul, em um dos momentos mais dramáticos em sete anos da negociação para liberalizar o comércio global.

O resultado é que depois de intervenções do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, e de trabalhos feitos por economistas da entidade durante todo o fim-de-semana, surgiu uma nova opção para garantir a proteção para o Mercosul. Com isso, a negociação global recuperou um sopro de vida, depois de a temperatura ter subido forte nas reuniões fechadas, chegando a beira do precipício como nunca havia ocorrido antes.

A negociação sobre a liberalização de produtos industriais estava empacada porque os Estados Unidos, apoiados por outros países ricos, recusavam a metodologia para definir as flexibilidades para as indústrias do Mercosul. Em uma proposta desenhada para o Mercosul, o texto do mediador da negociação, o canadense Don Stephenson, sugere que as uniões aduaneiras possam proteger entre 12% a 14% de suas tarifas de importação industriais, cortando só pela metade do que for fixado para outros produtos. Mas essa flexibilidade não pode superar entre 12% e 19% do valor do comércio do bloco. A questão é como calcular esses percentuais.

A metodologia do mediador prevê que o Mercosul calcule o valor do comércio como bloco. Mas os EUA, sobretudo, recusavam aceitar o Mercosul como união aduaneira e queriam o cálculo separadamente. Achavam que, como está no texto atual, o Brasil ganharia flexibilidade adicional para proteger sua indústria, se escondendo atrás dos outros sócios.

Pelos cálculos do Brasil, porém, o que os americanos queriam era inaceitável porque, na prática, retirava boa parte das linhas tarifárias que o bloco quer proteger. Por exemplo, o valor do comércio de Argentina, Paraguai ou Uruguai receberia o teto previsto das flexibilidades, mas os países só poderiam usar metade das linhas negociadas. Ou seja, se fosse negociado 12%, só poderiam proteger cerca de 6% das tarifas de importação porque, do contrário, rompiam o teto do valor do comércio.

Os EUA organizaram um grupo denominado G-12 para tentar uma solução para a negociação industrial. Além do Brasil e EUA, o grupo reúne UE, Canadá, Japão, China, Índia, África do Sul, Austrália, México, Paquistão e Malásia. O impasse, contudo, continuou em torno do Mercosul e o comissário de comércio da União Européia, Peter Mandelson, chegou a advertir que a semana era decisiva para Doha. Na quinta-feira, o Brasil avisou que na verdade a negociação já estava na prorrogação.

E o momento da verdade chegou quando o representante brasileiro, Roberto Azevedo, bateu simbolicamente na mesa: avisou que ou se resolvia a proteção para o Mercosul antes de uma reunião de ministros, ou a negociação deslizava de vez para o fiasco. Foi o que negociadores chamam de "ter tirado a tomada" da negociação. O Valor apurou que na mesma quinta-feira a tarde, Azevedo voltou a se reunir com o embaixador americano Peter Allgeier e indagou se os EUA buscavam solução ou jogavam para a arquibancada.

Alertado de que a negociação global corria para o abismo rapidamente, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, convocou Azevedo e Allgeier para uma conversa, em meio à expectativa de outros embaixadores visivelmente pessimistas diante do tamanho do impasse. Fontes concordam que, nesse encontro na sexta-feira cedo no gabinete de Lamy, com vistas para o lago de Genebra, o Brasil e os EUA "lavaram roupa suja" diante do olhar atônito do diretor-geral.

Lamy alertou que o fiasco daquele jeito estava ao alcance da mão. E para evitá-lo propôs que os economistas da OMC fizessem simulações sobre o real valor do comércio do Mercosul para tranqüilizar os dois beligerantes sobre a proteção que o bloco de fato utilizaria para sua indústria.

No mesmo dia, Azevedo deu uma entrevista à imprensa internacional advertindo que, sem progressos na negociação agrícola e cobranças desproporcionais na área industrial, os trabalhos do G-12 estavam ameaçados de serem encerrados ontem, domingo - ou seja, Doha entraria numa longa fase de congelamento. O Brasil e EUA voltaram a se reunir na OMC com economistas da entidade, para ver como as simulações seriam feitas. Segundo fontes próximas da entidade, os economistas passaram a madrugada de sábado para domingo preparando opções. Quando o G-12 se reuniu ontem de manhã, os dois beligerantes apresentaram cinco opções de flexibilidade que saíram do secretariado da OMC, como tentativa para satisfazer Washington e o Mercosul.

O grupo aceitou uma. Negociadores evitam detalhar, mas avisam que ela mantém a flexibilidade defendida pelo Brasil. O Brasil manteve uma postura cautelosa. Azevedo disse que a proposta será examinada com os outros países do Mercosul. Os EUA diminuíram a pressão.

b) Argentina se prepara para pouso forçado

A economia argentina começou a aterrissar, depois de cinco anos consecutivos de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) a taxas de 8% a 9% ao ano. Os economistas estão prevendo um crescimento entre 7% e 7,5% para 2008 e entre 5% e 6% para 2009 - alguns falam até em 4,5% a 5% no ano que vem. As estatísticas oficiais mostram que o PIB cresceu 8,4% no primeiro trimestre de 2008, comparado com o mesmo período de 2007. Abaixo, portanto, dos 9,1% do último trimestre do ano passado.

A inflação crescente e a falta de investimentos são apontados como os principais motivos da desaceleração. O segundo trimestre certamente trará um percentual ainda menor do PIB, influenciado pela paralisação da produção agrícola e dos transportes de carga por causa dos protestos dos ruralistas contra um aumento de impostos decretado em março. A greve dos ruralistas e dos caminhoneiros durou 101 dias e terminou sexta-feira passada, depois que o governo transformou o decreto de aumento dos impostos em projeto de lei e enviou para discussão no Congresso.

Porém, mesmo que não houvesse paralisação, a verdade é que a economia do país já havia chegado ao seu limite. "Já usamos quase toda a capacidade ociosa da indústria e estamos perto de atingir o pleno emprego", afirma o economista Dante Sicca, sócio-diretor da consultoria Abeceb.com, para explicar que estes são os principais sinais de esgotamento do processo de crescimento.

Dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec, o equivalente argentino ao IBGE) comprovam o que diz Sicca. O nível geral de utilização da capacidade instalada das indústrias argentinas saiu de apenas 50% em 2002, ano da crise, subiu constantemente, ultrapassou os 70% em 2004 e continua avançando, com alguns poucos recuos (veja gráfico). Em abril, alguns setores como refino de petróleo e produção de metais básicos se aproximaram de 100% de utilização de sua capacidade.

O problema não é o alto índice de uso da capacidade instalada mas o aumento do uso. A título de comparação, no Brasil a indústria apresenta um índice geral ainda maior, 83,1% em março segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Porém, ao contrário da Argentina, este índice está estável, indicando que as indústrias brasileiras estão crescendo sem aumento do uso da capacidade instalada. Isso significa, segundo a entidade, que estão sendo feitos investimentos na ampliação da capacidade atual de produção.

Os indícios de desaceleração da economia argentina são cada vez mais pronunciados e na semana passada atingiram a indústria automobilística, até então considerada a locomotiva da expansão econômica do país, junto com a indústria da construção - esta já havia começado a desacelerar no fim do ano passado.

A inflação começou a subir no fim de 2006 e de lá para cá, o governo tem tentado contê-la com um programa heterodoxo, baseado no controle de preços e em elevados subsídios diretamente a determinadas indústrias para neutralizar a alta dos custos. Recebem subsídios os setores de aviação, transporte coletivo urbano, alimentação, combustíveis e energia elétrica. Mas o sistema não tem dado resultados satisfatórios já que a maioria dos produtos de preços livres e até mesmo os controlados, continuou subindo.

Enquanto as estatísticas oficiais falam em 9,1% para o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) acumulado nos últimos 12 meses, a estimativa dos economistas independentes é de que a inflação está em 25% a 30% ao ano.

Ao derrubar o poder aquisitivo da população, a inflação deteriorou a confiança dos consumidores ao seu pior nível em cinco anos, segundo uma pesquisa mensal realizada pela Universidade Torcuato Di Tella. Em um trabalho conjunto com a Poliarquía Consultores, a universidade calcula mensalmente o Índice de Confiança do Consumidor (ICC). A última vez este ano que o ICC subiu foi em janeiro. De lá para cá acumula uma queda de 35,1%. De acordo com esta pesquisa, os entrevistados se dizem cada vez menos estimulados a comprar e vêem deteriorar-se sua situação pessoal e a do país do ponto de vista macroeconômico.

A desaceleração da economia argentina dificilmente "contagiaria" o Brasil como aconteceu em outras crises, mas teria impacto direto na balança comercial entre os dois principais sócios do Mercosul, afirma a equipe de analistas do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Banco Bradesco. Em um boletim divulgado sexta-feira, os economistas do banco alertam que a queda de um ponto percentual na taxa de crescimento na Argentina representa uma redução entre US$ 500 milhões e US$ 1 bilhão no saldo das exportações brasileiras.

c) Novo acordo com Uruguai garante importação de carro chinês e blindados

Brasil e Uruguai concluíram um acordo para o comércio de produtos do setor automotivo que deverá garantir, já nos próximos 12 meses, a importação, para o mercado brasileiro, de 1.500 carros Tiggo, da chinesa Chery, montados em regime CKD em território uruguaio. O acordo estende por seis anos o regime de cotas vigente atualmente no comércio do setor automotivo, mas permite a ampliação gradual das vendas brasileiras ao Uruguai, conforme aumente também as compras brasileiras no país vizinho.

"O acordo cria condições de investimentos no Uruguai e o governo brasileiro nos informou ter interesse em oferecer financiamento do BNDES", informou o vice-ministro da Indústria do Uruguai, Gerardo Gader, que também cogita destinar recursos do Brou, o banco oficial uruguaio, para apoiar a instalação de empresas no país.

O acordo atual entre os dois países se extingue em 30 de junho e, com a renovação, o Uruguai assegura a permissão de exportar livremente automóveis fabricados no país segundo as normas de origem do Mercosul (pelo menos 60% de partes e peças fabricados no bloco) e mais uma cota de exportação de 20 mil automóveis anuais. O Brasil terá direito a uma cota de 6,5 mil nos primeiros três anos, que poderá ser aumentada a partir do quarto ano, de acordo com o desempenho das vendas de automóveis do Uruguai ao mercado brasileiro.

O mecanismo de distribuição das cotas entre as montadoras nacionais também incentiva a instalação de fábricas no Uruguai: no rateio de cotas, 70% serão distribuídas de acordo com o desempenho histórico das vendas das montadoras ao mercado uruguaio, mas 30% serão destinados às companhias automotivas de acordo com o desempenho dessas empresas como compradora de carros, partes e peças provenientes do vizinho menor do Mercosul.

O Brasil aceitou mudar as regras de origem para a importação de carros blindados no Uruguai. Os técnicos preparam um código de normas, semelhante ao Processo Produtivo Básico (PPB) existente na Zona Franca de Manaus, em que será fixado um determinado percentual de valor a ser agregado durante a blindagem dos carros, para que o Uruguai possa vendê-los ao Brasil sem pagamento de imposto de importação.

Neste ano, haverá uma cota de 600 blindados sob esse regime, volume aumentado gradualmente nos próximos seis anos, de forma a se manter uma média de 1.200 blindados vendidos pelo Uruguai ao Brasil por ano. A cota já existia no acordo anterior, mas a exigência de 50% de componentes agregados no Uruguai inviabilizava a venda desses carros no mercado brasileiro. "A venda de blindados deve render, neste ano, até US$ 30 milhões ao Uruguai", previu o secretário de Desenvolvimento da Produção, Armando Meziat.

"A diferença no comércio automotivo entre os dois países é de dez para um", disse o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, ao explicar as concessões feitas ao país. Ele disse esperar que as importações do Brasil com origem no Uruguai superem, neste ano, o valor de US$ 1 bilhão, pico alcançado em 1998, logo reduzido com a desvalorização do real, nos anos seguintes. O acordo terá revisões trimestrais, para medidas de correção de rota, caso permaneça ou aumente o desequilíbrio no comércio.

d) Para negociadores, Argentina está isolada no Mercosul

O racha entre a Argentina e o Brasil, envolvendo proteção para as indústrias do Mercosul no acordo da Rodada Doha, ilustrou o isolamento de Buenos Aires no bloco, interpretam importantes negociadores em Genebra. E eles perguntam até que ponto Buenos Aires aguentará bloquear a negociação global.

Peter Allgeier, embaixador dos Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC), disse ao Valor que não ficou surpreso com o racha de Argentina e Brasil. Para Allgeier, a proposta de flexibilidade para o Mercosul arrancada pelo Brasil e rejeitada agora pela Argentina, pode ajudar para um entendimento na OMC.

Alguns embaixadores entendem que não só a Argentina, mas outros vão assumir seus interesses nacionais de maneira mais incisiva, com a aproximação da reunião ministerial, para tentar obter mais concessão dos parceiros.

O que chamou mais a atenção nos círculos comerciais foi a maneira como o isolamento da Argentina no Mercosul explodiu em plena reunião na qual o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, fixou a data de 21 de julho para começar o encontro ministerial com os principais países para tentar salvar Doha.

O representante argentino, Néstor Stancanelli, considerou "inaceitável" a flexibilidade adicional para o Mercosul, e o embaixador brasileiro, Clodoaldo Hugueney, retrucou que quem tinha um problema era a Argentina, não o Mercosul. O Uruguai apoiou o Brasil. Nenhum país se manifestou a favor de Buenos Aires, segundo participantes.

O mais curioso, observam fontes que tiveram acesso aos detalhes da mais recente proposta para o Mercosul, é que a Argentina terá ainda mais espaço para proteger sua indústria, com cortes tarifários menores, comparado ao texto original do mediador.

A avaliação mais comum em Genebra é de que Buenos Aires, de fato, quer arrancar novas concessões do Brasil. O comércio exterior dos dois países é diferente, tanto em tamanho como em composição. O Brasil tem um comércio exterior mais diversificado, enquanto as importações da Argentina estão concentradas em menos linhas tarifárias. Assim, a proteção que cada um deseja também é diferente. Nesse contexto, fontes estimam que Buenos Aires na verdade quer poder incluir mais linhas tarifárias sensíveis na lista do Mercosul, que não coincidem necessariamente com as do Brasil.

Agora o mediador da negociação industrial, o canadense Don Stephenson, vai convocar o Mercosul e os outros países na semana que vem, para discutir mais sobre as flexibilidades para o bloco, como também sobre acordos setoriais e outros temas não resolvidos. O diretor-geral da OMC fez uma aposta arriscada com a ministerial para julho, diante das persistentes divergências entre exportadores e importadores. Os últimos três encontros ministeriais fracassaram.

Organização Mundial do Comércio (OMC)

a) Brasil ameaça ir à OMC se México e Coréia do Sul não abrirem mercado

O Brasil colocará mais pressão sobre a Coréia do Sul e o México, na Organização Mundial do Comércio (OMC), para respeitarem o princípio da regionalização e abrirem seus mercados para a entrada da carne suína de Santa Catarina, que tem o status de livre de febre aftosa sem vacinação.

Célio Porto, secretário de Relações Internacionais do Agronegócio, do Ministério da Agricultura, considera "imprescindível" que os parceiros aceitem a regionalização. Do contrario, restará ao país examinar a derrubada de barreiras diante da OMC.

Ele salientou que os mercados que mais usam pretextos para não aplicar a regionalização são os que normalmente remuneram melhor a carne, o que torna ainda mais importante para o exportador brasileiro. A exceção é a União Européia, que tanto paga bem como aceita o princípio de isolar uma zona afetada de outras em boas condições sanitárias.

A mensagem do endurecimento brasileiro visa especialmente a Coréia do Sul. "É o único país com o qual as discussões bilaterais não saíram do zero." Os sul-coreanos até hoje não enviaram uma missão de veterinários para examinar a situação in loco. Já foram cobrados uma vez pelo Brasil no Comitê de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS), da OMC. Brasília voltará a cobrar.

O governo brasileiro esperava resolver a barreira contra a carne suína de Santa Catarina durante a reunião consultiva bilateral, marcada para este mês em Seul. Mas o governo coreano cancelou a reunião, alegando que no contexto político atual não tem condições de discutir o tema com o Brasil.

É que o governo sofreu intensa pressão pública, que levou o presidente a se desculpar duas vezes na televisão, por causa de um acordo com os EUA envolvendo importação de carne bovina. No fim de semana, o acordo foi sacramentado, após Washington se comprometer a limitar suas exportações para a Coréia de carne somente de animais com menos de 30 meses, para satisfazer as exigências da Associação Coreana dos Importadores Gado.

Com relação ao México, o governo sempre promete mandar missão veterinária, sem concretiza-la. Já com o Japão, as coisas andam melhor. Os japoneses devem publicar em breve o relatório da missa técnica que esteve em Santa Catarina em dezembro. Uma missão dos Estados Unidos tambem esteve no Estado na semana passada. O Canadá promete enviar uma missão até dezembro, mas quer em contrapartida que o Brasil reconheça o país como livre da doença da vaca louca.

Por outro lado, os EUA avisaram que reconhecerão em ritmo mais acelerado uma zona livre no Brasil da mosca "anastrepha grandes", praga vegetal que pode impedir entrada de produtos agrícolas no mercado americano.

b) Lamy marca reunião ministerial, mas Mercosul racha de novo

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, fixou para 21 de julho o começo de uma reunião ministerial que representa uma última chance para um acordo agrícola e industrial na Rodada Doha. Deverão participar de 30 a 35 ministros representando diferentes interesses na negociação, mas a dificuldade para um acordo foi escancarada durante o próprio anúncio de Lamy, quando o Mercosul mostrou-se rachado, com Brasil e Argentina seguindo em direções opostas.

O diretor da OMC decidiu preparar a ministerial diante de "recentes progressos" nas negociações, acreditando numa chance acima de 50% para a obtenção de um acordo agrícola e industrial. Um desses progressos foi a flexibilidade adicional para as indústrias do Mercosul. Na semana passada, o Brasil paralisou a rodada para arrancar, três dias após, um compromisso dos Estados Unidos garantindo a utilização de toda a flexibilidade prevista no atual texto industrial, com 12% a 14% das linhas tarifárias sendo poupadas do corte inteiro que será acertado.

A Argentina avisou , porém, que considera "totalmente inaceitável" o que está na mesa e que a proposta não é suficiente para fechar um acordo nessas bases. O subsecretário de Assuntos Comerciais da Argentina, Nestor Stancanelli, disse ao Valor que, pela proposta, o bloco continuaria a receber tratamento menos favorecido do que outros países fora de uniões aduaneiras.

Stancanelli exemplificou que as linhas tarifárias sensíveis do Mercosul são 1.456 - 16,5% do total. Acontece que a coincidência de tarifas a serem protegidas no bloco levaria Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai a só poderem proteger, na prática, até 10% das tarifas. "Se não temos 16,5% de flexibilidade, então é pior do que como país individual e não é possível aceitar que como bloco estejamos pior do que sozinhos", afirmou.

O Brasil argumenta que o acordo obtido no fim da semana era, no mínimo, igual ao que a Argentina já tinha aceito sobre o tamanho da proteção à indústria. Stancanelli retrucou que "essa nova metodologia não serve para garantir o que os países do Mercosul teriam individualmente".

Nos círculos comerciais, a posição Argentina soou como uma advertência de que um novo fiasco é bem provável na reunião. Enquanto o representante argentino insistiu que a coordenação existia com o Brasil, certos negociadores indagavam se afinal há diálogo ou não entre Brasília e Buenos Aires. O subsecretário argentino de comércio exterior evitou comentar a posição do Brasil, mas avisou que "o Mercosul tem que trabalhar unido e não ceder a pressões como bloco, porque o que está na mesa é totalmente inaceitável".

Nestor Stancanelli acusou os Estados Unidos e a União Européia de querer "retirar do Mercosul tudo o que podem". Reclamou que os dois gigantes do comércio mundial "não têm consciência" de que o bloco está apenas pedindo tratamento justo. E que isso tambem é bom para eles, pois "quanto mais o Mercosul cresce, mais aumentam suas importações".

Ele reclamou que Washington e Bruxelas não consideram esse aspecto econômico e "não aceitam a flexibilidade" para a indústria do bloco seguir crescendo". Ele disse que a Argentina quer contribuir com a liberalização na rodada, mas os países industrializados têm que pagar mais. "Se eles não entendem, não há acordo e a culpa é deles", avisou. Stancanelli diz esperar, em todo caso, que os países ricos "reajam positivamente, entendendo que todos devem ganhar na rodada e que não é possível que uns percam e outros ganhem".

Pascal Lamy disse aos principais embaixadores na OMC que ele planeja uma reunião ministerial que começará no dia 21 de julho. Mas a idéia é que os ministros cheguem a Genebra a partir do dia 19 para encontros informais no fim de semana.

c) Coréia resiste a importar suíno de SC

A pressão que a delegação brasileira anunciou contra a Coréia do Sul para derrubar barreiras contra a carne suína de Santa Catarina, Estado livre de aftosa sem vacinação, não deu resultado ontem. Está em jogo um mercado com potencial de exportações de 400 mil toneladas do produto. A Coréia se recusa a aceitar as regras internacionais de regionalização sanitária.

Em reunião à margem da Organização Mundial do Comércio (OMC), os coreanos insistiram que têm dificuldade política para discutir com o Brasil a abertura de seu mercado. Mencionaram de novo os protestos contra acordo de importação de carne bovina, feito com os EUA, país que teve a doença da "vaca louca".

Nesse cenário, os exportadores de carne suína se preparam para uma eventual disputa com a Coréia, para derrubar barreiras. Pedro de Camargo Neto, presidente da Abipecs (reúne os exportadores), consultará hoje em Genebra escritório internacional de advocacia e depois irá à Ásia.

Por outro lado, o Comitê da OMC que trata de segurança de alimentos e saúde animal e de plantas, quer encorajar os países a recorrerem ao seu presidente para resolver confrontos, antes de abertura de disputa formal.

Plano Internacional

a) Oferta saudita de petróleo enfrenta ceticismo

A Arábia Saudita procurou acalmar a profunda ansiedade no mercado de petróleo prometendo ao mundo um pouco mais de produção agora e, possivelmente, muito mais no futuro.

Mas não está claro se a tentativa saudita de reafirmar sua força petrolífera será suficiente para esfriar a alta histórica na cotação da commodity, que muitos temem que pode subir ainda mais. A cotação do petróleo chegou na semana passada ao recorde de US$ 139,89 o barril na Bolsa Mercantil de Nova York. Desde então ela caiu, mas mesmo assim muito pouco.

O maior produtor mundial de petróleo disse a ministros de Estado e executivos do setor, reunidos numa conferência de produtores e importadores em Jidá, na costa do Mar Vermelho, que aumentará sua produção em 200.000 barris diários durante o resto do ano se for necessário, ante os atuais 9,5 milhões de barris. O mercado mundial é de uns 86 milhões de barris diários.

Além disso, numa tentativa de acalmar o temor crescente de que a oferta futura possa não atender à demanda cada vez maior, a Arábia Saudita prometeu levar adiante uma campanha agressiva para aumentar sua capacidade total para 15 milhões de barris diários até 2018, ante cerca de 11,4 milhões atuais.

Um aumento de capacidade dessa magnitude seria extraordinário para um país que nunca produziu mais de 11 milhões de barris por dia. Para chegar lá, a Arábia Saudita terá de espremer volumes ainda maiores de petróleo principalmente de campos que estão ativos desde a década 40 - uma tarefa nada fácil.

A tentativa saudita de atacar as principais preocupações com a oferta no longo prazo surpreendeu muita gente. O ministro do petróleo do reino, Ali Naimi, tinha dito alguns meses atrás que se tudo correr de acordo os planos não havia nenhuma necessidade de ir além dos investimentos substanciais já em execução, que aumentarão a capacidade saudita para 12,5 milhões de barris diários até o ano que vem. O governo saudita está gastando mais de US$ 60 bilhões para melhorar suas técnicas de produção e também interromper o declínio natural em campos gigantescos mas maduros, como Ghawar e Abqaiq.

Alguns especialistas em petróleo desconfiam da capacidade dos sauditas de aumentar a produção para 15 milhões de barris diários. "Eu temo que veremos os grandes campos (atualmente em produção) chegar ao auge em mais ou menos 12 milhões de barris diários", disse Edward Price, um ex-presidente da petrolífera estatal do país, a Saudi Aramco. "Até mesmo na Arábia Saudita há uma limitação de recursos", disse Price, que continua acompanhando o desempenho da Aramco.

Os prometidos barris extras dos sauditas chegam num momento em que a produção caiu fortemente em outros grandes países produtores. A Nigéria informou que, diante dos contínuos ataques de rebeldes a suas instalações petrolíferas, a produção no momento é a mais baixa dos últimos 25 anos, quase 1 milhão de barris menor que o normal. As exportações de petróleo do México, Reino Unido e Noruega - todos países que tiveram papéis importantes para aplacar nos últimos vinte anos a sede mundial por petróleo - também vêm caindo rapidamente.

Organizada pelos sauditas, a conferência foi um evento sóbrio, em que representantes de 36 países, como o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, e presidentes de quase dez petrolíferas multinacionais e delegados do alto escalão da Organização de Países Exportadores de petróleo discutiram como suavizar o altíssimo preço do petróleo, uma situação que o rei saudita Abdullah afirmou ser uma grave ameaça à segurança mundial.

A cotação do petróleo dobrou nos últimos 12 meses, causando uma alta acentuada no preço dos combustíveis e onerando setores que vão das companhias aéreas ao transporte marítimo de cargas e às montadoras. O aumento do preço também motivou protestos violentos na Europa e instabilidade econômica em boa parte do mundo em desenvolvimento.

A conferência de Jidá, marcada para durar apenas um dia, desencadeou uma série de promessas, com grandes produtores como Arábia Saudita prometendo fazer mais para aplacar o temor de escassez e grandes consumidores como os Estados Unidos cogitando maior investimento em fontes de energia renovável. Mas o conclave provavelmente fará muito pouco para mudar a presente percepção de precariedade nos mercados mundiais de petróleo.

Por trás dos calorosos apertos de mão e das promessas de cooperação há um profundo desentendimento sobre as causas da alta do petróleo. Autoridades sauditas disseminaram a visão de que a volatilidade não é relacionada à oferta. O rei Abdullah, em discurso aos participantes, condenou o "egoísmo" daqueles envolvidos no mercado de contratos futuros do petróleo, especuladores que ele criticou chamando de "desprezíveis".

O rei disse que muitas pessoas nos países ricos continuam "a culpar unicamente a Opep", apesar dos esforços recentes do cartel para acompanhar a demanda.

Mas ministros de países importadores como os EUA atribuíram a maior parte da culpa a aspectos básicos de oferta e procura, argumentando que é preciso mais petróleo num período em que a demanda mundial subiu 1,8% ao ano em média desde 2003 - em grande parte por causa da demanda crescente de economias em rápido crescimento como China e Índia. A Opep fornece cerca de 40% do petróleo mundial.

Antes da reunião em Jidá, os sauditas tinham a esperança de fazer os preços baixar ao prometer um grande aumento na produção. Quando isso não mexeu nos mercados, as autoridades petrolíferas do país pareceram voltar sua atenção a planos de longo prazo.

Naimi disse que o país está avaliando investir US$ 129 bilhões em projetos de petróleo nos próximos cinco anos. Se necessário, disse, o país pode adicionar mais 2 milhões de barris diários em capacidade extra por meio de perfurações em cinco grandes campos.

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