Comércio Exterior
a) Importação e substituição tributária
As operações de importação vão além do já complicado processo de aplicação do sistema fiscal e tributário tradicional. Quem atua no setor sabe que, mais do que lidar com prazos de pagamentos e documentos fiscais, muitas vezes é preciso buscar outros caminhos para reduzir os custos, sem que isso acarrete em infrações e multas.
As importações podem ser realizadas por conta própria, por conta e ordem ou por encomenda. No primeiro caso, o importador é o responsável por toda a operação para trazer a mercadoria do exterior para o País. Na segunda opção, o importador realiza toda a importação para seu cliente. E no último caso, o encomendante contrata uma empresa importadora.
Um recurso bastante utilizado, principalmente por empresas instaladas em São Paulo, são as chamadas operações fundapianas e que têm gerado diversas discussões nas esferas judiciais. Nesse sistema, a importação é feita por intermédio de uma trade localizada no Espírito Santo, onde a incidência de alíquota de ICMS é menor, de 12%, enquanto a média dos outros Estados brasileiros é de 18%. Além do fato do ICMS devido no Estado capixaba ser financiado pelo banco estadual, sendo concedido benefício fiscal para os estabelecimentos situados naquela unidade da federação.
A trade é como se fosse o despachante da operação, cuida da questão formal da importação, do desembaraço e do despacho. Ela é a importadora jurídica. Já a empresa que contrata seu serviço passa a ser a importadora física e, dessa forma, só precisa se preocupar em fechar o câmbio e o contrato com a pessoa jurídica estrangeira que pretende exportar seu produto para o Brasil.
Nas operações do Sistema Fundap - Fundo para o Desenvolvimento das Atividades Portuárias, criado pela Lei nº 2.509, de 1970, os custos operacionais e portuários são mais baixos na comparação com os demais portos do país. O mecanismo foi criado pelo governo do Espírito Santo para incentivar empresas que realizam operações de importação pelos portos capixabas.
O que a Justiça está em vias de decidir é em qual Estado da federação deve ser recolhido o ICMS, se ele incide sobre o destinatário jurídico, no caso a trade do Espírito Santo, ou sobre o físico, que é a empresa que vai importar o produto. O tema tem causado divergências, já que algumas câmaras julgadoras entendem que o imposto é devido pela importadora ou pelo destinatário físico da mercadoria, e outras defendem que cabe ao responsável pela importação recolher o ICMS.
Importante salientar que o Supremo Tribunal Federal recentemente decidiu, sob a relatoria do ministro Joaquim Barbosa, que o ICMS-importação deve ser recolhido ao Estado em que se situa o importador, independentemente se a mercadoria foi desembaraçada em Santos e entregue a estabelecimento paulista. Porém, não foram analisadas as questões de importação por conta e ordem.
Enquanto a decisão não sai, o governo paulista deixa de recolher parte do ICMS de empresas que optam pelas chamadas operações fundapianas. O produto importado que chega pelo Espírito Santo recolhe uma alíquota de 6%, sendo que o valor é deduzido do ICMS interestadual de 12%, cobrado quando o produto entra no Estado de São Paulo. Se a importação fosse feita pelo Porto de Santos, a alíquota seria ainda maior, de 18%.
Nos últimos anos, diversas iniciativas têm sido adotadas para estimular o desenvolvimento do Norte e do Nordeste do Brasil. Exemplo disso foi a adoção de uma alíquota inferior de ICMS, de 7%, cobrada quando um produto entra em qualquer um dos Estados dessas duas regiões, durante as operações feitas no mercado interno, contra os 12% cobrados quando a mercadoria vem de lá para outros Estados.
São Paulo também adotou uma série de medidas para reduzir os custos de empresas instaladas em municípios paulistas, boa parte delas setorizadas, como o benefício da carne, que estipulou alíquota zero para o produto comprado nos frigoríficos do Estado. Já quem compra a carne em outra unidade da federação arca com a alíquota de 12%.
Outros incentivos adotados pelo governo paulista foram a alíquota de 7% do ICMS para produtos da cesta básica e bens de informática, além do regime especial de tributação para as micro e pequenas empresas. O Estado ainda criou um programa de incentivos para empresas que se instalarem em parques tecnológicos, que prevê a utilização dos créditos acumulados do ICMS apropriados até 30 de novembro de 2010. Essas empresas podem ainda deferir o imposto para o pagamento de bens ou mercadorias utilizadas nos projetos de investimento e no pagamento do ICMS relativo à importação de bens destinados ao seu ativo imobilizado.
Mas talvez a ação de maior destaque tenha sido a implantação da substituição tributária, pois ela acaba com o sonegador fiscal e com a concorrência desleal, ao colocar todos os contribuintes no mesmo patamar de competitividade. Nesse sistema, a indústria é a responsável pelo recolhimento de todo o ICMS devido na cadeia daquele produto, o que garante para o bom pagador que o seu concorrente não vai sonegar, já que teve o seu imposto recolhido na saída da fábrica.
O modelo de substituição tributária foi implementado depois que se constatou que os fabricantes vendiam seus produtos a milhares de distribuidores e revendedores, sendo que esses últimos sonegavam o ICMS. Tributar os fabricantes, que são em menor quantidade, facilita a fiscalização e impede a concorrência desleal entre os contribuintes que recolhem e os que não recolhem regularmente seus tributos.
Medidas como essas mostram que o Estado que abriga o maior parque industrial do país ainda possui atrativos que fazem com que muitas empresas permaneçam instaladas nos municípios paulistas, em especial na cidade de São Paulo, apesar de usufruírem, em alguns casos, dos incentivos oferecidos em outras unidades da federação.
b) Preços de importação sobem e deixam de ajudar no controle da inflação
Os produtos importados já deixam de ajudar no controle da inflação. No quarto trimestre de 2009, os preços em dólares de bens de consumo vindos do exterior subiram em relação ao trimestre anterior. As cotações de bens duráveis (como automóveis e eletroeletrônicos) aumentaram 0,82%, enquanto as dos não duráveis (como alimentos, têxteis e calçados) cresceram 2,98% nesse período. Depois de vários meses de deflação em moeda forte, esses produtos começaram a chegar ao país mais caros, segundo números da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex). Na média, os preços das importações aumentaram 0,5% no quarto trimestre.
Nesse cenário, não deverá ser possível contar em 2010 com o auxílio de produtos estrangeiros mais baratos para segurar a inflação, ainda que os analistas não acreditem em uma alta das cotações em dólar dos bens importados capaz de pressionar com força os índices de preços. Mesmo que não seja uma fonte de pressão inflacionária relevante, a alta dos preços de importação ocorre no momento em que se consolida a percepção de que, daqui para frente, o dólar ficará em níveis mais altos do que nos últimos meses de 2009. Na sexta-feira, a moeda americana fechou em R$ 1,885, 8,15% acima dos R$ 1,743 do fim do ano passado.
Sob o impacto da crise global, os preços em dólar dos bens de consumo importados encolheram nos três primeiros trimestres de 2009. As cotações dos duráveis caíram com mais força, especialmente entre julho e setembro, quando reduziram-se 5,55% sobre os três meses anteriores. Esse movimento contribuiu para a deflação dos bens duráveis em 2009. Pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), esses produtos recuaram 1,88%, também por conta da redução da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de veículos e eletrodomésticos da linha branca e do tombo do dólar. Com a forte desaceleração da economia global, empresas de países como a China concederam descontos em dólar, para desovar os seus produtos.
Os números da Funcex mostram a interrupção desse fenômeno no quarto trimestre. Para o estrategista-chefe do WestLB, Roberto Padovani, a inversão das cotações se deveu à retomada da atividade econômica global, depois da forte retração registrada em boa parte de 2009. Com essa recuperação da produção global, os preços em dólar dos duráveis importados exibiram alguma reação, que ocorreu depois das quedas ocorridas nos três trimestres anteriores. As cotações dos não duráveis subiram mais - 2,98% no quarto trimestre, mesmo depois de terem caído pouco entre janeiro e setembro.
Os preços em dólar que mais aumentaram no quarto trimestre foram das importações de combustíveis - 6,82%, depois da alta de 24,4% no terceiro -, obviamente devido à alta das cotações do barril de petróleo. Já os bens de capital e bens intermediários (insumos como aço, produtos químicos e plástico) registraram baixa no período, de 2% e 1,16%, pela ordem.
O economista-chefe da Funcex, Fernando Ribeiro, diz que os preços em dólar das importação não terão uma trajetória contínua e generalizada de alta neste ano. Para ele, a tendência mais provável para as cotações de bens duráveis e não duráveis é de estabilidade. "Ainda há um excesso de oferta no mundo", afirma Ribeiro, para quem a indústria global ainda trabalha com níveis bastante confortáveis de ociosidade. Nesse quadro, não há espaço para a tentativa de grandes reajustes de preços. "Não acho que os preços de importação em dólar serão uma fonte de preocupação para a inflação em 2010", diz ele. O que pode ocorrer, segundo Ribeiro, é a elevação mais forte de uma ou outra commodity.
A combinação de dólar mais caro e preços de importação estáveis ou em leve alta tende a se traduzir em maior inflação de bens duráveis. As cotações em moeda forte dos produtos importados devem no mínimo deixar de ajudar no controle da inflação, avalia o economista-chefe da corretora Concórdia, Elson Teles. No fim do ano passado, por exemplo, já houve uma alta dos preços de bens duráveis em reais. Entre setembro e dezembro de 2009, as cotações de duráveis no IPCA subiram 1,29%, depois de terem recuado nos cinco meses anteriores.
O cenário mais perigoso seria de uma forte alta de commodities, que se traduzisse em aumento dos preços desses produtos em reais. Padovani avalia que essa possibilidade não é das maiores, trabalhando com a volta das cotações para níveis próximos das médias históricas, e não para os picos atingidos em 2008.
Nas últimas semanas, o real se desvalorizou bastante na comparação com o dólar, mas, ao mesmo tempo, as commodities recuaram. O barril do petróleo WTI, por exemplo, caiu 12,37% desde 6 de janeiro, quando atingiu a máxima do ano, negociado a US$ 83,18 - na sexta-feira, fechou cotado a R$ 72,89.
O que ganha força entre os analistas é a aposta num dólar mais caro ao longo do ano. Teles aposta em R$ 1,85 em dezembro, projetando um IPCA de 4,6% a 4,7% em 2010, um pouco acima dos 4,5% do centro da meta perseguida pelo Banco Central. Os economistas do Bradesco elevaram a sua projeção para o câmbio no fim do ano de R$ 1,75 para R$ 1,85, por conta de fatores externos e internos. A tendência de valorização da moeda americana em relação a outras divisas aponta para um real mais depreciado, dizem eles, que destacam também a expectativa de piora do déficit em conta corrente, especialmente por causa do forte crescimento da demanda interna. O banco projeta um rombo de US$ 63,5 bilhões nas transações comerciais, de serviços e rendas do país com o exterior, bem acima dos US$ 24,3 bilhões de 2009.
c) Importação de bens de consumo dispara
Puxada pelos produtos básicos, principalmente petróleo e seus derivados, as exportações surpreenderam ao fechar o mês de janeiro com elevação de 21,3% da média diária, na comparação com o mesmo período de 2009. Embora o valor dos embarques tenha contribuído para uma redução no saldo negativo da balança comercial em janeiro, especialistas lembram que a alta das exportações de petróleo fez grande diferença nos números e ficou muito concentrada na última semana do mês, quando a média diária de vendas ao exterior foi de US$ 161,2 milhões. O valor foi bem superior à média mensal, de US$ 82,75 milhões ao dia. Isso coloca em dúvida a sustentação do desempenho dos embarques.
É possível que tenha sido algo pontual. É preciso esperar o comportamento nos próximos meses, diz Fernanda Feil, da Rosenberg & Associados. Para ela, o comportamento do petróleo e seus derivados surpreendeu também, porque o esperado era um nível de exportação menor, em razão da maior demanda interna, como resultado da elevação do preço do álcool combustível.
O desempenho dos importados, ao contrário, acredita Fernanda, mostra tendência maior de continuidade. A média diária de desembarques de matérias-primas e produtos intermediários aumentou 16,8% em janeiro de 2010 na comparação com janeiro de 2009.
Mesmo considerando que a base de comparação está deprimida, porque em janeiro do ano passado a crise econômica jogou para baixo a corrente de comércio, chama a atenção a elevação na média diária de importação de bens de consumo, que cresceu 37,9% no mesmo período. Os duráveis tiveram alta de 51,8%, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento (MDIC).
Na comparação dessazonalizada em relação a dezembro, diz Fernanda, o desempenho dos bens intermediários revela o impulso da produção interna. Segundo dados do ministério elaborados pela Rosenberg, a importação de intermediários teve alta dessazonalizada de 5,3% em janeiro, na comparação com o mês anterior. Na mesma base de comparação, os bens de consumo não duráveis tiveram alta de 0,8% e os bens de capital, 1%. Os duráveis tiveram queda de 0,5%, mas mesmo assim fica mantida a tendência de alta, diz.
O comportamento das importações mostra claramente que o mercado interno está com gás, diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de comércio exterior do Brasil (AEB). Para ele, o que revela isso é o bom desempenho da importação de janeiro em relação a dezembro de 2009, com alta de 2,7% na média diária do total de valores desembarcados. Em janeiro, de forma geral, esse movimento costuma cair, diz Castro. As exportações, ao contrário, tiveram queda de 14% no valor diário do total embarcado em janeiro, na comparação o mês anterior. Em relação a janeiro de 2009, a alta foi de 21,3%.
As importações estão mostrando fôlego suficiente para manter nos próximos meses um valor médio total de US$ 600 milhões ao dia, diz Castro. Em janeiro, a média foi de US$ 573,6 milhões.
Otimista com o desempenho de janeiro, o economista André Sacconato, da Tendências, diz que o comportamento do comércio exterior no mês confirma as previsões da consultoria de superávit de US$ 20 bilhões para este ano. E reconhece que o desempenho das exportações puxadas principalmente pelas embarques de petróleo e seus derivados concentrados na última semana de janeiro deixa dúvidas.
Não sabemos se com essa concentração vamos ter uma retração nas exportações nas próximas semanas ou se a última semana foi uma recuperação do que não foi vendido nas primeiras três semanas de janeiro, diz Sacconato. De qualquer forma, acredita, as exportações devem aumentar a partir de março, em função das safras agrícolas, e fica mantida a previsão de que as exportações e importações devem crescer em 2010, com ritmo mais forte e crescimento maior dos desembarques.
d) Plano prevê triplicar porto de Santos até 2024
O porto de Santos ganhou novas projeções para movimentação de carga de importações e exportações. A nova previsão indica que o porto alcançará 230 milhões de toneladas por ano em 2024. O volume é 2,7 vezes o total movimentado no ano passado, quando o maior porto do país registrou um nível recorde de operações, com 83 milhões de toneladas -crescimento de 2,6%.
O novo plano de crescimento do cais santista, apresentado dentro das comemorações do 118º aniversário do porto, será a base para a elaboração do novo plano diretor. O projeto foi financiado pelo BID e prevê o aproveitamento de áreas dentro e fora dos limites do chamado porto organizado.
A principal preocupação com o anúncio, admitida pelas autoridades portuárias, é qual a capacidade dos atuais acessos ao porto para suportar um volume de cargas tão superior aos níveis atuais. Para o secretário dos Transportes, Mauro Arce, impressiona o volume de carga projetada para Santos. Quando ouço esse número de 230 milhões de toneladas, penso: isso não pode ser dividido com outros portos?, diz.
Hoje, o porto de Santos é o principal destino de boa parte da soja plantada e colhida em grande parte do Centro-Oeste e da parte ocidental do Nordeste brasileiro. Em 2009, foram exportados pelo porto de Santos 10,6 milhões de toneladas da região, crescimento de 5,3% ante 2008. Uma parte dessa produção não deveria sair por Santos, mas pela região Norte.
Para o ministro da Secretaria Especial dos Portos, Pedro Brito, o crescimento projetado para o porto de Santos será totalmente dependente de uma nova matriz de transporte. Hoje, apenas 20% das 83 milhões de toneladas de carga que passam pelo porto santista chegam ou saem de trem.
Estudo de acessibilidade também apresentado ontem mostra que a atual estrutura ferroviária, operada por MRS e ALL, já possui gargalos. A situação tende a piorar nos próximos anos. Uma das condições para viabilizar o crescimento do porto de Santos é a mudança da matriz de transporte. O Plano Nacional de Logística e Transporte prevê isso. O governo quer duplicar a participação das ferrovias, de 13%, até 2015, disse Brito.
Para José Roberto Serra, presidente da Codesp, os volumes projetados de 230 milhões de toneladas em 2024 só serão alcançados com maciços investimentos em infraestrutura de acesso. O porto poderá ter terminais para suportar esse volume, mas isso precisará estar associado aos investimentos em infraestrutura de acesso, com ênfase sobre as ferrovias, afirma Serra.
e) A nova onda de aquisições no exterior
A aquisição da americana Sunoco pela Braskem, a compra, pela Votorantim, da fatia da Lafarge na portuguesa Cimpor, e até a investida de companhias de moda em mercados externos é uma prova inequívoca de que estamos em uma nova fase no processo de internacionalização das companhias brasileiras. A busca de mercados além-fronteiras não é exatamente uma novidade no mundo corporativo brasileiro e a gaúcha Gerdau - com a maior parte do seu faturamento hoje no exterior - é sempre lembrada como exemplo de internacionalização. A novidade está na forma mais madura, disseminada e consistente que o processo adquiriu nos últimos meses.
Apenas em 2009, segundo dados recentemente divulgados pelo Banco Central, os investimentos brasileiros diretos no exterior alcançaram US$ 10,1 bilhões, enquanto os investimentos estrangeiros diretos (IED) no Brasil somaram US$ 25,9 bilhões. Para 2010, o BC projeta investimentos estrangeiros diretos (que não incluem a compra de ações nas bolsas) de US$ 45 bilhões e o último Boletim Focus, com a média das opiniões dos economistas, projeta US$ 38 bilhões. Não há previsões oficiais para os investimentos brasileiros diretos no exterior, mas a se julgar pelo tumultuado início de 2010, o ano promete.
Estamos projetando aumento da entrada de recursos externos no Brasil, tanto de investimento direto, como de portfólio (ações). E vemos como natural a participação crescente de empresas brasileiras no mercado internacional, diz Nilson Teixeira, chefe da equipe de análise econômica do Credit Suisse, que projeta IED de US$ 40 bilhões em 2010. Ele diz que, a médio prazo, o investimento estrangeiro deve continuar a ser maior do que o brasileiro lá fora e não se arrisca a dizer se pode haver, no futuro, uma reversão desse superávit. Mas o que se pode dizer é que esse avanço no exterior não está mais só concentrado nas grandes empresas. Vemos marcas de biquínis, empresas de moda e outras ampliando sua exposição no exterior, seja em comercialização, absorção de tecnologia ou em aquisições, afirma.
Essa nova fase no processo de internacionalização é consequência, claro, do processo de estabilização macroeconômica, mas também do fortalecimento do mercado de capitais, da capacidade de endividamento das empresas e da expansão do mercado doméstico, que deixou os grupos com maior musculatura. No passado, muitas grandes companhias brasileiras chegaram a perder negócios para concorrentes porque não conseguiram usar suas ações como forma de pagamento. Hoje, isso é viável porque os papéis de empresas nacionais são bem avaliados em bolsa. O custo de capital é hoje competitivo. A empresa nacional tem como se endividar, emitir bônus no exterior e até aumentar seu capital para suportar uma aquisição, diz Reynaldo Passanezi Filho, vice-presidente da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica).
O governo - em especial, o BNDES - está atento à necessidade de apoio à internacionalização das empresas brasileiras. Embora as iniciativas ainda sejam tímidas frente ao arsenal de que dispõem companhias de outros países, estão na direção correta, segundo avaliação de analistas. O banco presidido por Luciano Coutinho, por exemplo, está criando uma estrutura para poder financiar diretamente as companhias brasileiras no exterior, sem a necessidade de que os recursos sejam trazidos ao país. O estatuto do banco teve de ser alterado para que isso fosse possível. Até o início da década, o BNDES tinha restrições e exigia que as empresas apresentassem um crescimento de exportações como contrapartida aos financiamentos para internacionalização. Acabou a imagem negativa de que a aquisição feita no exterior representava uma fuga de capitais. O regime de câmbio flutuante foi importante para essa mudança de percepção, diz Passanezi Filho.
Com o fim da percepção negativa sobre a saída de capitais, o amadurecimento do processo de internacionalização e a expectativa de continuidade desse movimento, é hora, agora, de acompanhar como a ida de empresas brasileiras para o exterior pode afetar nosso balanço de pagamentos. Na década de 90, quando ocorreram as grandes privatizações no Brasil, a chegada dos estrangeiros e seus dólares era comemorada (ajudava a fechar nossas contas externas e a manter a política de câmbio quase fixo). Mas, naquela época, economistas alertavam que essas companhias, mais tarde, iriam remeter lucros e dividendos para suas matrizes, com impacto no balanço de pagamentos. Em 2008 e 2009, segundo levantamento do Credit Suisse, seis setores (veículos automotores, metalurgia, sistema financeiro, eletricidade, produtos químicos e bebidas) responderam por mais da metade das remessas de lucros e dividendos para o exterior. É natural que aqueles que mais investiram no país sejam os que mais remetam recursos, diz Teixeira.
Em 2008, segundo dados do Banco Central, o total de remessas de lucros e dividendos foi de US$ 33,875 bilhões. No ano passado, as remessas foram de US$ 25,2 bilhões e a previsão do BC para este ano é de US$ 30,2 bilhões. Para se ter uma base de comparação, o projetado para 2010 representa quase 20% das importações do país. É um peso importante no resultado final da conta corrente, que teve um déficit de US$ 24,334 bilhões no ano passado e deve registrar em 2010, segundo projeções do BC, déficit de US$ 40 bilhões.
Com o avanço das aquisições no exterior, seria interessante que também o movimento de entrada de recursos com remessas de lucros e dividendos dessas companhias adquiridas passe a ser acompanhado mais atentamente. Não se espera que, a curto ou médio prazo, ele supere as remessas para o exterior. Mas a conta torna-se passível de análise. Se há uma nova fase no processo de internacionalização das empresas brasileiras, o BC pode ajudar, com a divulgação de estatísticas, a acompanhá-la melhor.
Agronegócio
a) Nova companhia aumenta pressão sobre liderança da BR na distribuição de etanol
A união da Shell e da Cosan, o maior investimento de uma empresa de petróleo em biocombustível feito até hoje, aumenta a pressão sobre a liderança histórica da BR Distribuidora em pelo menos um dos segmentos da distribuição de combustíveis. Apesar de ainda manter-se líder no mercado geral, na distribuição de etanol a subsidiária da Petrobras sente mais uma concorrente privada no seu calcanhar. A BR tem 32,5% do total, contra 29,2% da nova companhia. A BR já é seguida de perto pelas duas bandeiras do grupo Ultra (Texaco e Ipiranga), que somadas tem 29,6% do segmento de etanol.
A associação entre a multinacional e a brasileira causou surpresa, em termos, na sede da BR, no bairro carioca do Maracanã (zona norte). A empresa não quis falar oficialmente sobre o negócio, mas entenderam a união como um movimento coerente com as mudanças em curso no mercado brasileiro de distribuição. Após uma tendência à pulverização, quando a abertura do mercado de petróleo e derivados, no fim da década de 90, permitiu a existência dos chamados postos de bandeira branca, a tendência agora é a concentração nas não de empresas de maior porte. Ao mesmo tempo, a operação foi vista como o aproveitamento pela Shell de uma oportunidade de se posicionar bem no mercado de combustíveis renováveis, após ter reduzido substancialmente sua fatia no mercado de distribuição de derivados de petróleo no Brasil.
A Shell, lembram os executivos da BR, deixou de vez vários mercados latino-americanos de distribuição, como Colômbia e Uruguai, agindo de acordo com uma análise predominante entre as grandes empresas mundiais de petróleo segundo a qual a prioridade era a exploração e produção e que o refino e distribuição só era importante naqueles locais onde a empresa tivesse uma presença muito significativa. Foi durante esse período que por várias vezes surgiu no Brasil de que a área de distribuição da multinacional anglo-holandesa estava à venda. Naquela época, a Shell estava preocupada com a concorrência predatória de empresas beneficiadas por liminares para não pagar tributos e até com a venda de combustíveis adulterados.
Quanto à concorrência futura por parte da nova associação, os executivos da BR preferem aguardar os acontecimentos. Mas um deles lembra que o movimento mais significativo da Shell nesse caminho ocorreu em maio do ano passado, quando ela adquiriu, por US$ 75 milhões, a área de querosene de aviação (QAV) da própria Cosan. Com a compra, a Shell, ex-lider desse segmento, ficou com 40% do mercado, contra quase 60% da BR.
A nova empresa terá forte presença no Sul e Sudeste e poderá gerar algum tipo de manifestação por parte do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O Cade deverá fazer uma análise criteriosa, mas trata-se de um mercado que já é bastante concentrado, diz o sócio-gestor da DLM Invista, Luiz Iani. Pode haver uma ou outra restrição, mas o negócio deve ser aprovado. O setor roda com margem (lajida) em torno de 3% e precisa de escala para conseguir margens mais razoáveis.
A onda de consolidação resultou ainda em maior nacionalização da atividade. Enquanto a rede Texaco foi comprada pelo grupo Ultra, que também levou uma parte dos ativos de distribuição da Ipiranga - outra parte ficou com a Petrobras -, a Esso no país foi adquirida pela Cosan.
A entrada da Shell em biocombustíveis é vista também como uma importante cartada no comércio mundial de etanol. Já é a terceira petrolífera a participar da produção de biocombustíveis no Brasil em menos de um ano. Com essa parceria, a fatia de capital de multinacionais no setor sucroalcooleiro atinge 23%, ante os 18% estimados no fim do ano quando a Bunge comprou a Moema Participações. A tendência, segundo analistas, é de que taxas de importação e outras barreiras comerciais arrefeçam. A força das petroleiras devem será aliada no pleito de transformar o etanol em commodity.
A parceria vai alavancar a posição da Shell como distribuidora líder em biocombustíveis no mundo. A empresa há alguns anos investe em pesquisa de etanol celulósico, por meio da Iogen, empresa de pesquisa em biotecnologia da qual a Shell detém 50% de participação. Esse ativo também entrará na composição da nova empresa, assim como os 14,7% de participação na Codexis, outra companhia de pesquisa voltada para tecnologias limpas.
Com essa parceria, vamos avançar na posição de primeiro na distribuição de biocombustíveis, disse Mark Willams, diretor mundial de Dowstream da Shell, que participou ontem de Londres da coletiva de imprensa em São Paulo por vídeo-conferência.
A primeira petrolífera a entrar na produção de etanol no Brasil foi a British Petroleum (BP), que adquiriu 50% de participação de uma usina em Goiás no segundo semestre de 2009. Em seguida veio a Petrobras, que no fim do ano passado comprou 40% de uma usina em Minas Gerais.
O forte posicionamento das petrolíferas se deve a perspectivas de crescimento substancial no uso de etanol, afirma Plínio Nastari, da Datagro. A começar pelo mercado americano que neste ano novamente colocará em votação o fim da taxa de importação de etanol - de 0,54 centavos de dólar por galão - que não inviabiliza, mas dificulta a entrada do etanol brasileiro no mercado americano, na medida em que a exportação só se viabiliza em condições muito favoráveis de câmbio e preços. A União Europeia também definiu o uso de 10% de biocombustíveis até 2020.
Cerca de 70% do patrimônio da Cosan, maior produtora de etanol do mundo com produção anual de 2 bilhões de litros, irá para a nova empresa. A dívida líquida da brasileira, de cerca de R$ 2,5 bilhões, também será incorporada à nova empresa. A área de lubrificantes ficou fora do negócio, assim como suas atividades logísticas desenvolvidas via Rumo Logística e a área imobiliária. Assim, Ometto estima que em torno de 80% do Ebitda (geração de caixa) da Cosan irá para a sociedade com a Shell.
A presidência do conselho de administração (ou órgão equivalente) será de Rubens Ometto Silveira Mello, atual presidente do conselho de administração da Cosan. Ambas terão 50% do negócio, afirma Ometto . O executivo estima que a empresa resultante terá faturamento estimado em R$ 40 bilhões, dos quais R$ 30 bilhões virão do negócio de distribuição. Trata-se de um setor com faturamento alto, mas margens menores do que as de produção de açúcar e etanol, pondera Ometto.
Além dos ativos, a Shell fará um aporte de US$ 1,625 bilhão ao longo de dois anos, recurso cuja aplicação ainda será objeto de planejamento, segundo Ometto. Poderemos reduzir passivo, escolhendo dívidas que queremos manter. A distribuição já está bem posicionada, assim como a produção de açúcar e álcool, acrescenta Ometto. A Cosan também estima que a Shell possa fazer um aporte adicional de US$ 300 milhões ao longo de cinco anos, como contribuição baseada em ganhos futuros.
Ainda não há uma definição sobre qual marca será preponderante no negócio. O presidente da Shell no Brasil, Vasco Dias, garantiu que não haverá grandes sobreposições de postos. A Esso e a Shell já conviviam sem canibalização. A sobreposição será mínima, afirmou.
b) Trigo tem forte alta em dia de recuperação
Os preços do trigo tiveram forte alta na Bolsa de Chicago. O contrato mais negociado, para entrega em março, fechou o pregão com ganho de 2,63%, cotado a US$ 4,8725 o bushel. A commodity teve um dia de recuperação após cair quase 13% no último mês. Fundos recompraram contratos vendidos ao longo das últimas semanas, o que ajudou a sustentar as cotações. Analistas observam, contudo, que o excesso de trigo nos estoques mundiais e o fraco volume de exportações dos EUA limitam o potencial de alta.
c) Arroz sofre com chuvas, mas preço sobe
Enquanto os produtores de soja e milho festejam a safra generosa mas amargam quedas nos preços, os arrozeiros gaúchos vivem situação contrária. A preparação de boa parte das lavouras foi afetada pela chuva, em dezembro, e o Instituto Riograndense do arroz (Irga) calcula queda de até 1 milhão de toneladas na produção em relação às 8 milhões colhidas em 2009. Para a Emater-RS, a safra deve ficar em 7,5 milhões de toneladas, ante 7,9 milhões em 2009.
Como consequência, os preços apurados pela Emater-RS acumulam uma leve alta de 1,4% no fim de janeiro em relação ao mesmo período de 2009, para R$ 32,11 a saca. Nos últimos dias o Irga também verificou negócios a até R$ 33,50, patamar que mal cobre os custos de produção, estimados em R$ 33, ressalva o diretor comercial Rubens Silveira. A colheita no Estado começa este mês.
A situação ainda pode melhorar ou piorar porque as lavouras estão em fase de enchimento de grão e precisam de luminosidade e calor, explica Silveira. Segundo ele, a quebra da safra no Estado, responsável por pouco de 60% da produção nacional do grão, e o estoque de passagem relativamente baixo no país - de menos de 1 milhão de toneladas, conforme a Conab - geram um bom cenário de preço e comercialização para os produtores este ano.
Para o Sindicato da Indústria do arroz no Estado (Sindarroz), a quebra deverá ser um pouco menor, entre 5% e 10%. Mesmo assim, de acordo com o presidente da entidade, Élio Coradini, o Brasil terá de importar cerca de 1 milhão de toneladas neste ano para sustentar o consumo interno. O problema, segundo ele, é que com o dólar acima de R$ 1,70 a operação não é viável, pois o produto uruguaio posto no Brasil, por exemplo, sai por US$ 18 a saca.
A importação será necessária porque o consumo doméstico no Brasil é estimado em 12,8 milhões de toneladas por ano, enquanto a produção nacional prevista pela Conab nesta safra é de 12 milhões de toneladas. A diferença poderia ser atendida pelo estoque de passagem, mas conforme Silveira, o país deverá exportar cerca de 800 mil toneladas de arroz beneficiado no ciclo de março de 2010 a fevereiro de 2011. Nossa meta é equilibrar exportações e importações, afirma o executivo.
Mercosul
a) Cai fatia argentina nas importações do Brasil
Em meio às turbulências do Mercosul, a Argentina vive uma deterioração no comércio com o Brasil, que é seu principal parceiro mundial. De 2003 a 2009, período que coincide com o governo Lula, os produtos argentinos perderam participação nas importações brasileiras. E pior: em sete dos nove setores mais dinâmicos, que representam 80% do crescimento das importações nos últimos sete anos, houve perda da fatia dominada por bens " made in Argentina " .
É isso o que revela um levantamento feito pela consultoria portenha Abeceb.com, a pedido do Valor. Do total de mercadorias importadas pelo Brasil, a fatia dos produtos argentinos caiu de 9,7% para 8,8%. Até 2009, ano de forte encolhimento do comércio bilateral, a queda havia sido ainda maior e a participação havia chegado a 7,8%.
Isso não significa que, durante o governo Lula, tenha havido redução nas importações da Argentina. Pelo contrário. Elas aumentaram 141%, passando de US$ 4,6 bilhões em 2003 para US$ 11,2 bilhões em 2009. Mas o crescimento foi bem menor do que o de outros fornecedores, como a Ásia (305%), os demais países da América Latina e do Caribe (170%), a África (157%) e a Europa Oriental (156%). Só as importações oriundas da União Europeia (124%), dos Estados Unidos (111%) e do Oriente Médio (93%) aumentaram menos.
Para o economista Dante Sica, diretor da Abeceb.com e ex-secretário de Indústria da Argentina, os números comprovam a existência de uma série de " restrições não tarifárias que ainda existem no Mercosul " e podem desestimular o crescimento do comércio intrabloco. O fato, porém, na opinião de Sica, é que o Brasil está diversificando seus parceiros - também nas exportações - em velocidade muito maior do que o vizinho. " E o resultado disso é que a Argentina está cada vez menos no foco de atenção dos brasileiros " , avalia.
Enquanto o fluxo de comércio do Brasil com a China e a União Europeia é maior do que com a Argentina - e a Venezuela já rivaliza como maior destino das exportações na América do Sul -, o mesmo não ocorre do lado de baixo da fronteira. O Brasil continua sendo, para a Argentina, o principal mercado para seus produtos e o maior país fornecedor de suas importações.
Dos dez setores em que o Brasil mais aumentou suas compras externas no governo Lula, oito tiveram queda da participação argentina: máquinas e aparelhos mecânicos, combustíveis minerais, máquinas e aparelhos elétricos, produtos químicos orgânicos, instrumentos e aparelhos óticos e de fotografia, produtos farmacêuticos, plásticos e suas manufaturas. A Argentina ganhou mercado em apenas dois setores: automóveis e suas partes - atualmente 51 de cada 100 veículos fabricados no país, favorecidos pelo acordo automotivo, são vendidos para o Brasil - e adubos e fertilizantes.
Para o secretário de Comércio Exterior do Brasil, Welber Barral, a perda de participação argentina pode ser explicada por três fatores distintos. A imposição de travas ao comércio bilateral, como as licenças não automáticas, estimula compradores brasileiros a buscar fornecedores com maior previsibilidade. Além disso, restrições do governo argentino a exportações de alguns produtos para todo o mundo, não só ao Brasil, diminuíram sua participação no mercado brasileiro - foi o caso recente do trigo, por exemplo, no qual os moinhos têm buscado se abastecer com matéria-prima da França e Rússia.
Por último, afirma o secretário, o real forte e o crescimento da classe média sofisticaram hábitos de consumo. " A Argentina investiu e tem produzido excelentes produtos de consumo, como o azeite de oliva, mas o câmbio facilitou a procura, pela nova classe média, de produtos de outras partes do mundo " , explica Barral, que participará nesta semana de uma série de reuniões bilaterais, em Buenos Aires.
Na quinta e sexta-feiras, os ministros Miguel Jorge (Desenvolvimento), Celso Amorim (Relações Exteriores) e Guido Mantega (Fazenda) se reunirão com seus equivalentes argentinos para discutir o comércio entre os dois países. O encontro faz parte da agenda definida em novembro pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Kirchner, que prometeram aumentar a frequência das reuniões de altos funcionários para evitar os atritos bilaterais. Em março, Lula e Cristina devem ter nova reunião, também em Buenos Aires.
Nesta semana, o governo deverá acenar com a retirada de produtos argentinos, como alho, do sistema de licenciamento não automático das importações. Para isso, no entanto, pretende obter sinais de que a Argentina reduzirá o número de produtos brasileiros sob o mesmo mecanismo. Outro argumento de Brasília é que, com a recuperação da economia e o real ainda forte, as multinacionais brasileiras veem oportunidade de compra de ativos argentinos. Mas, para isso, precisam de previsibilidade no comércio.
Nos últimos meses, produtos como calçados e autopeças do Brasil começaram a ter liberação mais rápida na alfândega argentina, que já chegou a demorar 240 dias para emitir as licenças não automáticas. O Ministério da Produção, na Argentina, também pode anunciar a aceleração dos trâmites para o setor de pneus.
b) Indústria argentina quer manter barreiras
Às vésperas de mais uma rodada de discussões bilaterais, empresários argentinos reforçaram o lobby para pedir a manutenção das barreiras que frearam a importação de produtos brasileiros no ano passado. Setores como o têxtil, a indústria de couro e o de material eletrônico levaram ao Ministério da Produção da Argentina seus pedidos para que as licenças não automáticas de importação sejam mantidas, apesar da pressão contrária do governo brasileiro.
Manifestamos as nossas preocupações sobre a possibilidade de o Brasil insistir com o pedido de liberar licenças. Não queremos que se fechem as importações, mas que se administre o comércio, disse o presidente da Câmara de Manufaturas de Couro, Raúl Zylbersztein, depois de encontro com a ministra Débora Giorgi. O representante da indústria de vestuário para bebês e crianças, Hugo Benyakar, adotou um tom mais dramático. Graças a esse mecanismo, pudemos manter os postos de trabalho. É devido à política comercial deste governo. Se tivéssemos continuado como nos anos 90, ninguém existiria.
O lobby parece ter surtido efeito. A ministra Débora Giorgi, em entrevista ao jornal Página/12, defendeu a aplicação da medida e sinalizou que o governo argentino não pretende abrir mão das licenças neste ano. Segundo ela, no entanto, a situação melhorou e a emissão das licenças está ocorrendo em prazo inferior a 60 dias.
Uma das principais reclamações da indústria brasileira era que a análise dos pedidos de licenças vinha superando esse prazo - o máximo permitido pela Organização Mundial do Comércio (OMC) - e chegando a 240 dias, como no caso de calçados. Por causa dos atrasos, o Brasil resolver dar o troco e incluiu produtos argentinos no mesmo mecanismo de licenciamento, em outubro de 2009.
Pudemos reduzir as tensões, afirmou Débora Giorgi, comentando as medidas adotadas pelos dois lados depois da última reunião entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Kirchner, em novembro. Nesta quinta e sexta-feiras, uma delegação brasileira composta pelos ministros Celso Amorim (Relações Exteriores), Miguel Jorge (Desenvolvimento) e Guido Mantega (Fazenda) dará continuidade às negociações comerciais, em Buenos Aires.
Se confirmou a normalização dos procedimentos de análise das licenças, Débora Giorgi defendeu os acordos voluntários de exportações, pelos quais fabricantes brasileiros concordam em restringir seus embarques à Argentina para não enfrentar uma barreira oficial. Setores como o de calçados e de têxteis têm entendimentos válidos até o fim de 2010 e as declarações da ministra soaram como uma tomada de posição a favor da renovação dos acordos entre empresários.
Há setores onde a necessidade de acordos é a ferramenta fundamental para eliminar a assimetria. Há outros que não precisam de acordos, mas da aplicação de licenças como uma forma de monitoramento, que estarão liberadas em menos de 60 dias, afirmou Giorgi. Para ela, o objetivo das políticas implementadas pelo governo é construir uma indústria mais forte e mais integrada. Quando isso ocorrer, o déficit para a Argentina, que é a manifestação dessa situação, tenderá ao equilíbrio, completou.
Para o economista Dante Sica, diretor da Abeceb.com e ex-secretário de Indústria, o déficit da Argentina com o Brasil voltará a crescer este ano e estimulará a manutenção do mecanismo das licenças não automáticas. O governo está liberando as licenças e cumprindo os prazos, mas a minha sensação é de que não vai mudar essencialmente a forma de administrar o comércio exterior, disse Sica, lembrando uma regra tácita entre os sócios do Mercosul, segundo a qual um não complica a vida do outro em período de eleições. Por isso, ele acredita que a Argentina não atrasará mais a emissão das licenças, o que criaria um constrangimento para o governo Lula, mas também não reduzirá substancialmente a lista de produtos sujeitos ao mecanismo.
Levantamento feito pela consultoria do ex-secretário revela que, a partir do segundo semestre, o Brasil voltou a recuperar a fatia do mercado argentino perdida para a China, nos setores atingidos pelas licenças. De janeiro a junho, quando elas começaram a ser aplicadas, o recuo das importações argentinas de calçados brasileiros foi de 32% e de calçados chineses foi de apenas 9%. Depois das represálias do Brasil, a situação se inverteu.
Embora tenha continuado a haver queda das importações, devido à contração da economia, a queda foi bem maior no caso da China (54%) do que no do Brasil (21%). O mesmo movimento se repetiu nos setores de móveis, têxteis, freios e na linha branca. Quando o Brasil levantou a voz e começou a protestar mais, o principal alvo da Argentina passou a ser a China e houve liberação mais rápida das licenças ao Brasil, afirmou Sica.
c) BNDES estuda financiar compra de caminhão argentino
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estuda a possibilidade de financiar a importação de caminhões argentinos. A principal condição em análise é que haja pelo menos 40% de conteúdo brasileiro (em valores), em autopeças ou outras partes, como motores. Normalmente, o BNDES não financia importações, mas entendo que isso será entendido como algo passível de apoio, caso haja um patamar razoável de conteúdo nacional, disse Armando Mariante, vice-presidente do banco, que fez parte da delegação brasileira que manteve reuniões ontem com autoridades argentinas.
Em outubro, a presidente Cristina Kirchner afirmou que pediria ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a extensão dos financiamentos aos caminhões montados na Argentina. A Iveco, que também fabrica no país vizinho e registrou queda de 50% na produção no ano passado, apoia a demanda. O financiamento de veículos pesados pelo Finame diminui a taxa cobrada para menos de 7% ao ano.
Sem novidades quanto à exigência mútua de licenças não automáticas, Brasil e Argentina fizeram um monitoramento do comércio entre os dois países nos últimos meses. O secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, reconheceu que o governo argentino agilizou a análise dos pedidos de licenças e está liberando as exportações brasileiras em menos de 60 dias, prazo máximo definido pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
No entanto, Ramalho alfinetou seus colegas argentinos em várias ocasiões, numa entrevista conjunta, e aproveitou para deixar clara a insatisfação do Brasil com a manutenção do sistema de licenciamento. Temos preocupação com o desvio de comércio, principalmente quando há a intervenção de licenças não automáticas, afirmou. Ele ressaltou que o governo brasileiro tem todo o interesse em reduzir o número de produtos submetidos a licenças, mas cobrou reciprocidade do país vizinho.
O secretário de Indústria e Comércio Exterior da Argentina, Eduardo Bianchi, falou vagamente em avaliar quais setores são factíveis de revisar as licenças e quais setores não precisam mais, mas evitou fazer qualquer promessa concreta. Não vai haver nenhum anúncio imediato, disse. Depois, comentou: Não queremos perder empregos.
De acordo com o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, as restrições argentinas afetam cerca de 400 produtos brasileiros. Na direção contrária, são aproximadamente 30 produtos, segundo ele. Barral destacou melhorias substanciais dos dois lados e anunciou uma ofensiva conjunta dos dois países para fazer missões comerciais e promover investimentos em terceiros mercados.
O secretário, no entanto, também cutucou o governo argentino. Enquanto Bianchi ressaltava a permissão da OMC para aplicar licenças não automáticas, Barral disse que elas têm efeitos para o comércio bilateral e, na avaliação do Brasil, esses efeitos são deletérios. O funcionário brasileiro insistiu na tese de que, diante da retomada do crescimento da economia, as barreiras protecionistas no Mercosul trazem imprevisibilidade e podem atrapalhar investimentos.
Organização Mundial do Comércio (OMC)
a) Brasil recusa primeiras propostas dos EUA para evitar retaliação comercial
O Brasil recusou as primeiras propostas feitas pelos Estados Unidos, e também por setores da indústria, para suspender a retaliação de quase US$ 900 milhões que planeja impor sobre produtos americanos no caso do conflito do algodão. Brasília espera agora novas propostas de Washington para solução pacífica da disputa, que demorou anos para ser julgada na Organização Mundial do Comércio (OMC). A entidade condenou subsídios ilegais dados aos cotonicultores americanos, que até hoje não foram totalmente eliminados.
O Brasil está aprontando a lista de produtos a serem retaliados. O governo admite aplicar as sanções inicialmente só contra mercadorias, e mais tarde estendê-las sobre patentes farmacêuticas e direitos autorais, entre outras. Para a segunda parte, precisa que a Casa Civil decida por um projeto de lei ou medida provisória que possibilite retaliação na área de propriedade intelectual. Somente há cerca de dez dias é que o texto chegou ao Palácio do Planalto, no longo processo burocrático de assinatura por vários ministros, férias de fim de ano etc.
A pressão interna aumenta sobre o governo de Barack Obama para buscar uma solução pacífica com o Brasil. Cinco grandes associações, incluindo a Associação Nacional de Manufaturas (NAM) e o Conselho Empresarial americano, escreveram carta ao negociador comercial, Ron Kirk, conclamando os EUA a negociar com o Brasil para evitar a retaliação.
Eles alertaram a Casa Branca para o fato de que a retaliação brasileira pode ter efeitos prolongados, ameaçando empregos e negócios difíceis a serem recuperados. É que os importadores brasileiros rapidamente mudarão de fornecedor. Outro temor é de que a retaliação cruzada brasileira, atingindo tanto mercadorias como serviços e propriedade intelectual, resultem numa bola de neve, com outros países, incluindo a China, tomando o mesmo rumo contra produtos americanos.
Os sinais brasileiros de que o país vai realmente aplicar a retaliação se multiplicam. O governo recusou, inclusive, demandas do setor privado brasileiro para ter mais tempo para comentar a lista de produtos americanos submetidos a eventual sanção.
O embaixador brasileiro na OMC, Roberto Azevedo, tem dado a mesma mensagem: O Brasil quer o fim dos subsídios americanos ao algodão para ontem. Ou seja, uma mudança na legislação deve vir logo e não embutida numa futura Farm Bill, a lei agrícola americana, que ninguém sabe quando e como será aprovada.
A expectativa é que Washington poderá agir, porque a pressão da indústria, e não especificamente do setor de algodão, vem aumentando. A indústria farmacêutica não quer correr o risco de ter patentes quebradas no Brasil, um dos mercados mais promissores do mundo.
O Brasil não precisa esperar mudanças que os Estados Unidos estão cogitando na Farm Bill para retaliar, tem afirmado Azevedo. Se o Brasil retaliar e os EUA retirarem os subsídios, as sanções então podem ser também retiradas.
Os EUA têm insistido, por sua vez, em alguma solução que atenda o Brasil, mas que também seja depois incluída no acordo da Rodada Doha. Ou seja, não quer reduzir duas vezes os subsídios para um setor politicamente poderoso.
O problema é que a Rodada Doha está prostrada. Em Davos, no fim de semana, pela primeira vez um ministro, o australiano Simon Crean, se declarou disposto a tirar a tomada da negociação, se o bloqueio persistir. Foi o único a dizer isso, entre os mais de 20 países presentes.
Por sua vez, os trabalhos técnicos no Brasil avançam para abrir uma denúncia contra a União Europeia por apreensão a produtos genéricos em seus portos. Só falta a Índia aprontar também sua parte. Enquanto isso, o Parlamento Europeu discute medidas para rever apreensões de genéricos.
b) UE pede à OMC para retaliar EUA
A União Europeia pediu à Organização Mundial do Comércio o direito de retaliar os EUA em US$ 311 milhões por ano, já que Washington persiste em utilizar um método julgado ilegal para calcular antidumping. O Japão já conseguiu direito de retaliar os EUA em US$ 248 milhões por ano por causa do mesmo problema, que afetou seus produtos siderúrgicos, mas até agora não aplicou a sanção. O Brasil foi o mais recente país a abrir uma queixa contra os americanos no mesmo contexto, alegando perdas nas suas exportações de suco de laranja.
O alvo das denúncias é a pratica do zeroing, pela qual os EUA excluem do cálculo da margem de dumping as exportações com valor superior à cotação do produto no mercado doméstico (valor normal) e usam apenas os preços baixos de importação. Com isso, inflam o cálculo para fixar a margem de dumping e, em consequência, da sobretaxa aplicada.
A demanda europeia se junta a uma série de ataques contra práticas comerciais americanas. Na terça-feira, o Vietnã abriu sua primeira queixa na OMC, atacando os EUA por causa de suposta aplicação ilegal de antidumping nas importações de camarão. Os EUA impõem sobretaxa antidumping contra o camarão brasileiro.
A frustração é generalizada entre os membros da OMC, com a recusa americana de eliminar a pratica do zeroing após tantas condenações. Os americanos, porém, só querem tratar do problema nas negociações da Rodada Doha, que estão paralisadas.
c) Setores pedem para sair da lista de retaliação
A retaliação a produtos importados dos Estados Unidos, direito que o Brasil obteve junto à Organização Mundial de Comércio (OMC) após a condenação aos subsídios americanos ao algodão, corre risco de tornar-se inaplicável ou inócua. Entidades de setores como a indústria eletroeletrônica e os têxteis pediram a retirada dos produtos de seus respectivos segmentos da lista preliminar de 222 itens colocada em consulta pública pela Câmara de Comércio Exterior (Camex). Empresas de outros setores, como de higiene pessoal e perfumaria, já estudam a possibilidade de passar a importar de unidades mantidas em outros países os produtos que atualmente trazem dos Estados Unidos.
A reunião ministerial da Camex deve examinar, na semana que vem, se bate o martelo sobre a lista final dos produtos importados dos Estados Unidos que serão submetidos à retaliação, sofrendo sobretaxa no contencioso do algodão.
Mario Roberto Branco, gerente de relações internacionais da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), explica que a entidade pediu a retirada de todos os dez itens do setor que fazem parte da lista. Os produtos são, na maioria, insumos.
Não interessa às indústrias pagar mais caro pelos insumos que adquirem hoje, explica Branco. Se as empresas compram esses insumos dos Estados Unidos é porque não há outro fornecedor ou porque há vantagem em comprar dos americanos. Entre os itens do setor incluídos na lista estão produtos plásticos e de borracha, além de alto-falantes, leitores de código de barras e terminais de telefone celular. Alguns itens são importados por subsidiárias de empresas americanas que mantêm fábricas no Brasil. Ou seja, não há como deixar de importar dos Estados Unidos.
Outro setor que considera a aplicação da retaliação desfavorável para a indústria local é o têxtil, segmento cujos produtos representam mais de uma quarto da lista da Camex.
Entendemos que a lista tenha muitos produtos do setor têxtil como forma de compensar o segmento que foi diretamente prejudicado com os subsídios americanos ao algodão, mas a nossa proposta é por uma solução negociada em vez da aplicação da retaliação, diz Ivan Bezerra Filho, coordenador do comitê do algodão da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit).
De forma semelhante ao setor eletroeletrônico, o têxtil tem vários itens na lista que servem de insumos para a indústria nacional. Além disso, atualmente, dentre os produtos incluídos no rol, diz, a maioria é importada em volumes maiores da China. O setor prefere que seja negociado com os Estados Unidos um benefício em território americano às exportações brasileiras em vez da retaliação. Isso reduziria os custos de importação para os americanos e daria maior concorrência aos produtos brasileiros em comparação com os demais exportadores.
João Carlos Basílio da Silva, presidente da Abihpec, associação que reúne fabricantes de cosméticos e produtos de higiene pessoal, explica que os importados dos Estados Unidos representam pouco para o setor. No ano passado, foram importados US$ 60 milhões FOB. Com adição de margens e impostos, o valor ao consumidor dos produtos é estimado em R$ 420 milhões. Isso significa 1,35% do faturamento total de US$ 31 bilhões.
A Abihpec, diz Silva, preferiu não emitir opinião à Camex sobre a lista, apenas repassou ao governo relatórios dos associados. Ele afirma que a retaliação trará impactos diferenciados, conforme a empresa. Algumas que importam produtos americanos já estudam alternativas. Uma delas é passar a comprar as mercadorias de unidades mantidas em outros países e, assim, fugir dos efeitos da retaliação.
Nós chegaremos a uma lista de produtos, mas talvez o valor total não seja tão alto quando a decisão da OMC permitiu, diz Mário Marconini, diretor de negociações internacionais da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp). A entidade fez um estudo no qual verificou quais os valores envolvidos para um total de 19 setores, caso a retaliação fique em importações brasileiras de bens de consumo dos EUA com participação de até 10%, 20% ou 25% do mercado nacional (ver quadro abaixo). Os tetos foram estabelecidos para tentar restringir os prejuízos da sanção à economia brasileira.
Segundo Marconini, é preciso, porém, que cada setor verifique quais produtos podem ou não ser alvo de retaliação, já que os maiores valores concentram-se em segmentos como máquinas, material de transporte, químicos e plásticos. A prioridade é que a sanção seja aplicada em bens de consumo e não tanto em bens de capital ou produtos intermediários.
A Fiesp chegou a tentar verificar quais produtos importados dos americanos são ao mesmo tempo pouco sensíveis à economia brasileira e importantes na pauta de exportação dos EUA. O levantamento considerou produtos americanos com participação de até 20% no mercado brasileiro e com representatividade de 20% ou mais na pauta americana. Entre esses produtos, porém, estão apenas bens de capital e matérias-primas, o que não é considerada uma opção viável, diz Marconini.
Mantendo as mesmas premissas, apenas reduzindo a participação para até 15% na pauta americana de exportações, há apenas dois produtos classificados como bens de consumo, cujas importações somam US$ 226,3 milhões. É um valor bem mais baixo do que o que podemos retaliar, diz o diretor. O Brasil pode impor retaliação de cerca de US$ 800 milhões a importações americanas. Desse valor, US$ 300 milhões podem ser com retaliação cruzada atingindo patentes de produtos farmacêuticos, de audiovisual etc. A hipótese da retaliação cruzada, porém, pode não ser muito interessante para o país, acredita Marconini.
Plano Internacional
a) China acusa UE de protecionismo e vai à OMC por calçados
A tensão subiu entre a China e a União Europeia (UE), com Pequim denunciando o bloco europeu na Organização Mundial do Comércio (OMC) por causa de sobretaxa antidumping na entrada de calçados chineses nos 27 países comunitários.
A UE aplica sobretaxas de 9,7% a 16,5% sobre os calçados importados da China, alegando que os preços excessivamente baixos chineses ameaçam a indústria europeia, já sob forte pressão competitiva.
Desde setembro de 2009 também o Brasil cobra mais imposto nas importações de calçados chineses. A taxação é de US$ 12,47 sobre cada par de calçado, para proteger a indústria nacional.
Exportações chinesas baratas têm sido o maior alvo de medidas antidumping pelo mundo. A acusação: preço de exportação menor que o cobrado na China.
EUA, UE e outros parceiros também pressionam a China a rever sua política cambial. Alegam que Pequim mantém uma moeda excessivamente desvalorizada para dar mais competitividade a seus produtos já baratos e tomar crescentes fatias nos mercado global.
A atitude chinesa contra a UE sinaliza que o país não ficará de braços cruzados enquanto vê mais barreiras a seus produtos. Um porta-voz em Genebra disse não ter ideia sobre como Pequim agirá contra a sobretaxa do Brasil.
A UE tinha imposto quotas de importação de calçados chineses entre 1995 e 2005, limitando a entrada do produto. Substituiu as quotas por uma investigação antidumping, que resultou em sobretaxa aplicada desde outubro de 2006. Segundo os europeus, os calçados da China e do Vietnã alvejados por sobretaxas representaram 30% do mercado comunitário.
Dentro da UE, porém, a briga persiste. Produtores de calçados, como a Itália, defendem a sobretaxa. Os mais liberais, como o Reino Unido e os nórdicos, reclamam que a medida prejudica os consumidores e comerciantes europeus.
Produtores da UE que fabricam boa parte de seus calçados na Ásia, como Adidas, Puma e Timberland, fazem campanha contra a sobretaxa. Dizem que pagaram US$ 1,2 bilhão por causa da cobrança.
Em comunicado em Genebra, os chineses acusam a UE de protecionismo e de violar as regras comerciais. Um porta-voz europeu rebateu: Medida antidumping não tem nada a ver com protecionismo, e sim com comércio desleal.
A decisão de impor a medida foi tomada com base em clara evidência de que ocorria dumping de produtos chineses e que isso está prejudicando a competitividade da indústria europeia, disse John Clancy, porta-voz comercial da UE.
O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, tem advertido que o aumento de disputas comerciais parece inevitável, na medida em que o desemprego continua alto e os governos são submetidos a mais pressões para elevar barreiras.
Nesta semana, a UE pediu autorização à OMC para retaliar os EUA em US$ 311 milhões por causa de cálculo inflado na cobrança de antidumping. O Vietnã denunciou os EUA por antidumping que considera ilegal contra suas exportações de camarões. O Brasil e o Japão têm no gatilho o direito de retaliar produtos americanos em mais de US$ 1 bilhão juntos.