Comércio Exterior
a) Resultados
O ministro do Desenvolvimento, Indústria e comércio exterior, Miguel Jorge, disse que o Brasil deverá ter um superávit comercial de US$ 15 bilhões em 2010, reagindo a uma combinação de recuperação do comércio global, aumento da produção industrial doméstica e retomada das linhas de crédito ao comércio exterior.
A projeção do ministro supera as estimativas traçadas pelos setores financeiro e industrial. Nos cálculos da Confederação Nacional da Indústria (CNI) o saldo das transações comerciais ficará positivo em US$ 13 bilhões, enquanto a Fiesp prevê superávit comercial de US$ 10,6 bilhões em 2010. O boletim Focus, do Banco Central (BC), mostra que as instituições financeiras projetam um superávit comercial de US$ 11,3 bilhões.
Segundo Miguel Jorge, depois de sentir os efeitos da crise financeira, o comércio mundial deverá se restabelecer no próximo ano. Ele destacou a diversidade das commodities exportadas pelo Brasil e a diversificação de seus parceiros comerciais como fatores que permitirão um bom desempenho do comércio exterior.
Para exemplificar, Miguel Jorge disse que as empresas brasileiras dobraram as exportações para a África nos últimos cinco anos. Além disso, a China, tida como o principal motor da recuperação global, se tornou neste ano o principal parceiro comercial do Brasil, lembrou o ministro. Já os Estados Unidos, maior mercado do mundo e, historicamente, o principal consumidor dos produtos brasileiros, apresentam sinais de recuperação no nível de emprego e ainda apresentarão reflexos positivos na economia da reforma no sistema de saúde, apontou o ministro.
b) Indústria pode ter déficit comercial recorde no próximo ano, diz Iedi
A indústria de transformação pode ter no próximo ano um déficit de balança comercial recorde, com possibilidade de superar o maior saldo negativo já registrado, de R$ 11,26 bilhões, em 1998.
A previsão, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) é feita com base na perspectiva de manutenção da atual taxa de câmbio combinada à expectativa de crescimento interno, que deverá resultar em elevação da compra de manufaturados e bens intermediários do exterior.
Com isso, em 2010 a balança da indústria deve prosseguir com a tendência de déficit registrada desde o ano passado, quando fechou com resultado negativo de US$ 7,17 bilhões. Em 2009, a indústria de transformação prosseguiu com a balança deteriorada, acumulando de janeiro a setembro um déficit de US$ 4,83 bilhões. Para este ano, a previsão do Iedi é um saldo negativo do setor entre US$ 6 bilhões e US$ 7 bilhões.
José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), não chega a citar números, mas acredita que é bem possível que a indústria tenha no próximo ano um déficit recorde. Teremos em 2010 um grande volume de importações de manufaturados e nossas exportações devem crescer principalmente com base em commodities, conclui.
Em 2008 a deterioração da balança da indústria foi causada principalmente pela queda nos superávits apresentados pelos segmentos de alta e média-alta intensidade tecnológica. O mercado doméstico aquecido aumentou a demanda de bens intermediários de alto valor unitário, como mantas de cristal líquido para televisores e monitores de informática. Ao mesmo tempo, o real valorizado contribuiu para a queda no valor das exportações.
Em 2009 o que mais contribuiu para o resultado do setor foi a queda nos superávits dos produtos de média-baixa e baixa intensidade que, sob o efeito da crise, experimentaram retração de demanda e de preços internacionais.
Na análise da balança da indústria por intensidade tecnológica, porém, o economista Rogério Cesar Souza, do Iedi, destaca que, embora tenham tido saldos negativos menores que em 2008, as indústrias de alta e média-alta intensidade registraram déficits muito elevados no acumulado de janeiro a setembro, de US$ 12,7 bilhões e de US$ 19,2 bilhões, respectivamente.
No segmento de alta intensidade tecnológica, pesa a forte importação de bens intermediários, como componentes eletrônicos e dispositivos de LCD. Trata-se, segundo a pesquisa do Iedi, de setores que possuem problemas estruturais, com grande demanda de componentes do exterior e baixo valor agregado no país. O dólar desvalorizado acabou apenas agravando a situação.
Entre os segmentos de média-alta intensidade tecnológica, o levantamento destaca a mudança de sinal da indústria automotiva, que saiu de um superávit de US$ 1,8 bilhão de janeiro a setembro de 2008 para um déficit de valor semelhante no mesmo período em 2009. Para esse setor, especificamente, houve influência das medidas anticíclicas adotadas pelo governo federal, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na venda de automóveis, por exemplo. As iniciativas contribuíram para a manutenção de vendas no mercado interno e, numa ambiente de retração de demanda internacional, houve queda nos embarques do setor.
Embora com saldos positivos, os segmentos de média-baixa e baixa intensidade tecnológica tiveram resultados fortemente deteriorados em 2009, contribuinte bastante para o saldo total da indústria de transformação. O superávit da média-baixa intensidade caiu de US$ 4,6 bilhões de janeiro a setembro de 2008 para US$ 2,89 bilhões no mesmo período deste ano. Mantendo os termos de comparação, a baixa intensidade teve queda US$ 30,5 bilhões para US$ 24,11 bilhões.
Na indústria de média-baixa tecnologia, o desempenho é explicado pela redução de superávit dos produtos metálicos. No caso do segmento de baixa intensidade, a queda de saldo foi resultado de vários setores industriais. Além de alimentos, bebidas e fumo, também contribuiu a deterioração das exportações de produtos têxteis, de vestuário, couro e calçados. Nesse segmentos, diz a pesquisa do Iedi, contribuiu para o resultado não somente a queda de demanda por conta da crise, mas também da valorização do real, que trouxe perda de competitividade.
Para os pesquisadores do Iedi, a deterioração da balança da indústria de transformação não deve ser creditada totalmente à crise. Desde 2005 o setor apresentava queda de saldo. A variação cambial era compensada por uma elevação média anual de 10% no preço de exportação, mas em 2009, com a retração nos valores das trocas internacionais, isso já não foi mais possível. Além do câmbio, há outros problemas que são estruturais. Entre eles, os pesquisadores do Iedi apontam questões como falta de infraestrutura, de crédito e também alta carga tributária.
c) Ferrolease, Ceagro e Vale fecham contrato de 25 anos
Um contrato de 25 anos fechado entre a empresa de gerenciamento de frota Ferrolease, a Ceagro Agronegócios e a Vale vai incrementar o transporte de grãos na Estrada de Ferro Carajás (EFC) e na Ferrovia Norte-Sul (FNS), entre Porto Franco e São Luiz, no Maranhão. A Ferrolease vai alugar 30 vagões ferroviários para a Ceagro, que tem o compromisso de transportar ao menos 240 mil toneladas de produtos por ano no trecho operado pela Vale. Mas a intenção da empresa de compra e venda de grãos é dobrar o número de vagões já em 2010 e atingir a movimentação de cerca de 1 milhão de toneladas no trecho no prazo de quatro a cinco anos.
O presidente da Ferrolease, Estefano Vaine Júnior, explica que se trata do primeiro contrato feito pela empresa paranaense com prazo tão longo. Serviu como uma sinalização para o mercado de que o receio em relação à crise passou e de que a demanda por transporte mais barato vai ser grande, diz. Segundo ele, as negociações com a Vale, operadora da ferrovia, começaram há seis meses. Os investimentos nos equipamentos que serão alugados para o transporte de soja, milho, farelo e fertilizantes somam R$ 12 milhões. Os vagões serão fabricados pela Amsted Maxion e deverão ficar prontos em abril.
O mais importante nesse contrato é o que ele representa para a Norte-Sul como canal logístico, afirma o gerente comercial da Vale para a área de agricultura, Ney Fontes Filho. De acordo com ele, a região tem potencial para expandir o transporte de grãos por ferrovia que, em 2008, somou 1,5 milhão de toneladas e, em 2009, deve chegar a aproximadamente 1,7 milhão de toneladas. Soma-se o ganho que a ferrovia pode dar com a localização do Porto do Itaqui, que é estratégica, completa o executivo. Segundo Fontes Filho, também trata-se do primeiro contrato de 25 anos feito pela Vale para o transporte de granéis na região.
A Ceagro, que já tem relacionamento com a Vale para o transporte ferroviário, é uma trading que atua na compra e venda de grãos e insumos no corredor Norte de exportação, nos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O presidente da empresa, Paulo Alberto Fachin, contou que a meta para 2010 é movimentar entre 360 mil toneladas e 400 mil toneladas de produtos, volume que deverá ser ampliado nos anos seguintes.
Em 2009, o volume total deve chegar a 300 mil toneladas, sendo 180 mil para exportação, e o faturamento esperado é de R$ 320 milhões. Fachin explicou que a Ceagro opera uma rede de 15 armazéns e planeja expandir a atuação para o Mato Grosso. Com a expectativa de aumento nas exportações e de crescimento do mercado, resolvemos propor ao nosso negócio uma estrutura para garantir nosso escoamento, disse.
d) EMS faz parceria de US$ 100 mi com Heber Biotec
O grupo EMS vai anunciar nesta segunda-feira um acordo de US$ 100 milhões com a Heber Biotec, de Cuba, para constituir uma empresa mista com o objetivo de transformar o Brasil em uma plataforma de desenvolvimento de produtos inovadores. A Heber Biotec fornecerá produtos, tecnologias e patentes desenvolvidas pelo Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia de Cuba. A EMS agregará sua tecnologia de processo produtivo, capacidade de criação de infraestrutura, logística e distribuição global dos medicamentos. A parceria também prevê aportes do laboratório brasileiro em pesquisa e desenvolvimento de medicamentos inovadores e de alta eficácia.
O objetivo é oferecer novos medicamentos, trazendo para o Brasil tecnologias de produção e, paralelamente, apoio às pesquisas já realizadas em Cuba e ao crescimento do setor naquele país.
A assinatura do acordo será mediada pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), que acompanhou e apoiou o processo de negociação entre Heber Biotec e EMS, realizando contatos entre as duas empresas por meio do Centro de Negócios da agência, localizado em Havana.
O processo de aprovação da empresa mista pelos governos brasileiro e cubano deve começar em abril. A previsão é que os primeiros medicamentos da parceria estejam disponíveis ao mercado entre 2 e 5 anos.
Nos dois últimos meses, a EMS fechou parcerias com uma empresa chinesa e outra cubana. No dia 9 de dezembro, a empresa assinou acordo técnico-científico com o laboratório Shanghai Biomabs para desenvolvimento e produção de anticorpos monoclonais, marcando a entrada no segmento de biofármacos. Em novembro, a parceira anunciada foi a Quimefa. Neste acordo, foi fechada a transferência de tecnologia para fabricação de medicamentos no Brasil e venda de remédios brasileiros para Cuba.
Agronegócio
a) Exportação de frutas padece com câmbio e chuvas fora de época
Do lado da receita, a desvalorização do dólar e a pressão sobre os preços internacionais. Do volume, a quebra de safra provocada por chuvas fora de época. A combinação desses fatores causou em 2009 uma forte retração na exportação brasileira de frutas. E o dólar valorizado deve limitar a recuperação em 2010. O câmbio ainda está desfavorável e deve continuar atrapalhando a receita do setor no próximo ano, diz Moacyr Saraiva, presidente do Instituto Brasileiro de frutas (Ibraf).
Os dados oficiais mostram que até outubro a receita com exportação de frutas foi de US$ 441 milhões. A cifra deverá atingir US$ 561 milhões até dezembro, o que vai significar queda de 22% em relação a 2008. O volume embarcado até outubro, de 618 mil toneladas, deve encerrar o ano em 765 mil, uma retração de 11% na comparação com o ano passado.
O presidente do Ibraf explica que o recuo das importações europeias foi decisivo na pressão para baixo sofrida pelos preços internacionais das frutas. Acrescenta-se a isso, segundo Saraiva, a perda de qualidade de algumas variedades brasileiras que foram muito afetadas por fortes chuvas na colheita.
A safra de uvas de exportação do Vale do São Francisco teve quebra de, pelo menos 30% , em volume, sem contar o efeito negativo sob a qualidade. Essa região responde por 95% da produção da uva que é embarcada ao exterior, lamenta Saraiva. Até outubro, as exportações dessa fruta - a nona da pauta exportadora do segmento em volume, mas a primeira em receita - foram de US$ 96 milhoes, uma retração de 27% em relação a igual intervalo de 2008.
A maçã, terceira fruta mais importante da pauta em volume e a quarta em receita, também teve sua qualidade fortemente afetada pelo clima desfavorável de 2008. A condição foi agravada por uma superoferta mundial, segundo Saraiva, que inibiu os preços e retraiu as vendas. Os embarques dessa fruta fecharam os primeiros dez meses do ano em 98,2 mil toneladas, baixa de 12,47%, e receita de US$ 56,2 milhões, recuo de 30% na comparação com igual período de 2008.
A banana, líder da pauta, foi uma das poucas frutas que teve crescimento nos embarques deste ano - US$ 32,7 milhões, ante US$ 29,4 milhões de janeiro a outubro de 2008. A UE reduziu compra das bananas de alto nível de qualidade. No entanto, parte dessa queda foi compensada pelo aumento da Argentina e do Uruguai, que adquiriram fruta de menor valor agregado, diz o executivo.
O mercado interno, que em 2009 ajudou a sustentar a receita do fruticultor, deve continuar aquecido em 2010, na avaliação de Saraiva. O crescimento do PIB no patamar de 6%, como se prevê, vai refletir em um maior consumo de frutas. Quanto aos preços e volumes de exportação, a expectativa é que cresçam em relação a 2009, no entanto, com as devidas limitações impostas pelo câmbio. Para a infelicidade do exportador, a tendência é de que o dólar continue caindo, lamenta Saraiva.
b) Crise motiva ajustes, mas Cargill resguarda investimentos no país
Quando assumiu a presidência da subsidiária brasileira da multinacional americana Cargill, em junho de 2008, Marcelo Martins não imaginava o quanto seu desafio seria diferente do que se apresentava no processo de seleção que lhe garantiu o posto.
Até então a economia global crescia aceleradamente, puxada por emergentes como China, Índia, Rússia e Brasil, e os preços internacionais das commodities agrícolas atingiam máximas históricas, produzindo uma preocupante agroinflação global dos alimentos, mas incentivando planos de expansão e investimentos.
A maré mudou com o aprofundamento da crise financeira irradiada dos Estados Unidos, em setembro de 2008, e com isso mudaram também as missões de Martins à frente da segunda principal operação da maior companhia de agronegócios do mundo em 2009 - no tabuleiro global da Cargill, o Brasil só é menor que os EUA.
O executivo reconhece que a mudança de cenário exigiu ajustes, mas diz que as medidas adotadas mantiveram a empresa no prumo. A gestão tornou-se mais cautelosa, houve racionalização e foram maiores as exigências na concessão de crédito aos agricultores, que mesmo assim não diminuiu. Conseguimos, assim, preservar a mão-de-obra, ainda que cortes pontuais tenham sido feitos.
Segundo Martins, a grande maioria dos negócios da Cargill no Brasil atingiu ou superou suas metas financeiras e não financeiras este ano. As exportações, sobretudo graças ao forte ritmo do primeiro semestre - e apesar do câmbio desfavorável -, alcançaram US$ 2,158 bilhões de janeiro a outubro, 11,2% mais que em igual intervalo de 2008, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
No ranking das maiores empresas exportadoras do país no período, a Cargill ficou na 6º posição. No setor de agronegócios, a múlti perdeu apenas para a Bunge, 3ª colocada na lista geral da Secex.
Ele ainda não sabe dizer se esses pontos positivos significarão uma volta ao lucro no país em 2009, o que não acontece há algum tempo, mas garante que foi o suficiente para gerar um sentimento positivo sobre 2010.
Estamos com um mercado doméstico forte, a safra 2009/10, em fase final de plantio está indo bem e a atividade econômica mundial tende a se recuperar, o que continuará a sustentar a demanda por alimentos, afirma.
Em 2007, quando sua receita operacional líquida consolidada no Brasil alcançou R$ 12,7 bilhões, a Cargill teve prejuízo líquido de R$ 141 milhões. Em 2008, a receita líquida aumentou para R$ 16 bilhões, mas o prejuízo também cresceu, para R$ 383,2 milhões.
Essas perdas locais não foram desprezíveis, mas, por ser o Brasil um dos principais fornecedores de matérias-primas para outras subsidiárias do conglomerado, fizeram parte de uma estratégia que garantiu um robusto lucro global de US$ 3,3 bilhões no exercício encerrado em maio passado, apesar da queda de 16% em relação ao período anterior. O faturamento total da companhia chegou a US$ 116,6 bilhões, retração de 3% na mesma comparação.
A estratégia fica mais clara quando confrontada com os objetivos traçados pela multinacional para a América Latina e para a região conhecida como Ásia/Pacífico. Juntas, elas abrigam, atualmente, 26% dos ativos do grupo, participação que deverá subir para 30% até 2015. Boa parte das matérias-primas processadas na Ásia sai da América do Sul, particularmente de Brasil e Argentina.
Proporcionalmente, portanto, essas regiões América Latina e Ásia/Pacífico receberão mais investimentos do que América do Norte e Europa, afirma Martins.
E os aportes no Brasil não pararam por causa da crise. Foi inaugurada uma nova esmagadora de soja de R$ 210 milhões em Primavera do Leste (MT) - a companhia voltou a ter seis unidades do gênero no país -, já com planta de refino e envase de soja e cogeração de energia elétrica, e a fábrica de processamento de milho de Uberlândia (MG) está na reta final de uma expansão orçada em R$ 112 milhões.
Uberlândia, por sinal, tornou-se nos últimos anos o maior site industrial da Cargill fora dos EUA. Além do milho para exportação, o complexo processa soja, refina e envasa óleo de soja, produz ácido cítrico e também contará com uma usina de cogeração, a partir de um investimento adicional de aproximadamente R$ 70 milhões.
Além disso a empresa venceu, em parceria com a Louis Dreyfus, a concorrência pelo terminal graneleiro em Santos (SP) que era controlado por ela mas cuja concessão havia vencido. Os vencedores não correram riscos e ofereceram R$ 288 milhões na licitação, R$ 221 milhões a mais que o preço mínimo estabelecido pela Codesp, autoridade portuária local.
É um terminal estratégico para a empresa. Toda uma cadeia produtiva dependia dessa vitória, diz Martins. A nova concessão vale por 25 anos prorrogáveis por mais 25.
Outro projeto que evoluiu foi a ampliação da capacidade de moagem de cana no entorno da usina Cevasa, em patrocínio Paulista (SP), na qual detém 63% de participação, cabendo a produtores locais a fatia restante. A usina produz apenas etanol, mas até o ano que vem passará também a fazer açúcar. A múlti não revela os investimentos na Cevasa, mas estima-se no mercado, que se trata de um projeto de quase R$ 200 milhões.
Na frente sucroalcooleira, a Cargill vem ampliando sua atuação normalmente por meio de parcerias, e o grupo tem como trunfo um terminal de exportação de açúcar também em Santos.
Temos a intenção de fortalecer nossa posição nesse mercado, mas a prioridade não é a compra de ativos. O importante é assegurarmos uma cadeia de abastecimento para atender ao mercado internacional, diz o executivo.
Se na área de cacau 2009 foi de consolidação após investimentos na produção de chocolates e achocolatados em Porto Ferreira (SP), na área sócio-ambiental a Fundação Cargill teve orçamento superior a R$ 3 milhões, e este deverá chegar a R$ 4 milhões em 2010.
O ritmo de investimentos não deverá diminuir no ano que vem, mas Marcelo Martins é franciscano com as informações sobre novos projetos. Além da conclusão da expansão do complexo de Uberlândia, logo no início de 2010, ele se limita a revelar que será inaugurado um centro tecnológico em Campinas (SP), voltado a inovações para a indústria alimentícia.
Pelo menos R$ 10 milhões serão aplicados no novo centro. Será o terceiro do gênero da Cargill, que já conta com unidades nos Estados Unidos e na Bélgica.
Com isso a multinacional espera continuar a engordar seu portfólio brasileiro, como fez este ano. Entre outras novidades destacadas por Martins, a Cargill lançou molhos para saladas, um edulcorante para uso industrial, um plástico biodegradável à base de milho e uma linha de chocolate branco.
O ano também marcou a saída da Cargill da área de carnes no Brasil. Administrada pela matriz americana, a Seara, forte em carnes de frango e suína, foi vendida para a brasileira Marfrig por US$ 900 milhões. A múlti já havia vendido a operação de suco de laranja no pais há alguns anos.
Organização Mundial do Comércio (OMC)
a) OMC investigará China por preços de aço
A China recebeu duas más notícias da Organização Mundial do Comércio (OMC). A primeira é que os juízes confirmaram uma decisão que classifica como ilegais as restrições impostas por Pequim à importação de CDs, DVDs e livros produzidos nos EUA. O segundo revés foi que a OMC aceitou um pedido de investigação sobre supostas práticas de manipulação de preços de matéria-prima, como aço e alumínio. O pedido foi feito por EUA, União Europeia e México.
Em agosto, a OMC já havia chegado a um veredito contrário à China no caso da produção cultural americana. A razão da disputa é uma medida chinesa que obriga gravadores, produtoras de cinema e editoras americanas a, de algum forma, associarem-se a estatais chinesas. Com a decisão de ontem, a China terá o próximo ano para adaptar sua política às leis internacionais de comércio. Caso contrário, os EUA poderão adotar sanções a produtos chineses.
Na outra decisão, a OMC concordou em abrir uma investigação sobre as tarifas que a China passou a impor às exportações de nove commodities, entre elas aço, alumínio, magnésio e bauxita. Os EUA, a UE e o México dizem que a tarifa desestimula as exportações chineses de itens que são fundamentais para as fábricas americanas, europeias e mexicanas. E, ao mesmo tempo, aumenta a oferta para as fábricas na China.
A UE já disse que 500 mil empregos na Europa são potencialmente ameaçados pelas tarifas chinesas. O novo painel será aberto em 45 dias. A China reagiu dizendo que os impostos têm o objetivo de deter o excesso de produção e as emissões de gases-estufa.
b) Retaliação aos EUA sobe para US$ 829 mi
O governo brasileiro anunciou a retaliação aos Estados Unidos em razão dos subsídios aos produtores de algodão poderá chegar a US$ 829,3 milhões e parte da sanção será na forma de imposto sobre a remessa de royalties de patentes e marcas.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) já autorizou a retaliação e o Itamaraty, a conta-gotas, aumenta a pressão sobre a Casa Branca. A demora do País em aplicar as sanções é vista como tentativa de ainda deixar espaço para uma saída pacífica para a disputa de mais de sete anos.
Pela decisão da OMC, a retaliação dependeria do valor dos subsídios no ano em questão. O Brasil afirmou que usaria 2008 como base. Pela projeção inicial do Itamaraty, o Brasil teria o direito de retaliar em US$ 800 milhões. Os americanos insistem que retaliação é de no máximo US$ 294 milhões.
Agora, o cálculo final do Brasil apresentado à OMC indica que a retaliação seria ainda acima da previsão original. Isso seria feito com base em mais de US$ 3 bilhões em subsídios dos americanos. O cálculo tem base em dados enviados pelos próprios americanos e mostra que os subsídios, no lugar de cair, subiram nos últimos anos.
Em reunião da OMC, o governo americano não recusou os números apresentados pelo Brasil, de US$ 829,3 milhões. Só afirmou que iria repassar os dados à Casa Branca.
Do total da retaliação, US$ 561 milhões seriam aplicados sobre a importação de produtos americanos. Até fevereiro, o governo espera concluir a lista de produtos e setores que serão alvos da retaliação. Até lá, a esperança é que os setores envolvidos façam a sua avaliação.
O restante da retaliação, cerca de US$ 268 milhões, seriam aplicados em patentes. Como o Estado antecipou, parte da retaliação será no setor de propriedade intelectual. Uma medida provisória (MP) já foi preparada e espera apenas a decisão de retaliar.
O valor da retaliação sobre patentes seria aplicado sobre setores sensíveis. Parte poderia ser em forma de quebra de patentes e parte na taxação de remessas de royalties de direitos de marcas. O Brasil estima que essa seria a forma mais eficiente de fazer os americanos cumprirem a determinação.
Nos bastidores, Brasil e Estados Unidos continuam se reunindo para tentar encontrar uma solução. Em reunião mantida em sigilo, há duas semanas, Washington deixou claro que quer uma solução pacífica. Mas a diplomacia brasileira alerta que, até agora, não recebeu uma proposta convincente.
Em Genebra, a demora do Brasil em adotar uma posição mais firme está provocando desconfianças. As teses vão desde um acordo secreto até o uso da retaliação como arma para eleger o próximo diretor da OMC, em quatro anos.
Em entrevista à rede PBS nos EUA, há dois meses, Lula foi indagado sobre o tema, mas não foi taxativo. Vencemos o caso na OMC. Não queremos retaliar os Estados Unidos nem nenhum país. O que queremos é o livre comércio.
Em 2005, o Brasil já poderia ter seguido adiante com o pedido de retaliação. Mas fechou um acordo com os americanos, que prometeram que cumpriram a decisão de reduzir os subsídios. Isso nunca ocorreu. Indagado se a retaliação ocorreria no setor de patentes, como o País já pediu, Lula desconversou. Há muito papo. Só papo.
Plano Internacional
a) Década termina marcada por fracasso nas negociações globais
Nem Copenhague, nem a Rodada Doha, nem a reforma no Conselho de Segurança, nem um novo acordo sobre desarmamento. A década termina com todas as grandes negociações multilaterais em um impasse e com a diplomacia mundial se questionando como dar soluções a problemas globais e ao mesmo tempo preservar interesses nacionais.
Em todos os processos negociadores, o que está em jogo é praticamente a mesma coisa: uma nova posição dos países emergentes, o reconhecimento de que a arquitetura mundial mudou e, claro, a solução de um problema global.
A negociação sobre o clima, que fracassou na última sexta-feira, foi a última de uma série de fiascos no diálogo entre nações.
Para o Wall Street Journal, o entendimento obtido na capital dinamarquesa foi uma carta morta.
Na Europa e em outras partes do mundo, a preocupação não é apenas com o clima, mas com a credibilidade das negociações multilaterais e da Organização das Nações Unidas (ONU) como centro de decisões.
Para Alden Meyer, da entidade americana Union of Concerned Scientists, o fracasso de Copenhague mostra a fragilidade do sistema multilateral. Na ONU, diplomatas e a cúpula da entidade está ciente dos obstáculos. Mas a avaliação é de que não há outra solução democrática, garantindo que todos os países participem do projeto.
Rajendra Pachauri, presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, observou em uma conversa com o Estado dois meses antes de Copenhague que o desafio da reunião não era apenas climático, mas o de demonstrar que países podem chegar a soluções de forma conjunta e pôr de lado interesses nacionais.
Mas o clima não é o único problema. Há quase dez anos, os mesmos governos negociam um acordo para reequilibrar o comércio mundial, abrindo novas oportunidades para países emergentes e reduzindo as distorções criadas pelas economias ricas. A Rodada Doha, lançada em 2001, está em um estado de paralisia.
Para o ex-ministro do Comércio do Canadá e ex-presidente do Conselho Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Sérgio Marchi, se a Rodada não for concluída em 2010, ela deve ser definitivamente abandonada. Não faz sentido continuar negociando algo que por dez anos já não funcionou.
Assim como nas negociações climáticas, os países ricos querem compromissos dos emergentes em troca de um acordo.
No setor de desarmamento, o processo negociador da ONU está parado também há dez anos. Governos não se entendem nem mesmo em relação a um agenda de trabalho, enquanto países mantêm em Genebra missões inteiras para o diálogo sobre o desarmamento. De um lado, governos sem a tecnologia nuclear querem um reequilíbrio da distribuição de poder no mundo, com a redução de arsenais. Já aqueles que têm a bomba atômica resistem em abrir mão de seu poder, pelo menos enquanto não haja um entendimento global.
Mesmo Obama, que propôs um mundo sem armas atômicas em maio, deixou claro que os americanos não começariam a reduzir seus arsenais enquanto outros não fizessem o mesmo, e de forma convincente.
Na ONU, outro impasse de mais de uma década é a reforma do Conselho de Segurança, instância máxima da entidade. Para todos está claro que o atual modelo de cinco países com o poder de veto (Rússia, China, Estados Unidos, França e Reino Unido) não atende mais às necessidades globais. Mas ninguém se entende sobre como deva ser uma reforma.
Brasil, Índia, Japão e Alemanha são alguns dos candidatos. Mas enfrentam resistências tão grandes como os apoios que existem para a reforma da entidade.
Em todos os fóruns de debates, a marca comum é a resistência dos países que desfrutam de benefícios do status quo em não querer perder seu poder. Ao mesmo tempo, a emergência de novos polos de crescimento obriga um novo reconhecimento da realidade internacional.
Se potências tradicionais hesitam em admitir uma transição a uma nova arquitetura, os novos polos de atração de investimentos e de crescimento querem garantias de que vão poder crescer sem obstáculos, mesmo que os tempos sejam outros. O impasse, portanto, é o que vem caracterizando esse enfrentamento por enquanto.
Há menos de um mês, o chanceler Celso Amorim estima que 2009 será o ano em que as placas tectônicas começaram a se ajustar, em uma referência ao reconhecimento de que os emergentes precisam fazer parte dos processos de decisão no mundo.
Isso ficou claro com a decisão do G-20 (Grupo dos 20 países mais industrializados) de tomar para si a tarefa de reformar o sistema financeiro mundial como forma de salvar a economia internacional de sua pior crise em 70 anos. De quebra, a decisão foi uma declaração de que o G-7 (grupo dos sete países mais ricos)passava a ser um processo que já não dava respostas aos problemas.
Mas nem nesse caso a situação é clara. Ao Estado, negociadores argentinos acusaram os países ricos de tentar repetir o comportamento do G-7 dentro do G-20. Isso ocorreria pelo estabelecimento de agendas que favorecem seus interesses ou mudando a ordem das presidências de sub-grupos de trabalho. Para membros na ONU, se a década de 90 foi marcada pela tentativa de soluções globais, a década que termina será lembrada pela percepção de que essas soluções não são tão simples.