13 a 17 de outubro de 2008

Comércio Exterior

Déficit da indústria explode e chega a US$ 8 bilhões até agosto
AEB vê exportação abaixo de US$ 200 bi no ano
Protecionismo e subsídios definirão mercado
Comércio internacional no olho do furacão
Bancos que usarem reservas terão que financiar o comércio exterior

Agronegócio

Agronegócio vê ação do BC como ajuda a exportação
Brasil vai produzir diesel de cana-de-açúcar a partir de 2010
Abiove reduz projeção para exportação de soja
Europa volta a taxar cereais e afeta milho brasileiro

Mercosul

Barreiras argentinas podem afetar o Brasil

Organização Mundial do Comércio (OMC)

Brasil, Índia e África do Sul querem ação coordenada contra crise
Reunião da OMC
Discurso pró-Doha tenta neutralizar protecionismo

Plano Internacional

Brasil evita se comprometer a vender urânio para a Índia
Sinais de desaceleração chegam à China, e bancos reduzem previsão de crescimento



Comércio Exterior

a) Déficit da indústria explode e chega a US$ 8 bilhões até agosto

A valorização do dólar não deve reverter os resultados negativos da balança comercial da indústria de transformação no curto prazo. Até agosto, o déficit comercial da indústria de transformação já acumula um déficit de US$ 8 bilhões. Esse resultado representa uma piora de desempenho de US$ 18 bilhões em relação ao mesmo período do ano passado, quando foi registrado um superávit de US$ 10 bilhões. Para 2009, o cenário ainda não está claro, pois depende do patamar em que o dólar irá se estabilizar e de como a economia mundial reagirá às políticas de combate à crise do sistema financeiro internacional. Mas poucos acreditam em um retorno dos superávits em tão pouco tempo.

Na análise de representantes dos setores que mais estão puxando o déficit da balança comercial da indústria de transformação - mecânica, material eletrônico e de comunicação, química e têxtil -, a retração da demanda mundial provocada pela crise financeira deve anular qualquer ganho de competitividade obtido com a valorização do dólar. Além disso, eles avaliam que seria necessário um período mais longo com dólar a níveis elevados para que o câmbio pudesse provocar efeito positivo sobre as exportações.

O período de dólar baixo no meio do ano acelerou o crescimento do déficit industrial. De junho a agosto, o dólar ficou no patamar de R$ 1,60, atingindo R$ 1,55 em 1º de agosto, menor valor do ano. Esse movimento, junto com a demanda interna aquecida, ajudou a impulsionar as importações industriais. Enquanto as exportações cresceram 6,4% de janeiro a agosto deste ano na comparação com o mesmo período de 2007, as importações aumentaram 37,9%.

Os efeitos da valorização do dólar sobre as importações só devem ser sentidos após uns 90 dias, avalia Roberto Giannetti, diretor do departamento de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Dessa forma, os resultados de déficit em 2008 não devem ser revertidos por conta da crise. Daqui 90 dias é possível ver alguma mudança, porque o consumidor já está mais cauteloso, o crédito está menor, mas nada que interfira na balança comercial desse ano, deficitária por conta do câmbio valorizado e da demanda interna aquecida.

A valorização do real pegou em cheio a indústria têxtil no meio do ano. O déficit na balança comercial, que no ano passado foi de US$ 507 milhões, deve fechar o ano em US$ 1 bilhão, mesmo com o encarecimento do dólar a partir de setembro, o que poderia dar mais competitividade aos produtos exportados. Por conta da crise, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) estima que a importação deve retrair 50% a partir de outubro, chegando a US$ 3 bilhões no ano, enquanto poderia chegar a US$ 3,9 bilhões caso seguisse o ritmo do ano até então.

As exportações, por sua vez, devem permanecer estáveis. O dólar mais alto pode ser positivo, mas será que teremos mercado para ganhar agora?, questiona Fernando Pimentel, diretor superintendente da Abit. Segundo ele, é preciso primeiro saber em que patamar o dólar se estabilizará para depois conseguir aumentar as vendas para o exterior. A expectativa do setor é de que o dólar se mantenha próximo dos R$ 2, o que daria mais margem competitiva.

Segundo o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, o câmbio não se manterá nos patamares atuais, acima dos R$ 2. Continuamos com a hipótese de que, passada a crise mais forte, o câmbio tende a apreciar levemente, indo para algo como R$ 1,85 até o final do ano, diz.

Apesar do nível médio de utilização da capacidade instalada da indústria têxtil estar em 88,7%, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Pimentel diz que a indústria nacional segue perdendo espaço para as importações. Até julho, as vendas de bens têxteis no varejo doméstico cresceram 11%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A produção têxtil nacional, porém, permaneceu estável (alta de 0,27%), enquanto a importação teve alta de 25%. Ainda temos espaço para crescer, o nível atual da capacidade instalada não indica estrangulamento, mas estamos perdendo a concorrência para o importado. A produção local de bens de vestuário (confecção) subiu 4,87% de janeiro a agosto.

Fertilizante foi o item da indústria química que mais cresceu nas importações, representando US$ 6 bilhões ou 41% dos US$ 14,7 bilhões de importações acumuladas no ano até agosto. Em 2007, quando as importações no mesmo período foram de US$ 8 bilhões, a representatividade dos fertilizantes era de 32,5%. Nesse caso, o uso da capacidade instalada da indústria nacional chegou ao seu limite, que hoje é suficiente apenas para atender parte do mercado interno.

A queda do preço do petróleo, matéria-prima dos fertilizantes químicos, pode amenizar esse impacto, mas não este ano. O maior volume de compras de adubos é feito até setembro, por conta do início do período de plantio. As compras maiores devem ser retomadas por volta de março do ano que vem. A gente ainda está no meio de um tsunami, é cedo para fazer projeções, mas o déficit da balança deve se manter, diz Nelson Pereira dos Reis, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).

O dólar mais caro hoje também não alivia a situação da indústria de eletroeletrônicos. A competitividade é alavancada pelo câmbio, mas para um mercado debilitado, a tendência é que a atividade dê uma desaquecida, diz Luiz Cezar Elias Rochel, gerente do departamento de economia da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). As projeções da associação são de que as exportações do setor fechem o ano em US$ 10,3 bilhões, e as importações em US$ 33,7 bilhões, um déficit de quase US$ 20 bilhões.

Mesmo com o aumento de 15% das exportações de celulares em agosto de 2008 sobre agosto do ano passado, principalmente para o mercado latino-americano, e de 23% dos transformadores no mesmo período, impulsionadas pelos investimentos mundiais em energia, o setor de eletroeletrônicos acumula déficit de US$ 8,8 bilhões de janeiro a agosto deste ano. Em julho, as exportações de eletroeletrônicos caíram 3% em relação ao mês anterior e em agosto, 7%.

No setor de mecânica, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) estima que a balança comercial fechará o ano com saldo negativo de cerca de US$ 11 bilhões, que não será afetado pela crise por se tratar de encomendas antigas. No ano que vem pode haver impacto, com queda do déficit, mas a produção nacional também será afetada, então não se trata de um cenário positivo, diz Mário Bernardini, consultor econômico da Abimaq.

O déficit tem sido impulsionado pelo aquecimento da demanda interna e pela competitividade do produto importado. Agora muda tudo, pois a queda de investimentos provocada pela crise vai retrair tanto a importação quanto as exportações, diz Bernardini. Segundo ele, com esse cenário não é possível ver aumento de competitividade com o dólar mais forte. Quem é que vai investir lá fora agora? O mercado vai encolher, então apesar de ter mais chance de competir, será num mercado menor.

Para Vale, da MB Associados, só uma taxa de câmbio elevada durante mais tempo e a volta do crescimento da economia mundial poderia reativar as exportações da indústria de transformação brasileira. Com o câmbio depreciando e a demanda interna mais fraca, podemos ter uma leve reversão da tendência de déficit na balança comercial da indústria dos manufaturados, mas não forte o suficiente, diz ele.

b) AEB vê exportação abaixo de US$ 200 bi no ano

A recente valorização da moeda norte-americana não vai conseguir compensar os reflexos negativos da desaceleração mundial para as exportações brasileiras. O setor já espera que a projeção de exportar US$ 200 bilhões neste ano não seja alcançada por causa da crise econômica internacional.

"O dólar alto ajuda o exportador brasileiro, mas não resolve todos os seus problemas. O mais importante é existir um comprador lá fora com um mercado externo aquecido", disse o presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), Benedicto Moreira.

Com a possível exportação de um volume menor que as estimativas, o superávit comercial também deve ser mais baixo que o esperado. Segundo Moreira, em vez dos US$ 20 bilhões previstos, o saldo da balança comercial pode ficar entre US$ 12 bilhões e US$ 10 bilhões neste ano. "Esse valor não será suficiente para cobrir o déficit de serviços e rendas e ficaremos com a balança de pagamentos no vermelho."

Para 2009, Moreira não arrisca estimativas. "Qualquer projeção hoje é "chutômetro"." Mas apesar dos efeitos negativos da crise para o setor, Moreira admite a necessidade de mudanças. "O Comércio Exterior brasileiro tem fragilidades estruturais independentes da crise, mas que vieram à tona nessa conjuntura", diz.

Para ele, o bom desempenho das exportações brasileiras nos últimos anos não era resultado de uma qualidade da oferta, mas sim de uma demanda externa aquecida. "Temos 80% de nossas exportações dependentes de commodities, ou produtos com baixa tecnologia agregada, sujeitos a oscilações de preços internacionais. Temos que agregar valor aos nossos produtos."

Para fortalecer o setor e evitar abalos maiores em situações de crises internacionais, a AEB vai elaborar uma proposta de reforma no sistema de Comércio Exterior brasileiro durante o 28º Enaex (Encontro Nacional de Comércio Exterior), marcado para os dias 27 e 28 de novembro, no Rio. Entre os pedidos está a criação de uma política de financiamento interno para exportação. "Como não temos um sistema interno apto para atender o setor, os exportadores recorrem muito para o crédito externo. Mas em contextos de crise, como o atual, essas linhas externas secam e o setor fica sem recursos para produzir."

c) Protecionismo e subsídios definirão mercado

A crise financeira mundial pode mudar o panorama de negociações do Brasil com seus principais parceiros internacionais. Em um cenário de queda nas trocas bilaterais, a corrente comercial terá de fluir em um ambiente no qual a tendência de fechamento de mercados e exacerbação do protecionismo terá de conviver com as dificuldades que diversos países enfrentarão para sustentar barreiras não-alfandegárias como subsídios agrícolas e cotas.

Os Estados Unidos e países europeus terão de gastar um volume significativo de recursos para socorrer os bancos e recuperar a confiança no sistema financeiro. Estas medidas devem comprometer os orçamentos dos países que terão de absorver o maior impacto da crise e afetar a capacidade de sustentarem o nível atual de subsídios agrícolas.

O Brasil, neste cenário, ganha competitividade nas exportações e condição de viabilizar acordos comerciais amplos sem a necessidade de discutir em fóruns internacionais como Doha. Esta oportunidade poderá ser a saída para o Brasil buscar minimizar os efeitos da recessão mundial na corrente de comércio, na avaliação do economista Celso Grisi, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

As negociações bilaterais envolvendo as commodities podem ser favoráveis ao Brasil – afirma Grisi. Com menos subsídios, haverá espaço para expandir as cotas de exportação de produtos agrícolas brasileiros e compensar parte da queda em volume e preço que deve se acentuar no mercado internacional. Na sua avaliação, a desaceleração da economia norte-americana será seguida por crescimento menor da China que arrastará com ela o Japão, que é dependente dos investimentos chineses em infra-estrutura.

Os Estados Unidos terão um grande déficit em conta corrente e uma dívida de US$ 11,365 trilhões em 2008. É um número de arrebentar – afirma Grisi. – Os déficit gêmeos vão trazer um problema sério para a economia norte-americana, com custos sociais graves, comenta. Os cortes em despesas com programas sociais e assistenciais devem alcançar a previdência, a área da saúde e política de subsídios.

Já Fernando Blumenschein, da FGV Projetos, prevê uma competição mais intensa entre os países para a conquista de mercados. Para ele, a tendência, em momentos de crise, é de que os países criem mais barreiras para proteger os seus mercados.

E isso já está acontecendo – diz, citando o caso da China, que impôs barreiras para exportação de produtos agrícolas para garantir a oferta no mercado interno. Nesse sentido, com o aprofundamento da crise, os países da União Européia também devem se proteger. As chances das negociações da Rodada de Doha são bem menores agora – comenta o coordenador de projetos da consultoria.

Em todo momento de crise, há um movimento protecionista dos países. Não é um risco remoto – concorda Olavo Henrique Furtado, consultor do núcleo de negócios internacionais da Trevisan Consultoria.

O mercado espera uma retração importante, com impactos diretos no Brasil. O crescimento econômico dos EUA e Europa deve ser próximo de zero. Dois grandes compradores de produtos brasileiros como a China, que deve reduzir sua expansão a taxas de mais de 10% ao ano para 8% ou 9%, e a Índia, que ficará na faixa de 4% a 5%, também devem diminuir as importações.

E isso vai atingir o Brasil de forma acentuada. Também haverá menor fluxo financeiro, diminuindo investimentos de empresas que usam o país como plataforma de exportação. Todas as varáveis indicam para uma desaceleração do crescimento ou até diminuição das exportações", diz Blumenschein.

Para compensar a perda de vendas nos EUA, avalia Grisi, os chineses devem se voltar para a Rússia, África do Sul e países da América Latina como o Brasil, Peru, Argentina, México, Colômbia, Chile e Venezuela.

d) Comércio internacional no olho do furacão

Ainda que sobrem dúvidas sobre o tamanho do estrago que a crise fará no Brasil, há uma certa convicção de que a primeira vítima será o comércio internacional. Os exportadores já reclamam da redução dos financiamentos, mas o efeito mais sensível será decorrente da redução na demanda, e vai aparecer de verdade no ano que vem. Sinais dos Estados Unidos, Europa e Japão mostram que os consumidores estão menos dispostos a comprar. E o que aparece primeiro como menor atividade das fábricas desses lugares se estenderá aos produtos importados.

Nessa lógica, é de se esperar uma desaceleração do comércio mundial, ou até um recuo. A mesma leitura é feita para as exportações brasileiras. Enquanto a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) acredita que as vendas continuarão a crescer, mesmo que num ritmo bem mais lento, a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) enxerga um futuro difícil, com desempenho inferior ao esperado para este ano.

“Com certeza em 2009 não exportaremos os US$ 200 bilhões estimados para 2008. Devemos ter um resultado menor em pelo menos US$ 15 bilhões. E mesmo um déficit já no ano que vem não pode ser descartado?, diz o vice-presidente da AEB, José Augusto de Castro, que baseia a avaliação sombria no aperto do crédito, no peso que têm as commodities na balança comercial brasileira e na queda da demanda.

Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), os financiamentos para as exportações brasileiras caíram cerca de 80%. E, como se viu, a liberação dos recursos do compulsório— o dinheiro que as instituições financeiras são obrigadas a recolher ao Banco Central — não surtiu o efeito desejado. Os bancos preferiram usar o capital extra para apostar em títulos. “O compulsório não foi reduzido para os bancos ficarem com dinheiro em caixa, mas para que os recursos sejam aplicados e irriguem o mercado. Os bancos estão muito retraídos?, reclamou ontem o presidente da CNI, Armando Monteiro Neto.

Mas a grande dificuldade para estimar o desempenho futuro das exportações está no câmbio. Assim como as bolsas, que alternam dias de euforia e depressão, a quantidade de reais para se adquirir um dólar varia ao sabor dos ventos.

Em uma semana, a moeda americana chegou a ser cotada a R$ 2,39, caiu para R$ 2,10 e voltou a subir, fechando em R$ 2,16.

“Se a desvalorização se firmar nesse patamar acima de R$ 2, vai ter um impacto positivo. Não este ano, mas em 2009, e pode compensar a queda na cotação das commodities. Mas não devemos contar com ganhos de preço, talvez algo em quantidades?, avalia o economista-chefe da Funcex, Fernando Ribeiro. Além disso, Ribeiro acredita que as importações serão mais sensíveis à depreciação do real, o que poderia até ampliar o saldo comercial, que vem caindo desde 2006 — foram US$ 46 bilhões, depois US$ 40 bilhões e, estimados, US$ 20 bilhões para este ano, quando devem ser comprados no exetrior o equivalente a US$ 180 bilhões.

As commodities — os produtos que são iguais independente da origem e têm preços fixados pelo mercado internacional — são especialmente relevantes nessas contas. O preço de boa parte delas está caindo, especialmente dos metais. Níquel, zinco e chumbo chegam a acumular quedas de 50% em 12 meses. Reduções também se deram em produtos agrícolas, como suco de laranja e algodão.

Mal sinal para um país em que praticamente metade das vendas externas se devem a produtos básicos. Ainda assim, mesmo o recuo das commodities deve ser relativizado — desde 2006 elas passam por um forte ciclo de valorização e as quedas recentes não retiraram todos os ganhos. “As commodities saíram dos picos absurdos, mas mesmo com a queda ainda mantém preços altos?, calcula Ribeiro, da Funcex.

Resta descobrir qual será o freio imposto pelos compradores. Visto que as economias dos Estados Unidos e Europa estão em recessão, o resultado são milhões de consumidores adquirindo menos produtos. Juntos, esses dois destinos representam 38% das vendas internacionais do Brasil. Mas o efeito “cascata? é maior.

Como bloco, o segundo maior parceiro comercial brasileiro são os países da América Latina, mercados para onde são vendidos produtos manufaturados, como os automóveis enviados à Argentina e o México. O problema é que eles também dependem do comércio com os parceiros ricos — o México, por exemplo, tem nos EUA o mercado de mais de 80% de suas exportações — e é de se esperar que tenham menos recursos para comprar artigos brasileiros.

Uma certa esperança vem da Ásia, ou melhor, da China. Isso se vê num bordão que vem sendo repetido por exportadores e analistas, de que as pessoas vão continuar comendo. É um jeito de dizer que as vendas de produtos como frango e, especialmente, soja, continuarão firmes. É mais uma aposta. Uma das maiores mineradoras do mundo, a Rio Tinto, anunciou ontem que está revendo seus planos de expansão porque espera uma demanda menor do gigante asiático. Por outro lado, mesmo os economistas que acreditam numa desaceleração chinesa ainda acreditam que o país poderá deixar de crescer 10% ao ano para um ritmo de 8% — ainda de dar inveja em qualquer um.

e) Bancos que usarem reservas terão que financiar o comércio exterior

O Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou voto em reunião extraordinária, que autoriza o Banco Central a exigir que os bancos que tomarem recursos na recém-criada linha de empréstimo em moeda estrangeira com recursos das reservas façam aplicações em financiamento de comércio exterior.

Na semana passada, o governo editou uma medida provisória que cria uma nova linha de redesconto do BC, para conceder empréstimos de liquidez em moeda nacional, e uma linha de empréstimo em moeda estrangeira, para lidar com a escassez de dólares no mercado.

Ainda não foram definidos todos os detalhes operacionais da linha em moeda estrangeira. Em reunião anterior, na semana passada, o CMN decidiu apenas que títulos soberanos de países com classificação de baixo risco e créditos em moeda estrangeira de boa qualidade, como ACCs, poderão ser usados como garantia aos empréstimos.

Não está claro ainda como vão ser feitos os empréstimos em moeda estrangeira - se, por exemplo, o BC irá analisar os pleitos caso a caso, decidindo a quem conceder os financiamentos, ou se será por meio de leilões.

Quando o governo editou a MP, na semana passada, o presidente do BC, Henrique Meirelles, disse que a linha de empréstimo em moeda estrangeira cumpria a função clássica de emprestador de última instância. Ontem, o BC corrigiu a declaração de Meirelles, explicando ao Valor que uma autoridade monetária não pode ser emprestadora de última instância de uma moeda que ela não emite. De qualquer forma, restou a dúvida não-explicada pelo BC se as operações serão analisadas caso-a-caso, como acontece no redesconto em moeda nacional. O BC informou que a regulamentação será divulgada hoje.

A decisão de vincular os empréstimos em moeda estrangeira ao financiamento de exportações foi tomada ontem logo após reunião entre o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do BC, Henrique Meirelles, da qual também participaram secretários do Ministério da Fazenda e diretores do BC. Um dos principais problemas analisados foi a escassez de crédito para o financiamento das exportações brasileiras, informa nota distribuída pela Fazenda.

A crise internacional reduziu as linhas internacionais de financiamento aos bancos brasileiros, e, como consequência, as instituições financeiras cortaram o volume de financiamento ao comércio exterior. A média diária de contratações de operações de Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC) foi de apenas US$ 116 milhões nos primeiros dias de outubro, metade dos US$ 238 milhões de setembro.

Desde meados de setembro o governo discute alternativas para injetar dólares nos bancos e retomar os financiamentos de exportações. Algumas medidas já foram tomadas, como o leilão do BC de linhas de dólares com compromisso de revenda, que visa a suprir a falta de linhas interbancárias, uma das fontes de recursos dos bancos no exterior.

O governo também anunciou que estudava uma operação de repo com recursos das reservas internacionais, como forma de substituir operações também de repo feitas pelos bancos no exterior. Nessas operações, as instituições financeiras usam títulos em moeda estrangeira como garantia para tomar empréstimos no mercado internacional. Até agora, a regulamentação dessa linha ainda não saiu.

Alguns economistas vêm criticando a forma de atuação do BC para prover linhas para o comércio exterior. Há dois tipos de observações. Uma delas diz que o BC está injetando dólares em volume insuficiente para fazer frente às necessidades dos exportadores. Outra crítica é que o dinheiro está sendo injetado no mercado por meio de leilões, em que leva os recursos quem oferece a melhor taxa. Dessa forma, os recursos não são necessariamente dirigidos ao comércio.

Na visão desses economistas, seria mais adequado a autoridade monetária fazer empréstimos diretos a algumas instituições financeiras, como Banco do Brasil e BNDES, usando recursos das reservas, determinando que sejam concedidos financiamentos a exportações. Analistas mais conservadores vêem a injeção de recursos em instituições financeiras para comércio exterior como função de fomento, incompatível com a operação de uma autoridade monetária.

Agronegócio

a) Agronegócio vê ação do BC como ajuda a exportação

A agricultura brasileira será afetada pela crise de crédito na safra 2008/09, uma vez que o plantio de grãos começou no meio da turbulência financeira, mas as medidas anunciadas pelo Banco Central poderão chegar a tempo de remediar o aperto no financiamento da exportação. "O principal problema que afeta hoje o agronegócio, e em particular as exportações do agronegócio, é a insuficiência de recursos para as operações de financiamento a exportações (chamadas de ACCs). E as medidas adotadas já pelo Banco Central visam, em parte, atenuar essa insuficiência de recursos", disse o ex-ministro da Agricultura Pratini de Moraes.

Para Pratini, a maioria dos agricultores pisou no freio diante dos problemas para obter crédito na hora da preparação da safra, e a área plantada "deve crescer muito pouco (em relação ao ano passado), se é que cresce".

Por isso, ressaltou ele, a priorização dos ACCs (Adiantamentos de Contrato de Câmbio), que financiam metade das exportações do país, seria uma forma de compensar um problema que já chegou ao campo.

O Banco Central fez mais ajustes nas regras dos compulsórios, elevando a pouco mais de R$ 100 bilhões os recursos que podem ser injetados na economia.

Representantes do setor exportador e do segmento de insumos concordam que as medidas podem surtir efeito.

"Tudo o que turbinar o crédito agora temos que ser a favor, sobretudo com enfoque da safra de verão. Tudo o que der confiança, pois estávamos já vivendo um primeiro momento de crise de crédito", disse Eduardo Daher, diretor-executivo da Anda (Associação Nacional para Difusão de Adubos).

Já Sérgio Mendes, diretor-geral da Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais), espera que uma parte do crédito gerado pelas medidas do BC possa atender à agricultura de exportação, num momento em que as tradings multinacionais, que financiam a agricultura de larga escala, restringiram os financiamentos.

O agronegócio responde por cerca de 35% das exportações anuais do Brasil.

b) Brasil vai produzir diesel de cana-de-açúcar a partir de 2010

O mesmo caldo de cana que serve como matéria-prima para a produção de açúcar e álcool servirá em breve, também, para a produção de diesel. A nova tecnologia, desenvolvida pela empresa Amyris, da Califórnia, vai ser colocada em prática no interior paulista em 2010, em sociedade com a Votorantim Novos Negócios e a Usina Santa Elisa, de Sertãozinho. A meta é produzir 400 milhões de litros no primeiro ano e 1 bilhão de litros, em 2012.

O processo é muito parecido com o da produção de álcool combustível, que utiliza leveduras - um tipo de fungo microscópico - para fermentar os açúcares presentes na cana e secretar etanol. A diferença crucial - que foi a grande inovação produzida pela Amyris - está no DNA da levedura, que foi geneticamente modificada para secretar diesel no lugar de álcool.

"Não é biodiesel. É diesel mesmo", diz o biólogo Fernando Reinach, diretor-executivo da Votorantim Novos Negócios (VNN), fundo de investimento de risco do Grupo Votorantim, que financiou parte da pesquisa. O resultado da fermentação é uma molécula chamada farneceno, com 12 átomos de carbono, que tem todas as propriedades essenciais do diesel de petróleo, mas nenhuma da indesejadas, como a mistura de enxofre - um poluente altamente prejudicial à saúde.

Enquanto o diesel de petróleo - e mesmo o biodiesel de óleos vegetais - contém uma mistura de várias moléculas combustíveis, o diesel de cana tem apenas o farneceno, que pode ser usado diretamente no motor. "É um combustível super puro", disse o diretor-executivo da Amyris, o português John Melo, que esteve em São Paulo ontem para anunciar o projeto.

O diesel de cana-de-açúcar - além de ser livre de enxofre, o que reduz o impacto sobre a poluição urbana - é renovável em relação ao carbono que emite para a atmosfera, o que reduz o impacto sobre o aquecimento global. A exemplo do que já ocorre com o etanol, o CO2 que sai do escapamento é reabsorvido, via fotossíntese, pela nova cana que está brotando no campo. Quando a cana é colhida, o carbono é convertido novamente em combustível, reemitido, reabsorvido e assim por diante.

A cana não tem óleo, ela apenas fornece o açúcar necessário para alimentar as leveduras que vão produzir o combustível. É um processo completamente diferente do usado para produção de biodiesel, que é um combustível refinado de óleos vegetais, como de soja e mamona.

Segundo Reinach, foram necessários mais de 15 genes para transformar a levedura em uma "fábrica biológica" de diesel. A espécie usada no processo é a mesma da fermentação do álcool (Saccharomyces cerevisiae), mas a origem dos novos genes é mantida em segredo até que as patentes sejam publicadas.

A idéia, a princípio, é que o diesel de cana entre no mercado como um adicional ao diesel de petróleo, e não como um concorrente, já que a produção inicial será muito pequena. O Brasil consome cerca de 45 bilhões de litros de diesel, dos quais 5 bilhões precisam ser importados. "Se acabarmos com a importação já será um enorme sucesso", avalia Melo, que antes de assumir a Amyris foi presidente nos Estados Unidos da BP Fuels.

A tecnologia foi desenvolvida nos laboratórios da Amyris na Califórnia. Mas o desenvolvimento do produto final será feito no Brasil, com a participação de cientistas brasileiros contratados pela empresa. A Amyris já tem um laboratório em Campinas - acoplado a uma usina-piloto - e planeja construir uma planta industrial junto à usina Santa Elisa, onde será feita a produção de diesel em larga escala.

O interesse da empresa em trazer a tecnologia para o Brasil é simples: "Nossa matéria-prima é o carbono, e o carbono mais barato do mundo é o carbono de cana do Brasil", explica Melo. "É igual à cadeia do petróleo. As empresas vão onde está o óleo. Nesse caso, elas virão para onde está o carbono vegetal", completa Reinach. A idéia é que a produção aumente e ganhe mercado gradativamente, com um custo igual ou inferior ao do diesel de petróleo. O custo inicial previsto é de US$ 60 o barril, já bastante competitivo.

As adaptações necessárias nas usinas para produzir diesel em vez de etanol são mínimas. De certo modo, basta trocar a levedura no fermentador. Dentro de alguns anos, prevê Reinach, os usineiros poderão optar por produzir o que for mais vantajoso - álcool, diesel ou açúcar -, com grande flexibilidade.

O diesel de cana surge como mais uma opção no menu de energias renováveis que o mundo procura para substituir os combustíveis fósseis (derivados de petróleo, carvão e gás), que são os principais responsáveis pelo aquecimento global. A cana já oferece duas dessas opções: o álcool combustível e o bagaço, que é queimado para produção de energia elétrica. Agora serão três (etanol, diesel e biomassa), com potencial para chegar a quatro, cinco, ou até seis. Segundo Reinach, com as mesmas técnicas de engenharia molecular, é possível "ensinar" a levedura a produzir quase qualquer tipo de molécula.

A Amyris já está desenvolvendo combustível de aviação para a Força Aérea Americana e, depois do diesel, tem planos de produzir gasolina - tudo a partir da fermentação de açúcar da cana. Para o projeto do diesel, a empresa recebeu US$ 100 milhões de vários fundos de capital de risco nos últimos 12 meses. A Votorantim Novos Negócios não revela de quanto é sua participação.

c) Abiove reduz projeção para exportação de soja

A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) reduziu novamente sua projeção de exportações de soja em grão para o período de 12 meses entre fevereiro deste ano e janeiro de 2009. Entre abril, última projeção feita pela entidade no primeiro semestre, e os dados apresentados nesta quinta-feira, que tratam do mercado até agosto, a queda acumulada na projeção é de 2 milhões de toneladas.

A nova previsão é de embarques de soja em grão de 25,2 milhões de toneladas, ou 500 mil toneladas a menos que a estimativa anterior, apresentada em setembro. Entre fevereiro de 2007 e janeiro de 2008, os embarques de soja em grão somaram 23,8 milhões de toneladas.

O mês de agosto foi o mais fraco em exportações de soja em grão desde 2004, quando foram embarcadas 2 milhões de toneladas - em agosto deste ano, foram 2,35 milhões. Os embarques de farelo e óleo, que foram, respectivamente, de 954 mil e 210 mil toneladas, foram os mais reduzidos em um mês de agosto desde pelo menos 2003, ano mais distante apresentado pelas estatísticas da entidade.

As exportações de soja em grão devem crescer 6,1%, de acordo com a nova projeção, mas a receita das vendas crescerá quase 70%, para US$ 11,34 bilhões - de um ano a outro, o preço do grão passou de US$ 283 para US$ 450 por tonelada. O complexo soja embarcará US$ 18,63 bilhões, ou 64,5% a mais que no intervalo entre fevereiro de 2007 e janeiro deste ano.

A nova estimativa prevê processamento de 32,3 milhões de toneladas, ou 100 mil toneladas a menos que a estimativa apresentada em setembro. Em mais um dia atribulado nas bolsas de valores, os contratos de soja para janeiro de 2009 subiram 7,75 centavos de dólar na bolsa de Chicago, para US$ 8,8025 por bushel. O avanço foi creditado a ajustes técnicos.

d) Europa volta a taxar cereais e afeta milho brasileiro

A União Européia vai restabelecer o imposto na importação de todos os cereais, em reação à queda de preços no mercado internacional, com impacto sobre o Brasil.

A medida de Bruxelas afetará diretamente as exportações brasileiras de milho, que devem voltar a pagar 94 euros por tonelada ao invés da isenção que valia desde o começo do ano. O que o país conseguir exportar dentro da cota global de 2 milhões de toneladas, entrando pela Espanha, fica livre de taxa.

O Brasil é um dos maiores fornecedores de milho da UE. Exportou 3,4 milhões de toneladas até setembro, faturando US$ 732 milhões, de acordo com dados do Ministério da Agricultura.

A UE disse que que tomou a decisão de restabelecer a tarifa de importação porque a cotação dos cereais ficou abaixo 180% do preço de referência. A comissária de agricultura da UE, Mariann Fischer Boel, argumentou que precisava evitar um cenário de ter de utilizar subitamente os estoques e ao mesmo tempo abrir completamente as importações. Isso seria darmos um tipo no pé, disse.

Considerando a interdependência dos mercados dos vários cereais e o rápido impacto das mudanças no preço de um cereal sobre os outros, as taxas serão cobradas simultaneamente para trigo, durum, centeio, sorgo e milho. Para os traders não serem penalizados quando os cereais já estiverem a caminho da Europa, o tempo de transporte será levado em conta.

A queda de preços de produtos agrícolas foi um dos argumentos que o Brasil utilizou esta semana em reunião com a Índia para tentar convencer os indianos a retomar a negociação da Rodada Doha para liberalizar o comércio global.

A baixa provoca retomada de tarifas de importação e deflagra nos países ricos maior utilização de subsídios. Com um acordo internacional, ao menos esses dois movimentos ficam limitados. Os brasileiros mostraram aos indianos estatísticas com quedas de preço em um mês de 11% do açúcar, 5% do café, 8% da soja, 7% do milho. Os indianos ficaram sensibilizados.

Mercosul

a) Barreiras argentinas podem afetar o Brasil

A Direção Geral de Aduanas (DGA) da Argentina divulgou uma lista de pouco mais de 21,6 mil produtos de importação que serão submetidos ao sistema de valor-critério antes da entrada no país. O valor-critério é um preço mínimo estabelecido para cada produto de acordo com algumas referências, como o preço médio de produtos equivalentes vendidos por determinado fornecedor nos últimos dois ou três anos, ou o preço praticado pelo mesmo fornecedor em outros mercados. Funciona como um filtro para impedir a entrada no país de produtos excessivamente baratos, que prejudicam a indústria local.

Segundo explicou a assessoria de comunicação da DGA, o procedimento segue as normas estabelecidas pela Organização Mundial de Aduanas, também é adotado pelo Brasil e foi comunicado aos parceiros do Mercosul antes de ser aplicado. A lista inclui itens nos segmentos de artigos de couro, tecidos, fibras e fios têxteis sintéticos e de algodão, confecções, pneus e câmaras, tubos de aço, equipamentos elétricos e eletrônicos, eletrodomésticos, calçados e brinquedos. Também incorpora 120 produtos dos segmentos metalúrgico, têxtil e de autopeças que não tinham valores-critério estabelecidos antes e agora passam a ter.

A medida, que atinge cerca de 50% da pauta de produtos importados pela Argentina, foi tomada para evitar a entrada de produtos subfaturados. Embora a maior parte (70%) dos produtos marcados com valores-critério sejam procedentes de dez países asiáticos, a DGA admite que parte da lista poderá afetar o Brasil, mas apenas nos casos de subfaturamento. Um exemplo são camisetas que chegam ao país procedentes de países asiáticos com preço abaixo de US$ 0,15 a unidade. Segundo a DGA, nenhum exportador brasileiro consegue vender camisetas por esse preço e só é possível com fabricantes sediados em países onde se usa trabalho infantil, entre outras irregularidades.

A diretora geral da DGA, Silvina Tirabassi, garantiu que o controle não se dirige a qualquer país em específico, porque classifica os produtos por preço e não por origem. Segundo ela, é um mecanismo preventivo contra possível invasão de produtos importados de países que antes vendiam nos EUA e Europa e agora não conseguem mais vender por causa da crise financeira internacional.

José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), diz que não há como garantir que o controle da Argentina sobre produtos estrangeiros não afetará o Brasil, mas por ser uma medida generalizada não pode ser considerada ilegal. Claro que afeta o Brasil, e isso é um constrangimento para a Argentina. Mas é correto fazer uma medida geral, discriminar países seria ilegal, diz ele.

Para o executivo, embora se saiba que os países asiáticos tentarão compensar a perda dos mercados dos EUA e europeu, que se retraíram por conta da crise, o argumento não convence para explicar a decisão argentina. É possível entender a atitude da Argentina caso ela esteja tentando se prevenir contra o risco de, com o déficit da balança comercial, ficar sem divisas, diz.

Ele explica que, como a Argentina é grande exportadora de commodities, a desvalorização desses produtos deve reduzir fortemente a receita de exportações. Isso força o país a cortar importações para evitar ficar sem divisas. O controle é uma medida preventiva, afinal de contas há seis anos a Argentina estava em moratória, e sem acesso ao mercado internacional, diz.

Segundo Castro, em 2009 o Brasil já terá queda de exportações para a Argentina por conta da diminuição da demanda. Se o Brasil for afetado pela medida de controle da Argentina, Castro não acredita que haverá contestações. O Brasil não deve contestar por questões políticas, diz. Ele acredita que o impacto sobre o Brasil poderá ser limitado, já que os dois países acabaram de adotar as moedas nacionais no comércio. Se a intenção da Argentina é proteger divisas, o Brasil não deve ser afetado, mas ela tem que ser clara, abrir o jogo. O risco de a Argentina ser contestada na Organização Mundial do Comércio (OMC) deverá vir de outros países que se sentirem prejudicados. Se alguém se sentir prejudicado, vai reclamar na OMC, diz Castro.

Organização Mundial do Comércio (OMC)

a) Brasil, Índia e África do Sul querem ação coordenada contra crise

Na comparação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é a "revolta dos bagrinhos": na terceira reunião de cúpula de Índia, Brasil e África do Sul os chefes de Estado dos três países decidiram criar o que o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, definiu como "uma estratégia coordenada" para enfrentar a crise financeira mundial. Lula chegou a sugerir o estudo de fórmulas para o comércio entre os países emergentes em moedas nacionais, como o recém-criado por Brasil e Argentina. Os ministros da Fazenda e das Relações Exteriores e os presidentes dos Banco Centrais dos três países vão reunir-se ainda neste ano para discutir a "estratégia coordenada" contra a crise.

O tradutor do presidente Lula encontrou dificuldade em explicar a referência aos "bagrinhos". Lula explicou então que, no Brasil, há pelo menos dois tipos de bagres, o Jaú, grande, e os menores, comidos por este. Algumas vezes, disse, os "bagrinhos" se juntam contra o Jaú, como aconteceu quando grupos de petistas descontentes venceram a corrente hegemônica, de Lula, na eleição para a presidência do partido, na década de 90.

Feita a explicação, Lula atacou os especuladores em seu discurso: "É inadmissível que venhamos a pagar pela irresponsabilidade de especuladores que transformaram o mundo num gigantesco cassino, ao mesmo tempo em que nos prodigalizavam lições sobre como deveríamos governar", disse. Singh, Lula e o presidente sul-africano, Kgalema Petrus Motlanthe aproveitaram o encontro para críticas aos países desenvolvidos e cobranças de responsabilidade pela crise financeira mundial.

No comunicado divulgado após o encontro, eles enfatizam "a necessidade de nova iniciativa internacional para uma reforma estrutural no sistema financeiro internacional" e defendem que a "ética também deve ser aplicada à economia" e dizem que não são suficientes "medidas paliativas".

Lula foi o mais desenvolto nas acusações aos países desenvolvidos e nos elogios à situação das nações em desenvolvimento. "Índia, Brasil, África do Sul e outros países emergentes já construíram uma solidez econômica e fiscal que permite discutirmos em igualdade de condição. E até dizer para os países que estão em crise hoje como se comportar na área econômica para não permitir que o sistema financeiro vire o cassino que virou."

Lula, em entrevista após o encontro, lembrou seus telefonemas para o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, e para o presidente dos EUA, George W. Bush, para parabenizá-los pelas medidas tomadas contra a falta de crédito em seus países e a crise de confiança no sistema bancário. "Acho que (as medidas foram) atrasadas, poderiam ter tomado as medidas três meses atrás, cinco meses atrás, porque esta crise está há mais de um ano rodando as notícias de jornais", comentou. Para ele, a União Européia tomou "medidas mais contundentes" com injeção de capital e a parcial estatização dos bancos com problemas. "Os Estados Unidos vão ter que melhorar e aprimorar as suas decisões" após o período eleitoral, aconselhou.

"Teremos que mudar as regras", disse Lula, ao comentar ter trocado telefonemas sobre o tema com outros chefes de Estado. "Os Bancos Centrais, reunidos em Basiléia, vão ter que tomar decisões e todos terão que cumprir", disse. "O FMI tem que mudar de comportamento, aquilo que ele se prestou a fazer na década de 90, agora percebe-se que não vale muita coisa, as instituições multilaterais nessa hora não funcionam corretamente." O tom de acusação de Lula foi acompanhado pelos outros presidentes e traduzido na declaração conjunta. "A explosão de novos instrumentos financeiros, desacompanhada de regulação sistêmica e crível, resultou, entre outras coisas, numa grande crise de confiança pela qual os responsáveis devem ser apontados e cobrados", diz a declaração. "Precisamos mais que nunca antes de um esforço renovado para reformar as instituições de governança internacional, sejam as Nações Unidas, seja o G-8", discursou Manmohan Singh.

Lula defendeu que os ministros e presidentes dos BCs dos três países discutam o comércio em moeda local como forma de evitar crises de liquidez e problemas nas exportações. "É preciso começar a fazer esta discussão para saber em quantos países a gente pode fazer isso, quais são os outros mecanismos que nós poderíamos fazer para mudar um pouco a lógica comercial do mundo", disse. "O que não dá é para ficar subordinado ao padrão de gente que está falindo, é preciso mudar."

Apesar da crítica ao dólar, Lula afirmou depois que o Brasil continuará acumulando reservas internacionais na moeda americana. "É muito importante que tenhamos reservas em dólares e vocês sabem o sacrifício que fizemos para juntar", disse, relatando que ele e seus ministros invejaram a Índia, na viagem realizada em 2004, por ter acumulado, naquela data, US$ 100 bilhões em reservas. "Chegamos a US$ 207 bilhões e isso é muito importante porque dá segurança para o país."

Embora realizado em moeda local, o sistema de compensação comercial montado por Brasil e Argentina não dispensa o dólar, que é usado como moeda de referência e para cancelar os saldos de comércio periodicamente. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reconheceu a dificuldade de concretizar a proposta. "Talvez não seja fácil fazer com a Índia e África do Sul, mas precisamos encontrar soluções para que os problemas dos outros impeçam o progresso do nosso comércio." Por sugestão da Índia, a meta de comércio trilateral, hoje em U$ 10 bilhões até 2010, foi ampliada para US$ 25 milhões em 2015.

Brasil e Índia acertaram ainda que, em até três semanas, definirão uma ação conjunta para a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC).

b) Reunião da OMC

O diretor geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, disse que é possível convocar uma nova reunião ministerial, até o final de 2008. Para ele, talvez a Rodada de Doha possa ser concluída ainda em 2009. “Não concluiremos todas as negociações antes que George Bush (presidente norte-americano) saia da Casa Branca, disse Lamy. Ele acrescentou ainda que o que pode ser concluída até o final do ano é a antepenúltima etapa, da qual já foram superados 85%. As negociações políticas empacaram no mês de julho, em Genebra, por causa dos desacordos entre Estados Unidos e Índia sobre a questão dos mecanismos de salvaguarda

c) Discurso pró-Doha tenta neutralizar protecionismo

Pronunciamentos recentes do G-8 e de autoridades, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Carlos Gutierrez, a favor de um acordo da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) têm um sentido político importante de evitar nova onda protecionista como a que aprofundou a depressão dos anos 30, mesmo que, na prática, seja difícil conseguir um acordo agora. A opinião é de especialistas ouvidos pela Agência Estado.

"A declaração do G-8 é certamente positiva", diz o presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-ministro da Indústria e Comércio, José Botafogo Gonçalves. "Sempre que há recessão o protecionismo ganha força e quem mantém a racionalidade diz que mais proteção é menos comércio, menos atividade econômica e mais recessão", completa. No entanto, ele observa que apesar de esforços como os do governo brasileiro, as eleições nos Estados Unidos e a necessidade de aprovação pelo Congresso americano dos termos acordados dificultam muito a conclusão da Rodada da OMC.

"Concluir Doha seria um antídoto preventivo vigoroso ao protecionismo. Seria uma vacina para evitar o que aconteceu com a crise de 29, quando aumentou o protecionismo, que é visto hoje até como uma das causas da 2º Guerra Mundial", disse o ex-ministro da Economia Marcílio Marques Moreira.

O protecionismo na década de 30 foi citado por Gutierrez na visita que fez ao Brasil na semana passada como um dos maiores erros daquela crise. O próprio início da Rodada de Doha se deu no fim de 2001, após os ataques terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos.

"Mas ali, o governo Bush tinha apoio do Congresso americano. Agora, já não tenho tanta certeza", diz a pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas Lia Valls Pereira, especialista em comércio internacional. Para ela, as declarações recentes de governos e do G-8 sobre Doha "têm cunho muito político, de sinalizar que não vão repetir os erros de 30". Ela lembra que um dos países que protagonizaram o impasse que impediu um acordo na reunião de julho da OMC foi a Índia, onde Lula estava discursando a favor de Doha.

Índia e Estados Unidos teriam divergido sobre salvaguardas à importação de produtos agrícolas por países em desenvolvimento, dada a importância da agricultura familiar entre os indianos. "Se basicamente foi só essa questão das salvaguardas mesmo, se for só isso, pode ser que seja possível um acordo. Mas a época é a pior possível por causa das eleições nos Estados Unidos e na Índia (em 2009)", disse Lia.

Sandra Rios, sócia e diretora do Centro de Integração e Desenvolvimento (Cindes), considera "pouquíssimo viável" um acordo em Doha. Argumenta, inclusive, que com as grandes incertezas devido à crise internacional é difícil traçar os cenários para os próximos anos que permitem fundamentar as decisões para acordos. Para ela, pronunciamentos como o do G-8 mostram o receio de que a crise provoque o recrudescimento de medidas protecionistas e constituem uma mensagem "muito importante" para os políticos de cada país evitarem o protecionismo e fortalecerem o sistema multilateral.

Plano Internacional

a) Brasil evita se comprometer a vender urânio para a Índia

Temeroso de entrar num campo minado da diplomacia mundial, o Brasil está se esquivando do desejo da Índia em firmar parcerias na área atômica. A assinatura do histórico acordo nuclear entre a Índia e os EUA, na semana passada, colocou fim a 34 anos de embargo internacional sobre Nova Déli e abriu para o Ocidente um mercado estimado em mais de US$ 100 bilhões.

O governo indiano tem deixado claro que vê o Brasil, que tem a sexta maior reserva de urânio do mundo, como parceiro natural no comércio de tecnologia e combustível nuclear. "É claro que queremos firmar acordos nessa área com o governo brasileiro", disse ontem o ministro das Relações Exteriores da Índia, Anand Sharma, no segundo dia da cúpula do Ibas (grupo formado por Índia, Brasil e África do Sul).

Mas o interesse da Índia em oferecer ao Brasil uma fatia desse bolo bilionário tem provocado divisões no governo brasileiro. Em conversa com a Folha de São Paulo, uma fonte do primeiro escalão disse considerar "uma loucura" o fato de alguns ministros defenderem o fornecimento de urânio brasileiro à Índia, aproveitando o mercado aberto com o acordo entre Washington e Nova Déli. Para essa fonte, as possíveis vantagens econômicas não compensam o risco de desgaste político que traria o comércio de material nuclear com a Índia, que mantém uma tensa relação com o vizinho Paquistão, outra potência nuclear.

Firmado durante a visita do presidente George W. Bush a Nova Déli, em 2006, o acordo recebeu no mês passado o aval da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e do Grupo de Fornecedores Nucleares (GFN), que mantinha embargo internacional à Índia.

Foi o sinal verde para a retomada do comércio nuclear com a Índia, a começar pelos 45 membros do GFN, do qual o Brasil faz parte. Criado pelos EUA em 1974, após o primeiro teste nuclear realizado pela Índia, o GFN visava punir o país por manter programa atômico sem submeter-se aos acordos de não-proliferação.

O chanceler Celso Amorim é um dos que não acreditam que haja empecilhos em uma parceria nuclear com a Índia. Para ele, as salvaguardas da AIEA aceitas pela Índia, pelas quais o país abrirá 14 de seus 22 reatores a inspeção, constituem garantia suficiente.

"Contanto que sejam acordos de cooperação para fins pacíficos, como manda a Constituição brasileira, não vejo problemas", disse Amorim. Segundo ele, o assunto não foi abordado no encontro que teve com o ministro indiano das Relações Exteriores.

Outros países já estão de olho no bilionário mercado nuclear indiano. A França saiu na frente e fechou um acordo de cooperação para o fornecimento de combustível nuclear e tecnologia. O país é líder mundial, com 75% de sua eletricidade gerada por centrais nucleares.

Além de romper o isolamento internacional, a Índia espera acima de tudo resolver seus graves problemas de geração de energia. O fornecimento elétrico no país é extremamente irregular, sendo estimado em 15% abaixo do necessário nos horários de pico. Com blecautes freqüentes, geradores e velas estão sempre a postos.

Na primeira fase, a meta é importar oito reatores nos próximos cinco anos, triplicando a proporção de energia nuclear no país, que hoje corresponde a 8% do total. Além disso, com o fim do embargo, o país espera alimentar os reatores já existentes: hoje, metade está parada por falta de urânio.

b) Sinais de desaceleração chegam à China, e bancos reduzem previsão de crescimento

O crescimento da economia chinesa vai se desacelerar nos próximos meses graças à crise na União Européia e nos EUA, principais destinos das suas exportações, segundo o economista sênior do Banco Mundial em Pequim, Louis Kujis.

Economistas reduziram as estimativas de crescimento da China na última semana. Ainda que o Banco Central chinês estime em 9% o avanço do PIB em 2009, bancos como Standard Chartered e o Royal Bank of Scotland prevêem que ele não chegará a 8% -o menor crescimento em uma década. Em 2007, o PIB cresceu 11,9%.

Há sinais de desaceleração da construção civil e do mercado imobiliário e queda de mais de 60% na Bolsa de Xangai neste ano. A China é a quarta maior economia do mundo e é a única entre as grandes que deve crescer muito em 2008/2009, então uma desaceleração pronunciada de seu crescimento tem efeitos globais. Ela importa mais de US$ 1 trilhão por ano.

A crise financeira, que teve impacto limitado no país, fez sua primeira vítima. A Chinalco, estatal que é maior produtora de alumínio da China, comprou 12% da gigante mineradora australiana Rio Tinto, por US$ 14 bilhões, ao lado da americana Alcoa. O depósito da transação estava com o falido Lehman Brothers.

Segundo o jornal britânico "Daily Telegraph", o governo de Pequim está intercedendo com os liquidadores em Hong Kong. A Chinalco não se pronunciou. As ações da Rio Tinto valem agora metade do que os chineses pagaram. A empresa pode ter grandes perdas.

Já o sistema bancário chinês foi pouco afetado por conta de seu fechado sistema financeiro, com controle de capitais e da baixa exposição de seus bancos a investimentos no exterior.

A China anunciou que as exportações de setembro foram 21,2% maiores que no mesmo mês do ano passado. Mas, quando se ajustam os valores para a inflação anual e para a apreciação do yuan, a moeda chinesa, nota-se que o volume exportado foi 0,5% menor. São necessários mais dólares para comprar os mesmos yuans - a moeda chinesa se desvalorizou em 15% em relação ao dólar.

O setor exportador chinês crescia anualmente de 20% a 30% nos últimos cinco anos. "A turbulência pode ter relativamente um grande impacto nas exportações. Estamos alerta", disse o ministro do Comércio, Gao Huicheng. Para tentar reanimar o consumidor chinês a comprar imóveis, duas das maiores cidades do país anunciaram ontem medidas. Em Xangai, foram anunciadas linhas de crédito que podem chegar a 600 mil yuans (R$ 200 mil). Em Hangzhou, capital de Província de Zhejiang, quem comprar apartamentos caros (o valor ainda não foi anunciado) receberá a permissão legal de residência para a sua família (casal e filho).

Outras metrópoles, como Guangzhou e Nanjing, já haviam anunciado medidas para o mercado imobiliário.

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