Nos últimos cinco anos, de modo geral, as relações entre o Brasil e os EUA foram boas. Em alguns momentos excelentes. Hoje, são apenas corretas. Nunca, porém, foram livres de alguma tensão, geralmente motivada por conflitos comerciais ou preocupações com a segurança.
Durante o Governo FHC e até a primeira visita do Presidente Lula (junho de 2003) as relações estavam em expansão como ficou demonstrado no curso da visita presidencial com histórica reunião entre dez Ministros de cada país, com a criação de tres grupos de trabalho nas áreas de macro-economia, energia e agricultura e com a definição de uma agenda positiva. Nos dois últimos anos, poucos avanços efetivos foram registrados refletindo a perda de prioridade dos EUA na política externa brasileira, segundo se infere de declarações oficiais.
Longe de ser nostalgia da subserviência, essas iniciativas representaram uma atitude pragmática e objetiva, visando a melhor aproveitar o que o país mais importante e o maior mercado do mundo têm a oferecer.
Visões diferentes deste enfoque, ideologicamente motivadas, pertencem ao universo da retórica e – mais uma oportunidade perdida - deixam de maximizar os benefícios que o Brasil pode extrair desse relacionamento.
A política norte-americana em relação ao Brasil ainda se baseia em percepções pouco claras, mitos, estereótipos e distorções da realidade, derivados da falta de melhor conhecimento da nossa realidade política, econômica, social e cultural. O resultado é uma combinação de baixa prioridade, cálculo político por vezes superficial e imediatista, interesses econômicos e comerciais concretos, mas aquém de desenvolvimento potencial da relação.
As relações bilaterais experimentaram uma gradual transformação qualitativa, positiva para o Brasil, se forem entendidos os sinais que estão sendo dados. O Brasil começou a ser tratado de maneira diferenciada pelos EUA em diversas frentes, tais como a financeira, a do intercâmbio politico-diplomático, sobretudo nos temas regionais. Nota-se clara disposição de Washington de minimizar e evitar diferenças e atritos.
Exemplo dessa gradual mudança de percepção, é o trabalho elaborado pelo National Intelligence Council, instituto de pesquisa do CIA sobre o “Panorama Mundial em 2020”, no qual o Brasil é projetado como uma das potências econômicas globais, como comentei em artigo de 8 de fevereiro.
Do lado americano, o Brasil foi incluído em 2002 pelo Departamento do Comércio como um dos seis principais parceiros, ao lado da China, Índia, México, Canadá e Turquia. Embora não se observe uma clara politica de promoção comercial que dê prioridade ao maior mercado importador do mundo, os EUA continuam sendo nosso maior parceiro comercial e o mercado mais importante para os produtos brasileiros.
O foco principal continuará a ser, no futuro previsivel, a área comercial – ressalvada, é claro, a possibilidade de eventuais crises de maior gravidade, que nos envolvam nos planos bilateral, regional ou mundial.
Apesar de reconhecer o papel efetivo e potencial de liderança que o Brasil pode desempenhar na América do Sul, começa a ganhar corpo em certos setores da Administração norte-americana a percepção dos que enxergam, do nosso lado, o projeto de “desafiar” a projeção dos EUA no continente, em virtude do sentimento anti-americano por parte de setores do Governo.
As relações com os EUA são, de longe, a mais importante no contexto da política externa brasileira. Por isso, penso que deveríamos buscar, pragmaticamente, ampliar os campos de cooperação e os vínculos comerciais, ao mesmo tempo em que devemos resguardar, de forma intransigente, o interesse nacional.
Ocorrem-me essas reflexões no momento em que está sendo publicado um livro, do qual sou co-organizador, no qual os diferentes ângulos do relacionamento bilateral, diplomático, econômico, comercial e de segurança, são examinados por acadêmicos, políticos e diplomatas dos dois países.
O livro “Relações Brasil-Estados Unidos: Assimetrias e Convergências” (Editora Saraiva), que analisa, histórica e tematicamente, o conjunto das relações do Brasil com os Estados Unidos, incluindo a agenda de negociações em torno de uma área hemisférica de livre comércio, está sendo lançado hoje, com debate sobre as relações bilaterais, no Instituto Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo.