Depois de dez anos, voltei a China, como membro da comitiva da BM&F para a inauguração do escritório da Bolsa em Shanghai e para participar de Seminário sobre o Brasil.
A impressão ao chegar é a de um país em rapidíssima transformação. Shanghai e Beijing transformaram-se em imensos canteiros de obras. Basta dizer que 40% dos guindastes e 50% do cimento produzidos no mundo estão sendo utilizados na China. É como se nessas duas cidades estivessem sendo construídas, ao mesmo tempo, várias Brasílias. A construção civil é um dos setores mais dinâmicos e agora, com o super aquecimento da economia, passou a ser um dos principais fatores para a aceleração da inflação.
De 1980 a 2003, a China cresceu em média 9,4 % por ano (nesse mesmo periodo, o Brasil, apenas 2,5% em média). O país se transformou em uma das cinco maiores economias do mundo. Colocando-se entre as cinco maiores potências comerciais, detém 5,9% das exportações e absorve 5,3% das importações mundiais. Somente para os EUA em 2003 exportou US$ 152 bi gerando um superavit de US$ 124 bi, quase do tamanho do comércio exterior brasileiro.
Abrindo-se para o exterior, a China mudou sua política comercial e está negociando acordos de livre comércio regional com os países da ASEAN e bilaterais com a Coréia e o Japão. Em 2003, a China chegou a ultrapassar os EUA como o primeiro destino de investimento direto externo ao receber cerca de US$ 53 bilhões.
A política econômica é austera e conservadora: inflação de 3%, taxas de juro de 5,3% e reservas de mais de US$ 400 bilhões. Junto com outros países asiáticos, a China detém cerca de 60% dos títulos do Tesouro norte-americano.
O crescimento galopante da economia nos últimos anos aumentou o nível de renda da população e incluiu milhões de chineses na economia de mercado. Por outro lado, acentuou o desequilíbrio social e aumentou a concentração de renda. Para poder comprar um carro, paga-se US$ 7.000 pela placa, o que vai fazer com que, por muitos anos, a bicicleta continue sendo o o principal meio de transporte para grande parte da população.
Em um grande paradoxo, o crescimento da economia é acompanhado por uma impressionante alta na taxa de desemprego. Mais de 200 milhões estão desempregados no campo e mais de 110 milhões de migrantes rurais incharam os centros urbanos, sem perspectivas de emprego para todos. Para absorver a entrada anual no mercado de jovens, inclusive das Universidades, a economia chinesa deveria crescer pelo menos 7% no futuro previsível. As estatísticas governamentais mostram a taxa de desemprego em 4,3%, o que não revela toda a extensão do problema, pois não inclui, por exemplo, os trabalhadores do Estado demitidos porque recebem um mínimo apoio oficial.
A construção civil começa a absorver parte da população rural que busca emprego nas cidades, com salário de menos de 40 dólares por mes, e quando não, transforma trabalhadores em sem tetos urbanos.
O Governo embarcou em um enorme esforço para reduzir as desigualdades sociais e evitar ou adiar uma crescente demanda individual por inclusão social.
No campo, pequenos empréstimos governamentais e programas de treinamento buscam evitar o êxodo rural e aumentar a reduzida renda dos agricultores. Foi também iniciado um amplo programa de micro crédito que oferece US$ 120 para pequenos empresários que ganham esse valor por ano.
Essas medidas de amparo às camadas menos favorecidas não impedem a visibilidade do contraste de um pais cada vez mais próspero, convivendo com um nível dramático de pobreza, em que meninos e meninas de rua e homens e mulheres famintos abordam turistas de forma até agressiva em busca de esmola.
No final de recente conferência mundial para a redução da pobreza, organizada em Shanghai pelo Banco Mundial, o governo chines reiterou seu compromisso de reduzir pela metade a pobreza no país, até 2015, o que não será uma empreitada simples, considerando que hoje se enquadram nessa categoria cerca de 1 bilhão de pessoas, especialmente no campo.
Concomitante com o milagre econômico e a emergência do país como uma das forças na economia e no comércio internacional (fator relevante para o crescimento mundial, para o preço das commodities, do petróleo e dos fretes marítimos), a China procura “tornar-se um país normal”, isto é, plenamente aceito pela comunidade internacional.
Nesse sentido, no último dia 28 de maio, a China ingressou no Grupo de Fornecimento Nuclear (NSG) que controla o suprimento e o comércio de urânio, em 1984 ingressou na Agência Internacional de Energia Atômica, em 1992 assinou o Tratado de Não Proliferação, em 2003 entrou para a OMC e recentemente tem tomado medidas concretas para combater o terrorismo internacional.
Ouvi de membros do governo que a China não quer antagonizar ou confrontar os EUA, inclusive na compra de soja, e pretende continuar a manter fluida e positiva relação com a Administração dos EUA, seja ela republicana ou democrata.
Enquanto faz tudo isso, a China reserva tempo para avançar uma dinâmica agenda para o futuro concentrando seus esforços na inovação, na pesquisa e desenvolvimento, na ciência e tecnologia, no aumento da competitividade e no apoio à internacionalização das empresas chinesas.
Para o Brasil, do aspecto econômico e comercial, a China é uma oportunidade e um desafio, que devem ser encarados com realismo e pragmatismo. A China, por muito tempo será um parceiro comercial importante, mas complementar aos progressos que conseguirmos no relacionamento com os EUA, a Europa e a América do Sul.