12/02/2008
Mercado Agrícola Mundial em Transformção
Rubens Antonio Barbosa
A grande transformação por que passa o mercado agrícola mundial interessa diretamente ao Brasil. O preço das “commodities” tem influência direta sobre as exportações brasileiras e o biocombustível coloca o Brasil na linha de frente na luta para reduzir a dependência do petróleo e diminuir as emissões de gás carbono, que tantos prejuízos causam ao meio ambiente.
A revista The Economist, em recente estudo, com dados significativos chama a atenção para as consequências do aumento do preço dos alimentos sobre a economia global e, em especial, sobre os países em desenvolvimento.
Contrastando com a queda de 75% dos preços das commodities agrícolas no período 1974-2005, o índice The Economist de produtos agrícolas no mercado mundial está hoje no nível mais elevado desde sua criação em 1845. Mesmo em termos reais, os preços cresceram 75% desde 2005 e deverão manter-se nesses níveis, pelo menos, por uma década. Estudos mostram que o preço dos cereais deverá crescer entre 10 e 20% até 2015.
Normalmente, o aumento no preço das “commodities” deriva da escassez do produto e de baixos estoques, refletindo uma situação de desequilíbrio entre a oferta e a demanda. O que ocorre agora é a elevação das cotações, mesmo quando existe excedente, visto que a produção de cereais em 2008 será a maior da história. The Economist denomina esse fato, pelo seu impacto sobre a economia internacional, de “agflation”.
Essa situação indica que as alterações do quadro são estruturais e não temporárias. Duas razões básicas podem ser apontadas para justificar a atual alta no preço dos produtos agrícolas: o aumento do consumo de alimentos na China e na India e o rápido crescimento da demanda por etanol como combustível. A demanda por etanol foi a principal razão do aumento do preço dos grãos em 2007, o que, por sua vez, acarretou a elevação do preço de outros produtos, como soja e milho.
A médio e longo prazo, os avanços tecnológicos , especialmente na genética agrícola, poderão beneficiar muitos agricultores. O acréscimo de novas regiões produtoras, porém, apresenta problemas significativos: a maior parte das novas áreas que poderão ser incorporadas para o plantio encontra-se em áreas remotas do Brasil, da Rússia, do Cazaquistão, do Congo e do Sudão; enormes investimentos em infra-estrutura (estradas, ferrovias); crescente perigo de mudanças climáticas(segundo alguns estudos, o aquecimento global poderá reduzir a produção agrícola mundial em cerca de 15% em 2020 e o alto preço do petróleo (influência sobre o preço dos fertilizantes, responsáveis em boa parte pelo incremento da produção agrícola nos últimos 50 anos).
Os países mais pobres com reduzida produção agrícola e os países mais ricos serão os grandes perdedores. Segundo o Banco Mundial, 3 bilhões de pessoas, 75% dentre os mais pobres do mundo, vivem nas áreas rurais dos países em desenvolvimento e desses, 2,5 milhões estão na agricultura.
Assim, se por um lado, os mais pobres poderiam ser beneficiados pelos altos preços da commodities, o que ocorre na pratica é o contrário: a maior parte dos países vive com renda abaixo do nível de pobreza e não pode pagar os alimentos cada vez mais caros. Os países em desenvolvimento deverão gastar mais de 50 bilhões de dólares com a importação de cereais em 2007, 10% a mais do que no ano passado. Por outro lado, entre outros países desenvolvidos, Japão, México e Arábia Saudita serão afetados diretamente pelo aumento dos preços dos alimentos. Segundo o prêmio Nobel de economia, Gary Becker, da Universidade de Chicago, se o preço dos produtos agrícolas crescer 33%, o nível de vida dos países desenvolvidos deverá reduzir-se ao redor de 3%, enquanto nos países mais pobres, acima de 20%.
Para alguns países, o aumento dos preços passou a ser um problema. Muitos, como a Argentina, Marrocos, Egito, México e China, a fim de minimizar os efeitos negativos, estão aplicando algum tipo de controle de preços sobre produtos alimentícios; outros países, incluindo India, Vietnã, Sérbia, Ucrânia impuseram imposto de exportação ou limitaram as exportações. Argentina e Rússia, para evitar os aumentos internos de preço, fizeram as duas coisas ao mesmo tempo.
Evidentemente há também ganhadores com essa situação. Nos EUA, o maior exportador mundial de produtos agrícolas, a renda liquida do agricultor em 2007 será de US87 bilhões, 50% a mais do que a média dos últimos 10 anos. Outros beneficiários, pelo aumento da eficiência e dos preços são países em desenvolvimento, como o Brasil, a Argentina, a India, Africa do Sul e alguns outros africanos.
A intervenção do governo por meio de subsídios e barreiras comerciais acarretou um elevado custo para os países em desenvolvimento. As tarifas aumentaram, houve perda de qualidade, superprodução e altos preços internacionais que tanto prejudicam os produtores, na maioria países em desenvolvimento. A redução dos subsídios nos EUA e na Europa ajudaria a alterar substancialmente esse quadro.
Finalmente, poderá haver um importante efeito político gerado pela “agflation”. A escassez de alimentos e o alto preço das commodities agrícolas, em um contexto internacional mais aberto, poderão mudar o equilíbrio de poder na economia mundial em beneficio dos mercados emergentes.
O Brasil está muito bem posicionado para ser um dos principais países favorecidos por essa tendência.Tanto em pesquisa e na extensão de terras agriculturáveis, quanto na produção agrícola, do etanol e do biodiesel, o Brasil goza de vantagens competitivas importantes. Isso representa uma enorme oportunidade que não podemos deixar passar.
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