A empresa chinesa LIFAN Group está interessada na compra da companhia brasileira TRITEC Motors, criada em 1998, no Paraná, com um investimento de US$ 500 milhões em uma associação entre a Daimler-Chrysler e a BMW.
Apesar dos desmentidos de praxe, as conversacoes estão em curso e viraram noticia na imprensa internacional (Xangai Daily e New York Times) e Nacional (Estado e Gazeta Mercantil).
Trata-se da aquisição de uma sofisticada empresa brasileira, produtora de motores para automóveis, de alta tecnologia, para exportação, com o objetivo de ser desmontada e transferida para a China.
Essa operação é um exemplo da chamada criação destrutiva em que aquisições e fusões de grandes empresas são realizadas com vistas a melhorar sua competitividade e força no mercado.
Nos EUA, a operadora britânica de portos Peninsular & Oriental Steam Navigation (P&O) foi comprada pela Dubai Ports World, empresa apoiada pelo Governo de um dos emirados Arabes Unidos, potência petrolífera do Oriente Médio.
Na Europa, a empresa indiana Mittal propôs a compra da Arcelor, empresa franco-luxemburguesa, uma das gigantes na produção mundial de aço; na Espanha, a companhia de eletricidade EON da Baviera na Alemanha fez oferta para a compra da Endesa, poderoso grupo espanhol do setor.
Nos últimos anos, empresas de países emergentes, inclusive o Brasil, passaram a comprar grandes empresas, sobretudo nos países desenvolvidos. Nos EUA, empresas de mercados emergentes gastaram mais de US$ 14 bi em 96 negócios em 2005. Na Europa, empresas do Oriente Médio, da América Latina e da Asia gastaram cerca de US$ 42 bi, mais do que o dobro de 2004.
Essa série de aquisições está gerando forte reação nos países onde estão localizadas as empresas cobiçadas. Nos EUA, o Congresso, baseado em considerações de seguranca nacional, evitou que a operação de seis dos principais portos, entre eles NY e Miami, passem para o contrôle da companhia árabe. Na Europa, a França anunciou que irá proteger 11 setores contra aquisções externas; na Espanha, na Alemanha, na Inglaterra e na Itália, os Governos também reagem imediatamente. Nos países em que a legislação existente não estabelece restrições à livre circulação de capital, decretos do executivo e projetos de lei nos parlamentos estão sendo elaborados.
Em um mundo globalizado em constante transformação, ao contrário do que muitos pensam, o Estado passa a ter um crescente papel regulador em resposta às preocupações com segurança, desemprego e soberania e aos desafios que a China e a India vem colocando como novas potênciais econômicas. Em consequência disso, a interferência estatal para estabelecer restrições à entrada de produtos e agora para mudar a política de porta aberta ao investimento externo, tenderá a aumentar o protecionismo dos países ricos em prejuízo do livre mercado.
Nesse contexto, observando as medidas que estão sendo tomadas nesses dias pelos países que se apresentam como arautos e baluartes do livre comércio, não deixa de surpreender a reação do governo brasileiro à tentativa pelo governo chines de adquirir a empresa TRITEC do Paraná.
“O Governo brasileiro não pode interferir. Será uma grande perda para o Brasil, mas se trata de uma transação entre empresas privadas. É dificil que haja qualquer interferência do Governo", teria dito à Imprensa uma autoridade ministerial governamental, aparentemente despreocupado com as implicações políticas, econômicas e sociais relacionadas à transação.
Na maioria dos países existe legislação para examinar e, se for o caso, bloquear a venda de empresas que detém alta tecnologia, por considerações estratégicas. No caso da empresa do Paraná, alem desse aspecto, existem outras questões que o Governo e o Congresso deveriam analisar.
Por que a venda? Em decorrência da perda de competividade no Brasil pela apreciação do câmbio e pela alta carga tributária ?
Do ponto de vista socio-econômico, como ficará a perda de cerca de 500 empregos diretos, de 75% de componentes nacionais vendidos para a fabricação de motores e de US$ 250 mi de exportação dessa empresa ? E os incentivos fiscais e as obras de infra-estrutura que certamente foram oferecidos pelo Governo do Estado para a fábrica se estabelecer no Paraná ? Esses incentivos serão devolvidos ao Governo se a planta fôr transplantada para a China?
Do ângulo chines, segundo se noticia, os entendimentos estão sendo conduzidos por um alto funcionário do Partido Comunista Chines, o que mostra o significativo interesse estratégico da aquisição e o pragmatismo de Beijin.
O fato de a negociação estar sendo conduzida pelo Partido Comunista Chines tornaria mais fácil uma interferência do Governo brasileiro. A regulamentação das aquisições a fim de resguardar o interesse nacional é necessária e urgente. No caso da empresa do Paraná não se trata de proibição da operação comercial, perfeitamente legítima no contexto do livre comércio e que podera ser feita de acordo com as regras vigentes no país, nem de maniftestação de nacionalismo exacerbado, como é o caso da Espanha contra empresa alemã, ou da França contra empresa italiana, mas pura e simplesmente de contenção de dano.
Há, sim, muita coisa a ser feita para preservar o emprêgo e o interesse nacional, basta ver o que os EUA e a Europa estão fazendo para defender sua indústria e seus interesses. Caso a operação se concretize, o governo deve buscar impedir legalmente o desmonte e a transferência da fábrica para a China. Na viagem desta semana à China, o Vice-Presidente José Alencar poderia iniciar a reação do governo brasileiro.
Com a palavra o Governo (Federal e Estadual) e o Congresso no sentido de defender o interesse nacional, não em teoria, como muitos gostam de fazer, mas na prática, o que é sempre mais difícil.