A recente reunião de Assunção do Conselho do Mercosul, que reúne os Presidentes dos países membros, e a atitude de nossos parceiros no tocante às eleições para o Conselho de Segurança da ONU e para a presidência do BID propiciam, de novo, ocasião para algumas reflexões sobre a situação atual e as perspectivas do grupo regional e da política brasileira para a América do Sul.
As dificuldades para o Mercosul afirmar-se como um grupo regional, com credibilidade e com um conjunto de regras que possa ser um instrumento útil para empresas nacionais e estrangeiras, derivam de aspectos institucionais decorrentes da aplicação do Tratado de Assunção, que criou o Mercosul.
O seguido descumprimento do Tratado pelos países membros e a gradual ampliação do comércio administrado com acordos de restrição voluntária negociados por diversos setores empresariais, vão cirando mais e maiores obstáculos para a ampliação do livre comércio. Essa situação tende a agravar-se com a proposta da Argentina e agora do Paraguai de criar novas medidas restritivas, como salvaguardas, ao arrepio da letra e do espírito do Tratado.
A percepção de que o Mercosul está deixando de ser atraente para os países membros deriva, no fundo, da falta de vontade política das partes para definir prioridades viando a corrigir desvios institucionais e aprofundar a integração. Falta uma diretriz comum, como aquela proposta pelo Brasil em dezembro de 2003, para buscar a efetiva implementação da União Aduaneira, com o fim das perfurações e a dupla cobrança da TEC, dos Regimes Especiais de Importação e a internalização das regras aprovadas pelos quatro países membros.
O Mercosul comercial, por outro lado, vai bem. As trocas comerciais entre os quatro países membros se ampliaram significativamente nos últimos dois anos e alcançaram em 2005 niveis equivalentes ao record histórico registrado em 1998, antes das crises no Brasil e na Argentina.
Os contenciosos comerciais são consequência mais da baixa competitividade dos produtos argentinos, do que da gressividade das empresas exportadoras brasileiras, às voltas com o câmbio apreciado e com altíssimas taxas de juro. Essas questões estao sendo resolvidas de comum acordo e, apesar de desvio de comércio em alguns produtos, em favor do Chile e da China, não são fatores impeditivos para o incremento global das exportações brasileiras, até porque não representam mais de 5% do intercâmbio bilateral com a Argentina.
O Mercosul aproxima-se da hora da verdade. Como nenhum Governo ousará se expor ao risco político de propor seu término, o dilema é saber se ele permanecerá irrelevante ou se de fato se transformará em uma alavanca para o progresso da região.
Apesar da retórica pró-integração e pró-Mercosul do Governo Lula, o Itamaraty parece estar na defensiva e sem propostas próprias para responder aos desafios do momento.
Se o processo de integração fosse de fato uma prioridade política, agora seria o momento de o Brasil reconhecer a crise institucional do Mercosul e adotar uma atitude pró-ativa com o objetivo de modificar essa situação.
A baixa prioridade do Mercosul para o atual Governo brasileiro tem recebido duras respostas de nossos parceiros, que passaram a rechaçar a liderança brasileira na região. Repetidamente anunciada pelo Governo Lula, essa liderança nunca foi tão contestada.
A política brasileira na América do Sul e no Mercosul terá de ser profundamente revista de modo a restabelecer uma atitude positiva e cooperativa. Não se pode seguir com sonhos irrealistas de liderança e de hegemonia, desmentidos a cada momento pelos fatos, como vem ocorrendo na eleição do Conselho de Segurança e como aconteceu nas eleições para Diretor Geral da OMC e agora para a importante Presidência do BID, onde o Brasil perdeu, no primeiro turno, para o candidatao colombiano e não contou nem com os votos do Uruguai e do Paraguai.
Com a retomada das negociações na ALCA, caso o Governo Lula mantenha as atuais posições, o Brasil, mais uma vez, deverá ficar isolado no contexto sul-americano.
Levará tempo até que nossas relações com a América do Sul sejam recolocadas em seu leito natural, como ocorreu até 2002.