11/07/2006
Estados Falidos 
Rubens Antonio Barbosa

As tragédias humanitárias do Haiti e do Sudão mostram a decomposição das instituições do Estado, tornando esses países ingovernáveis e obrigando a comunidade internacional a intervir para garantir um mínimo de segurança interna e a sobrevivência de populações sem qualquer perspectiva.

Os dois países são exemplos do que no jargão internacional se convencionou denominar de Estados Falidos (failed states).

O que são e como se caracterizam os Estados Falidos e porque cada vez mais eles se transformaram em uma preocupação para a comunidade internacional?

Estados Falidos são aqueles em que as instituições cessaram de funcionar na prática. O legislativo e o judiciário, em muitos casos, deixaram de existir e o executivo entrou em colapso e os governantes perderam o controle sobre o país.

Segundo recente estudo preparado pela ONG Fund for Peace, cerca de 60 países encontram-se hoje nesse estado de fracasso econômico, social e político.

Nos casos mais extremos, os estados praticamente desapareceram, como no Afeganistão, no Haiti, na Somália e no Sudão. Em muitos outros, os estados não fracassaram, mas estão enfraquecidos. Os governos estão incapacitados de fazer aquilo que seus cidadãos e a comunidade internacional esperam deles: controlar seu território, proteger a população de ameaças internas e externas, prover serviços básicos de saúde e educação, e organizar as instituições que possam responder às legítimas demandas e necessidades da população.

Os países que se encontram em situação mais dramática são a Costa do Marfim, a República Democrática do Congo, o Sudão, o Iraque, a Somália, o Afeganistão, o Haiti.

Em consequência, há organizações terroristas treinando em bases no Afeganistão e na Somália, redes transnacionais criminosas criando raízes em Myammar e na Ásia Central, pobreza, doenças e emergências humanitárias gerando problemas insuperáveis para os governos no Haiti e na África Central.

Diversos pontos comuns podem ser identificadas entre as crises que abalam esses países e que passaram a fazer parte das preocupações e desafios da política externa de nossos dias.

- Essas crises se originam entre países em desenvolvimento, se espalham entre eles e afetam os governos que demonstram falta de capacidade ou de vontade para enfrenta-las.
- Efeitos paralelos - como conflitos étnicos, doenças, e colapso econômico - colocam em risco outros países vizinhos. Redes criminosas operam ilícitos transnacionais, particularmente de terroristas e traficantes de drogas procuram instalar-se nesses Estados para desenvolver suas atitividades.
- A insegurança regional é magnificada quando países mais desenvolvidos, como a Nigéria ou a Indonésia, também passam a ficar afetados pela ação dessas redes.

Os paises fracos ou falidos estão ainda associados a catástrofes humanitárias; migrações internas em grande escala; degradação ambiental; instabilidade regional, insegurança energética; pandemias globais; crime internacional; proliferação de armas de destruição em massa e terrorismo transnacional.

Os grandes desafios para a comunidade internacional nos casos mais agudos de desaparecimento do Estado são a instauração do cáos político, econômico e social e como restabelecer a ordem e recriar as instituições.

A situação adquiriu tanta gravidade que hoje é geralmente aceito que os maiores riscos para a paz e a segurança internacionais deixaram de ser a ameaça militar das principais potencias, mas as ameaças transnacionais representadas pelos países fracos ou falidos.

A comunidade internacional, através sobretudo das Nações Unidas- o principal forum para a defesa da paz e da segurança internacionais - tenta responder a esse desafio da melhor forma possível, em termos políticos e materiais. O conceito de soberania está sendo crescentemente qualificado pela globalização e pelas transformações nos transportes, nas comunicações e na magnitude dos ilicitos transnacionais. Criou-se o direito de ingerência, inicialmente contestado, mas gradualmente aceito pelos países da ONU quase que como um mal menor.

Além dos EUA, onde a questão dos estados falidos adquiriu grande relevância em virtude da preocupação do país com o terrorismo, o Reino Unido, Canadá e Austrália criaram unidades especiais para acompanhar e estudar essa questão, que, apesar de toda a sua importância, mereceu, até aqui, pouco trabalho de pesquisa para identificar suas causas e para a busca de medidas para enfrentar o problema.

O que fazer ?

Será necessário investir na prevenção de situações limites como as aqui mencionadas e melhorar a capacitação e ampliar a mobilização de recursos internacionais dos principais países e das Nações Unidas.

Em todas as medidas a serem propostas, o engajamento da comunidade internacional será indispensável para o aumento da ajuda humanitária a fim de atender exigências mínimas de populações abandonadas a sua propria sorte e sem qualquer perspectiva de organização e recuperação de condicões de saúde, higiene, segurança e educação.

O Brasil é um dos países que tomou a decisão de ter uma participação relevante em um dos casos mais graves de falência do Estado. De acordo com Resolução das Nações Unidas foi estabelecida missao de manutenção de paz no Haiti e nesse contexto, atendendo a convite do Governo dos EUA, o Governo brasileiro decidiu enviar contingente de força militar e assumir o comando da operação.

É preciso garantir que o esforço do Brasil - em termos de recursos humanos, financeiros e materiais - seja complementado, como prometido e era esperado pela comunidade internacional. Sem esse apoio e o trabalho conjunto, não faz sentido prolongar por muito mais tempo a presença de militares brasileiros naquele país.
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