Ha 46 anos governando Cuba, Fidel Castro, com 80 anos recém completados, precisou, devido a problemas de saúde, pela primeira vez, transferir a Chefia do governo da Ilha a seu irmão Raul, sucessor-designado desde 1985.
Como será Cuba sem Fidel ? Como se fará a mudança de governo ? Como será a transição do atual regime ?
Ao que parece, já estamos observando o início do período de transição de poder em Havana, com todas as partes interessadas se preparando para enfrentar tempos de incerteza política no país.
Pelo lado do Governo, o próprio Fidel, talvez ciente de sua própria doença há algum tempo, já havia começado a tratar do assunto, como evidenciado pela tranqüilidade com que se deu a sucessão, na qual um grupo de ministros e personalidades políticas estava preparada para assumir o poder de forma colegiada. A oposição interna em Cuba, desde 2003, não sem dificuldades, promove um Diálogo Nacional com um Programa Para Todos os Cubanos. O governo dos EUA, logo depois da eleição de Bush, criou em 2002 a Comissão para Assistência a Cuba Livre, retribuindo o maciço apoio dos exilados cubanos anti-castristas, sobretudo da Florida, e liberou recursos da ordem de US$ 59 milhões, com o objetivo expresso de tornar seu compromisso pessoal de liberar Cuba em um compromisso nacional. Mais recentemente essa Comissão propôs a criação de um fundo de US$ 80 milhões para um plano de aceleração do processo de democratização em Cuba, assim como um pacote de ajuda para um futuro governo de transição.
Em qualquer dos cenários possíveis para a era pós-Fidel, o papel do Partido Comunista e do Exército deverá ser crucial. As Forças Armadas são a instituição mais importante em Cuba e Raul Castro o Ministro da Defesa há mais de 40 anos.
O cenário futuro mais provável, como evidenciado agora, seria a sucessão familiar com Raul assumindo o comando político do país, em um mandato tampão que poderá ser longo, com a morte, ou curto, pela incapacitação temporária de Fidel.
A maneira como a situação interna em Cuba está evoluindo parece demonstrar um total controle por parte do Partido e do Exército. Nesse contexto, com a ascenção de uma nova geração de lideres (Carlos Lage, Ricardo Alarcon, Felipe Perez-Roque, Francisco Soberón) que governará conjuntamente, e depois sucederá a Raul, parece ser possível especular que, ao contrário de todos os cenários discutidos nos EUA, Cuba, a médio prazo, poderá evoluir em paz e tranqüilidade, seguindo o modelo chinês. Perestroika sem Glasnost. Reformas na economia, visando a atrair capital de risco de Miami para investimentos na Ilha, mas firme controle político sobre o regime.
Essa possibilidade pode ser facilitada pelo desempenho muito positivo da economia cubana que cresceu 12% (8% é o dado do CIA) em 2005, como conseqüência dos altos preços do níquel e do cobre no mercado internacional e do baixo preço do petróleo, subsidiado por Hugo Chaves, que ainda paga bons salários para milhares de médicos e professores cubanos enviados para a Venezuela e a Bolivia
Para os EUA, Cuba, assim como Israel, mais do que uma questão de política externa, é um problema de política interna e, por isso, torna-se difícil antever a reação de Washington no momento em que a transição de fato acontecer.
Medidas restritivas à movimentação de pessoas e a remessas de divisas visando a aumentar o isolamento de Cuba em relação aos EUA foram adotadas nos últimos meses. Em julho passado, anunciou-se a designação de um coordenador para a transição em Cuba, com o mandato de desenhar e implementar uma ampla estratégia para acelerar a mudança de governo em Cuba. Mais recentemente, Washington facilitou a concessão de visto para reunião familiar nos EUA a fim de evitar um temido êxodo, que nao parece iminente.
Em Miami, ocorreram manifestações de júbilo pela enfermidade, mas, para sua frustração, os cubano-americanos pouco poderão influir nos acontecimentos políticos e econômicos na Ilha, como sempre se pensou pudesse acontecer. A alegria se transformou em surpresa silenciosa. Os EUA parecem continuar sem entender o que está acontecendo, como se depreende das declarações equivocadas sobre o grave estado de saúde de Fidel na véspera da visita de Hugo Chaves – herdeiro presuntivo do lider cubano como revolucionário anti-americano -, da continuada percepção de que o regime é frágil e não sobreviverá ao desaparecimento de Castro e de que forças de fora poderão influir para uma transição democrática.
De qualquer forma, os obstáculos para a melhoria das relações com os EUA não são fáceis de superar, apesar das primeiras declarações de Raul Castro, favoráveis a um entendimento com Washington. Nos termos da Lei Helms Burton “de solidariedade à liberdade a democracia em Cuba”, se o regime que suceder ao de Fidel Castro for presidido por Raul Castro, o país não se qualificará para receber as vantagens de um abrandamento do embargo comercial e outras restrições ou ajuda bilateral. Outros requerimentos da lei também dificilmente serão atendidos por um regime raulista, mesmo se o irmão-herdeiro quiser começar um processo de liberalização política. A legislação determina, por exemplo, que todas as atividades políticas sejam legalizadas, que eleições livres para a formação de um novo governo sejam convocadas, que todos os prisioneiros políticos sejam libertados e que certas organizações repressivas do Estado sejam dissolvidas.
Enquanto uma nova legislação norte-americana não for aprovada, revogando a Helms Burton e sua definição do que deveria ser um governo de transição, as relações entre Cuba e os EUA continuarão congeladas e o hemisfério perderá mais uma oportunidade de reincorporar a Ilha ao sistema inter-americano, que, aliás, já aceitou até a China como membro observador.
A não interferência dos EUA será fator básico na transição pacifica do regime em Cuba.