Participei, na semana passada, do 40o. Colóquio anual promovido pelo Instituto para o Desenvolvimento Empresarial da Argentina (IDEA) e que contou com a presença de cerca de 500 dos principais empresários argentinos.
IDEA é uma organização privada que congrega empresários – nacionais e estrangeiros – e que promove, uma vez por ano, um amplo debate sobre temas relevantes da economia argentina.
Este ano discutiu-se a integração interna e a inserção externa daqule país.
No Brasil, o setor privado não dispõe de uma organização como IDEA que, acima dos setores industrial, agrícola e de serviços, possa promover um amplo debate sobre os temas mais relevantes de interesse direto dos empresários. Expositores do exterior (do Brasil, dos EUA e da Europa) ajudaram a formar um quadro mais amplo e mais claro da economia e da política internacionais e seus impactos sobre a Argentina.
Creio que seria de interesse do setor privado, com vistas a formar um pensamento estratégico, criar um espaço para discutir a situação e as perspectivas da economia e da posição do Brasil no mundo, a exemplo do que ocorre, para um público mais diversificado, com o Foro Nacional, no Rio, ou com o ENAEX, para discutir os assuntos de interesse da área de comércio exterior.
Junto com o Professor Riordan Roett, da Universidade John Hopkins, de Washington, Felix Peña, da Fundação Banco de Boston, e Carlos Perez Llana, do Instituto Torquato di Tella, fiz parte do Painel sobre o quadro internacional e a inserção externa da Argentina.
Dada a proximidade das eleições norte-americanas, foi inevitável que o painel se concentrasse na leitura que o mundo e a América Latina estão fazendo da reeleição de Bush.
Houve consenso em que, com a continuação das prioridades atuais da agenda externa de Bush (combate ao terorismo, segurança, Iraque), dificilmente os EUA deixarão de ver a América Latina como uma região de baixa prioridade.
A América Latina não dispõe de armas nucleares, não é uma ameaça aos interesses estratégicos norte-americanos e nem é vista como relevante para a promoção de seus interesses econômicos e financeiros.
Roett ressaltou de forma crua e direta – para surpresa de muitos dos presentes – que Bush, respalado por uma indiscutivel vitoria nas urnas, governará uma nação em guerra como comandante em chefe das Forças Armadas.
Carlos Perez se manifestou preocupado com a possiblidade de cobranças por parte do governo dos EUA, de posições argentinas no tocante ao Iraque, a Direitos Humanos, a Cuba, entre outras, e recomendou que o Governo argentino deveria resistir, mesmo diante de ameaças de retaliação.
De minha parte, procurei indicar as repercusões para a América Latina das políticas econômica, externa e comercial do governo Bush II.
Levando em conta a necessidade de Bush restaurar de alguma maneira a austeridade econômica para equilibrar, ou pelo menos reduzir, os déficits fiscal, orçamentário, da balança de pagamentos, de contas correntes e de comércio exterior, mostrei os efeitos negativos, de um lado, de uma alta na taxa de juros para o custo dos empréstimos externos e para o fluxo de investimentos diretos e, de outro, para as exportações para o mercado norte-americano, de uma politica cambial que favoreça a desvalorização do dolar.
Não deixou de causar alguma surpresa minha observação de que, do ponto de vista do Brasil e da América do Sul em geral, a baixa prioridade da região na política externa dos EUA não é um fator necessariamente negativo. Ao contrário, permite maior margem de ação para os países, como é o caso da política pró-ativa que o Brasil está desenvolvendo na região (Venezuela, Bolivia, Haiti).
Ressaltei que, mais do que esperar benesses e gestos de boa vontade da única superpotência mundial, deveriamos identificar nosso interesse nacional a fim de melhor defendê-lo e resguardá-lo, em um mundo instável e em transição e que isso se traduz na maior integração regional para aproveitar nossas potencialidades e aumentar nossas trocas comerciais.
No tocante ao comércio, acentuei que a ALCA continuará na agenda dos EUA e que as negociações deverão ser retomadas no inicio de 2005, mas que, pelas interligações com a Rodada de Doha (regras para subsidios e anti-dumping), não deverão concluir-se antes de fins de 2006, para ratificação em 2007.
O Mercosul também foi examinado, juntamente com o acordo com a União Européia (UE). Dois ex-Secretários de Comércio e negociadores argentinos, fizeram exaustiva análise do acordo e das ofertas do Mercosul e da UE e mostraram porque o acordo nas bases atuais é inconveniente para os interesses empresariais argentinos.
Os panelistas concluiram que o acordo é pouco ambicioso; que os resultados influiriam negativamente na consolidação de um padrão de especialização tipo Norte-Sul contrário aos interesses argentinos; que o espírito que norteou a proposta de negociação entre as duas regiões em 1995 foi abandonado pela UE ao colocar de lado o principio do tratamento especial e diferenciado; que, apesar disso, será importante retomar as negociações, tendo sempre presente os interesses globais do Mercosul
Conhecendo como se dá (ou não se dá) o relacionamento entre governo e setor privado por aqui e o limitado estudo, no âmbito empresarial, das ofertas dos dois grupos regionais, não pude deixar de ficar surpreso com o grau de interação existente entre o governo e a União Industrial Argentina (UIA) e o grau de aprofundamento da análise feita pelos empresários das implicações das propostas da UE para a economia argentina.
Boas idéias para serem aplicadas plenamente no Brasil.
Ex-Embaixador nos EUA, consultor e Presidente do Conselho Superior de Comércio e Exterior da Fiesp