O Brasil sediou, no fim de maio, o terceiro fórum mundial da Aliança das Civilizações. Mais de 7.000 lideres políticos de diversos países (Brasil, Turquia, Portugal, Argentina e Bolívia), empresários, prefeitos, ativistas da sociedade civil, movimentos de jovens, lideres religiosos, jornalistas e de relações entre as culturas estiveram presentes no encontro do Rio.
A Aliança de Civilizações foi proposta pelo Presidente do Governo da Espanha, Jose Luis Rodrigues Zapatero, no debate geral da 59ª. Assembléia Geral das Nações Unidas, logo após os atentados terroristas ocorridos em 2004 no metro de Madri. Foi co-patrocinada, desde o inicio, pelo Primeiro-Ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan. Em 14 de julho de 2005, o Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, formalizou seu lançamento e o Brasil, convidado pela Espanha, passou a integrar esse movimento desde 2006.
Essa iniciativa que se desenvolve no âmbito das Nações Unidas, busca mobilizar a opinião publica em todo o mundo para supera as percepções equivocadas que, muitas vezes, levam a conflitos entre Estados e comunidades heterogêneas. Objetiva contribuir para o esclarecimento das relações entre sociedades e comunidades de extração cultural e religiosa diversas, assim como enquadrar a luta contra o extremismo na perspectiva da prevenção.
A iniciativa atua em quatro áreas prioritárias: educação, juventude, meios de comunicação e imigração.
O 3º. Fórum da Aliança de Civilizações tratou de temas bastante amplos, como a ordem mundial e a governança global, alfabetização midiática, migrações e ajuda ao Haiti.
Falando sobre a instabilidade política e as deficiências da governança global, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, Jose Miguel Insulza, assinalou que a comunidade internacional perdeu uma oportunidade de se reorganizar após os ataques de 11 de setembro de 2001.
“No princípio, existiu a idéia da oportunidade”. “Infelizmente, isso não prosperou, ficou nas palavras, somente. A resposta foi bem inversa.Houve a guerra do Iraque. Houve um aumento das tensões em todas as partes do mundo. E não houve nenhuma solução para o conflito árabe-israelense. Portanto, a oportunidade não foi aproveitada. Tampouco se considerou necessário mudar a estrutura política mundial, completamente obsoleta. Insulza afirmou também que, alguns anos depois, surgiu uma “segunda oportunidade”, com a crise econômica mundial de 2009. “E ate certo ponto pareceu que algo foi aproveitado”,afirmou. “Pelo menos, passamos do G-8 para o G-24. “No entanto, a estrutura financeira permaneceu igual”. Para ele, após a crise surgiu uma “nova realidade mundial”, com o aparecimento de novos pólos de poder, como o BRIC, grupo de países emergentes, formado por Brasil, Rússia, Índia e China.
No encerramento do encontro, a representante do governo brasileiro considerou o evento importante não só para se apresentar algumas iniciativas pioneiras as com potencial para serem ampliadas em outras comunidades ao redor do mundo. Mais que isso, segundo ela, o encontro foi um passo alem para se criar uma interface global, conectando jovens, ativistas, lideres empresariais, defensores dos direitos humanos, lideres políticos, chefes de comunidades religiosas, acadêmicos e jornalistas. Todos reunidos puderam compartilhar idéias, desenvolver novos pensamentos e colaborar para construir uma confiança mutua. Foi adotada a declaração do Rio de Janeiro, que estimula os planos nacionais e as estratégias regionais.
Os temas mais sensíveis e delicados do cenário político, econômico e social foram debatidos, com maior ou menor veemência, mas o conflito do Oriente Médio a intolerância religiosa, os movimentos xenófobos ao redor do mundo e conflitos étnicos para citar apenas alguns, foram cuidadosamente omitidos no documento final do Fórum.
De forma genérica e quase anódina, o texto reitera a necessidade de negociações como forma de solucionar conflitos, reforça a necessidade do entendimento entre culturas diferentes, reconhece a importância do diálogo e apóia o desenvolvimento de processos regionais de cooperação.
Nos últimos vinte anos, depois da queda do mundo de Berlin, quando se esperava que o entendimento e a integração política e econômica passassem a prevalecer em um mundo livre do confronto ideológico e militar, o que se viu foi um movimento em sentido contrario. Tem prevalecido o nacionalismo xenófobo, primeiro nos Bálcãs e depois no âmbito da Uniao Européia, e a defesa dos interesses do estado-nacao, no comercio internacional, por meio do protecionismo e da disputa selvagem por mercados. No cenário político, a vontade de um pais individualmente considerado e a intolerância religiosa colocam em posição antagônicas valores, idéias e princípios.
A Aliança de Civilização pretende retomar a idéia do internacionalismo como alternativa ao nacionalismo e o individualism. O risco e a Aliança se tornar um slogan vazio politicamente ou uma forma de tentar assegurar uma uniformidade artificial.
Foi isso exatamente o que aconteceu na reunião do Rio. Manifestações retóricas de alguns poucos líderes políticos de países que tem pouca influencia na tomada de decisões nos assuntos que realmente contam para promover um grande congraçamento global foram acompanhados e ampliados por muitos representantes de organizações não governamentais de todos os campos de atividade.
Em um mundo que passa por grandes transformações políticas, econômicas e sociais, movimentos como a Aliança de Civilizações são necessários, mas tendem a ter pouca influencia pela crescente complexidade no relacionamento entre povos e religiosos e, sobretudo, pela disputa de poder no novo equilíbrio global.
Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington (1999-2004)