26/10/2010
Notas sobre uma nova Política Externa
Rubens Antonio Barbosa

No próximo fim de semana, para definir os rumos de nosso país nos próximos quatro anos, novamente 135 milhões de brasileiros irão às urnas.

A política externa, pelas grandes controvérsias que despertou nos últimos oito anos, foi talvez o grande tema esquecido nos debates entre os candidatos.

A maior projeção externa do Brasil e alguns avanços importantes na política externa são indiscutíveis. É também inegável que, caso seja feita uma análise das principais prioridades do governo Lula, as políticas seguidas para assegurar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, para conseguir o acordo comercial da Rodada Doha e para exercer a liderança na América do Sul e no Mercosul tiveram um custo mais alto do que seus resultados.

O futuro presidente deverá concentrar suas atenções sobre a herança recebida. A candidata Dilma Rousseff já declarou que vai dar continuidade e aprofundar a política externa do governo Lula e o candidato Serra mencionou que a política externa deverá ser atualizada, com menos partidarização e mais consenso.

A política externa tem um componente de continuidade e outro de renovação. Como na economia, ajustes terão de ser feitos, Relevante, porém, é recuperar a idéia de que o mais importante é a preservação e a defesa do interesse nacional. O Itamaraty deve executar uma política de Estado e não de um partido ou de um governo.

Sem sobressaltos ou protagonismos, a política externa deveria voltar ao seu leito normal, com o Itamaraty concentrando-se exclusivamente na sua formulação e execução. A crescente projeção do Brasil no mundo exigirá uma atuação cada vez mais ativa do Itamaraty para enfrentar e superar os desafios que vem surgindo no cenário internacional.

Os temas globais, como mudança de clima, energia, democracia, direitos humanos, comércio exterior, em cujas discussões o Brasil desempenha um papel relevante nos diferentes organismos internacionais, terão de ser revistos para refletir os valores e interesses que defendemos internamente.

A prioridade do relacionamento Sul-Sul deveria ser equiparada à atenção que caberia atribuir aos países mais desenvolvidos, Superada a crise financeira, eles voltarão a ser um mercado importante para nossos produtos, manufaturados em especial. Nesse particular, as relações econômicas, comerciais e políticas com a China e EUA deveriam ser revistas para, sem preconceitos ideológicos, atenderem aos reais interesses de um país que nos próximos cinco anos pode se transformar na quinta economia global. Deveriam ser buscadas formas de ampliar a atuação comum com os BRIC e com o IBAS (Brasil-India e Africa do Sul).

O processo de integração regional, em especial o Mercosul, e o relacionamento bilateral com os países sul-americanos foram aspectos da política externa em que a retórica oficial foi mais efetiva do que os avanços concretos. A ação do Itamaraty deveria ser despolitizada com a redefinição de nossas estratégias. As mudanças políticas na região e as transformações no comércio internacional, que fez com que a China se tenha tornado o principal parceiro da maioria dos países sul-americanos, exigem uma atitude mais realista em relação à integração, diferente daquela seguida nos últimos 50 anos. As obras de infra-estrutura deveriam ser aceleradas para abrir corredores de exportação para nossas exportações a partir dos portos do Peru e do Chile para o mercado asiático. O Mercosul deveria ser flexibilizado para facilitar as negociações comerciais.

Um dos aspectos mais salientes e mais negativos dos interesses comerciais do Brasil nos últimos anos foi a excessiva influência da política externa na escolha de nossos parceiros e de países com os quais entabulamos negociações comerciais. Acordos com Israel e Egito e as negociações com a Palestina, a Jordânia, o Marrocos são exemplos que comprovam a afirmação.

Estamos em uma situação semelhante àquela dos EUA no início da década de 60. Em 1962, depois da Rodada Tóquio, o Departamento de Estado, então responsável pela negociação externa, ofereceu à Europa concessões tarifárias inaceitáveis para o setor privado e para o Congresso. Houve forte reação e o resultado foi a criação do USTR, o representante comercial dos EUA, independente do ministério do exterior norte-americano.

O futuro governo terá de enfrentar a questão do papel do Itamaraty na ação comercial externa. Talvez tenha chegado o momento de se promover uma profunda modificação do processo decisório na negociação comercial externa. Impõe-se o fortalecimento da CAMEX, colegiado integrado pelos principais ministérios que tem influência no comércio exterior, com a criação do cargo de presidente diretamente subordinado ao Presidente da República. Sem criar nenhuma nova estrutura, mas retirando o colegiado da atual posição burocrática inferior e colocando-o em nível político adequado, o setor ganharia a importância que merece no contexto da política economia e facilitaria o contato empresarial com um único interlocutor no governo. A nova estratégia de negociação comercial deveria ser definida pela CAMEX. A promoção comercial, por outro lado, deveria ser concentrada no Itamaraty, eliminando-se assim a descoordenação e a competição burocrática existente hoje. O comando efetivo da política de comércio exterior e das negociações externas passaria a ser exercido pela CAMEX, sem prejuízo das competências de todos os ministérios e agências interessadas.

Nos próximos anos, o setor externo será cada vez mais relevante e o novo governo terá de assumir responsabilidades adicionais e um papel de liderança cada vez mais efetivo.

Rubens Barbosa, Embaixador em Washington (1999-2004) e Presidente do Conselho de Comercio Exterior da Fiesp
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