11/05/2010
Um Novo Ator Internacional
Rubens Antonio Barbosa

A história não passará um julgamento favorável sobre a política externa dos oito anos do governo Lula. Poucas terão sido as iniciativas novas a merecer referência como tendo tido impacto positivo sobre os interesses do Brasil. A proposta brasileira de dar vida a uma sigla, BRIC, criada por economista de uma instituição financeira, será uma das que haverão de ser lembradas.

Do ponto de vista do Brasil, nossa inclusão ao lado da China, Índia e Rússia talvez tenha sido o fator individual de maior relevância para projetar externamente o país. Nenhuma campanha de divulgação do Brasil conseguiria essa façanha de marketing em tão curto espaço de tempo. Sem solicitarmos, nem gastar recursos do Tesouro, passamos a integrar automaticamente o grupo dos países emergentes mais importantes. Normalmente essa transição, se viesse a ocorrer, levaria décadas.

O aparecimento dos BRIC como um ator internacional pode ser considerado uma das grandes transformações do cenário global nos últimos trinta anos. Ao formarem um grupo, os quatro países passaram a ter muito mais influência do que cada um deles tomados individualmente, pelo peso econômico do conjunto.

O PIB dos BRIC deve superar o do G7 ao redor de 2030 e, em termos de paridade de poder de compra, já supera hoje o dos EUA ou da EU. O grupo representa 16% do PIB global, 42% da população e 26% do território do mundo. Um de seus membros, a China, passou a ser a segunda economia (o Japão acaba de perder esse lugar) e é o primeiro exportador do mundo. Essas são algumas das credenciais macro-econômicas que o grupo apresenta.

Muitos desqualificam a importância do grupo e apontam para as limitações políticas, assimetrias econômicas e divergências entre os quatro países no tocante a política cambial, modelo econômico e comércio. Outros assinalam os excessos retóricos e a falta de conteúdo dos documentos produzidos nos encontros oficiais. Foram ressaltadas as diferenças de política no tocante às sanções contra o Irã e à ampliação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Aspectos ingênuos como a intensificação da cooperação e do treinamento entre os partidos brasileiros e o partido comunista da China receberam observações jocosas, mas pertinentes.

Apesar de todos os comentários críticos sobre a falta de coesão, a ausência de uma agenda política comum e a existência de interesses conflitantes, é importante observar que estão surgindo áreas de possível complementariedade que resultarão em ganhos concretos para todos no médio e longo prazo.

Há quatro ou cinco anos, poucos eram os contatos políticos, econômico-financeiros e comerciais entre as lideranças dos quatro países e entre suas burocracias. Hoje um número crescente de encontros em nível técnico e político que ocorrem quase todos os meses.

Dadas as circunstâncias históricas, regionais, políticas e econômicas de cada um dos quatro países membros, não há, nem poderia haver, de inicio, uma agenda comum. Os pontos de convergência deverão ser construídos, a partir de interesses concretos e da aproximação de posições nos fóruns internacionais em relação aos temas globais como governança, energia, meio ambiente, mudança de clima, comércio e terrorismo.

O comunicado conjunto da II cúpula de Chefes de Estado e de governo do BRIC, recém realizada, no Brasil, menos retórico e mais especifico do que o da na I reunião realizada na Rússia, em 2009, registra:

- uma visão comum, formulada é verdade em termos gerais, sobre itens como a governança global, questões econômicas e financeiras, comércio internacional, desenvolvimento, agricultura, energia, mudança de clima e terrorismo, que será uma força crescente em fóruns como o G-20, por exemplo.
- uma serie de iniciativas setoriais visando ao fortalecimento da cooperação por meio de encontros de ministros da agricultura e desenvolvimento agrário, da fazenda e de presidentes de bancos centrais, de responsáveis de questões de segurança, de magistrados e juízes, de bancos de desenvolvimento, de instituições nacionais de estatística, de competitividade, de cooperativas, no âmbito de fórum empresarial e dos “think tanks”. Com base na experiência do Mercosul, começou a ser examinada a possibilidade de todas as trocas comerciais serem pagas em moedas locais, o que exigirá maior abertura e uma modernização do sistema de câmbio de todos os países.
- os primeiros passos para a cooperação nas áreas de ciência, cultura e esporte.


O Brasil passa a beneficiar-se de uma marca reconhecida internacionalmente para projetar seus interesses além da América do Sul. O mesmo ocorre com os outros três países que utilizam o BRIC para promover suas agendas. Para evitar a diluição do impacto causado pelo aparecimento do grupo, não interessa ao Brasil aceitar sua ampliação com a inclusão de países como a Indonésia, a África do Sul ou o México.

O BRIC não busca liderança, nem vai ser uma força decisiva para transformações radicais na ordem política e econômica global. Fosse o BRIC irrelevante e sem poder de influência, a revista The Economist não teria publicado em edição recente três páginas para comentar a evolução do grupo e a reunião de Brasília, nem catorze páginas sobre as perspectivas da inovação nos mercados dos países emergentes.

Qual será nos próximos anos o papel do Brasil nesse grupo? Definição de seus interesses, realismo na analise das possibilidades que oferece, e ambição quanto a sua utilização deveriam nortear o enfoque do governo brasileiro.

O BRIC veio para ficar no cenário internacional e o próximo governo terá a responsabilidade de dar continuidade ao trabalho desenvolvido até aqui e aumentar o peso relativo do Brasil no âmbito do grupo.

Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington e Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp.

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