09/12/2008
Transição Democrática de Poder
Rubens Antonio Barbosa
Nas democracias, a alternância de poder é vista de forma natural. Nos países em que a prática democrática está amadurecida, os mecanismos para preparar a passagem de mando foram sendo gradualmente aperfeiçoados para ajudar o candidato recém-eleito a tomar conhecimento na fase de transição de todos os assuntos mais importantes e a assumir suas responsabilidades na plenitude desde o primeiro dia após sua posse.
Estava como Embaixador em Washington quando, pela primeira vez em nossa história política, o presidente que saía (FHC) determinou fosse organizada, nos menores detalhes, a forma em que se deveria processar a transição de poder para o PT, com a singular peculiaridade de que era a primeira vez que o Partido de Lula ocuparia o Palácio do Planalto.
Fui instruído a preparar um programa de visitas na Casa Branca para o então chefe da casa civil, Pedro Parente, encarregado de coordenar os contatos com o futuro governo do PT. Lembro-me de que, em encontro com o Chefe do Gabinete do Presidente Bush, foram trocadas valiosas informações sobre o processo de transferência de poder para um partido de oposição (George W Bush vencera o candidato democrata apoiado pelo Presidente Clinton, havia poucos meses).
No Brasil, já havia sido feito um trabalho preparatório e um manual da transição fora elaborado. Na conversa na Casa Branca, Pedro Parente explicou como o assunto tinha sido focalizado em Brasília e o que havia sido preparado para facilitar o fluxo de informações para a oposição, sobretudo na área econômica e na política externa. O Manual elaborado na Casa Civil pelos assessores do Presidente FHC foi mostrado e explicado ao Chefe da Casa Civil de Bush.
Enquanto Pedro Parente discorria sobre as diversas providências recomendadas, o funcionário norte americano levantou-se e buscou um livro tão volumoso quanto o que havia sido preparado no Brasil. Ao comparar os dois documentos ficou clara a coincidência e a semelhança entre as recomendações constantes nos dois trabalhos.
Nas democracias é difícil inventar novidades nesse particular. A transferência de informações ampla, geral e irrestrita é a regra.
Ocorrem-me esses comentários ao acompanhar como está se processando a transição de poder entre duas personalidades tão opostas quanto Bush e Obama. Em outubro, três meses antes da posse do novo presidente em Washington, Bush instituiu grupo de coordenação para a transição presidencial, integrado opor representantes dos principais ministérios, em particular o de segurança nacional, economia e o de defesa interna, criado depois dos ataques de 11 de setembro de 2001.
Os membros do grupo entraram imediatamente em contacto com representantes dos candidatos Barak Obama e John Mc Cain para iniciar os briefings informativos. Depois da eleição, Bush ofereceu todas as facilidades para o Presidente eleito ter acesso as informações para preparar as decisões iniciais no difícil momento porque atravessa o país, tanto do ângulo da economia, quanto da segurança nacional.
A transmissão de poder de Bush para o seu sucessor está se estruturando como a primeira transição em tempo de guerra em 40 anos. A liderança política do país vai mudar pela primeira vez depois dos ataques de 11 de setembro. O colapso de Wall Street acentuou a urgência, tornando o atual processo uma das mais tumultuadas mudanças de poder desde Franklin D. Roosevelt que, em 1933, recebeu o governo de Herbert Hoover e a herança maldita da Grande Depressão de 1929.
A iniciativa de Bush, a cem dias do fim de seu mandato, retomou uma das recomendações de comissão estabelecida depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. Os membros do grupo haviam concluído que a vulnerabilidade das democracias aumenta nos períodos de transição política.
Alguns exemplos comprovam a observação: em 1993, o World Trade Center sofreu um ataque cinco semanas depois da posse de Clinton; Madrid, em 2004, foi atingida três dias antes das eleições gerais; em 2007, os terroristas atacaram Londres, logo após a eleição de Gordon Brown; em 2001, quando dos ataques à Washington e à New York, George Bush só havia podido confirmar cerca de 30% dos funcionários da área de segurança nacional.
Nos EUA, na mudança de governo, o novo presidente deve nomear cerca de 7.000 altos funcionários. No Brasil - para fins de comparação - esse número supera 20.000. Diferentemente do caso brasileiro, dos 7.000 altos funcionários, cerca de 1.100, inclusive todo o Ministério, devem ser aprovados pelo Senado. Como seria previsível esperar, segundo dados oficiais, nenhum presidente americano conseguiu empossar mais de 25 ministros, antes de 1 de abril, isto é quase três meses depois da posse.
Essas informações e comentários podem ser úteis na medida em que em menos de dois anos teremos eleições presidenciais no Brasil.
Caso a oposição vença, teremos uma situação igualmente singular.
O PT, que ocupou inteiramente a máquina de poder de Brasília, nos principais ministérios, nas autarquias e nas instituições públicas, deverá fazer a transição democrática para a oposição, com a transferência dos cargos e de todas as informações relevantes.
Não há porque duvidar que o Presidente Lula e seu partido deixarão de repetir o que FHC e o PSDB fizeram. O amadurecimento das instituições facilitará a mesma transição tranquila e democrática.
Para dar acesso às informações de forma transparente e promover uma transferência de poder civilizada, não será preciso reinventar a sistemática instituída pelo governo FHC, nem buscar em outros países a confirmação do trabalho já feito. Basta atualizar o Manual preparado há oito anos e entregá-lo a equipe do presidente eleito.
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