11/08/2009
SEGURANÇA ENERGETICA E JURIDICA
Rubens Antonio Barbosa
A última reunião do Conselho do Mercosul, realizada em Assunção, no fim de julho, como era de se esperar, não trouxe novidades. Os quatro países continuaram adiando o fim da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum e a entrada em vigor do Código Aduaneiro. Nem as regras para o Parlamento, nem a criação do Tribunal do Mercosul avançaram. O exame da adesão da Venezuela continua paralisado nos Congressos brasileiro e paraguaio.
Com a estagnação do processo de integração regional, o Brasil passou a priorizar as relações bilaterais com os sócios do Mercosul e com os parceiros sul-americanos. Durante a reunião presidencial do Mercosul, o acontecimento mais relevante foi a conclusão das negociações entre Brasil e Paraguai sobre as demandas, no tocante às modificações do Tratado de Itaipu.
O “acordo histórico” firmado pelos Presidentes Lula e Lugo é mais um exemplo da diplomacia da generosidade que hoje prevalece na região, graças à ação ideológica e partidária da política externa. A decisão do governo brasileiro de ceder às demandas paraguaias, justificada pela “convergência de visões e compromissos entre os dois países”, segundo a Declaração Conjunta divulgada no final do encontro, tem, no entanto, como objetivo ajudar o enfraquecido presidente paraguaio.
As principais decisões de caráter político adotadas, aparentemente com resistência dos técnicos do Ministério de Minas e Energia e da direção brasileira de Itaipu, foram:
- Submeter aos respectivos Congressos o reajuste, em 200%, da remuneração ao Paraguai por cessão da energia de Itaipu, elevando o bônus pago pelo Brasil dos atuais U$ 120 milhões para US$ 360 milhões ao ano.
- Submeter ao Congresso a permissão para que o Paraguai venda parte da energia de Itaipu diretamente no mercado livre brasileiro. Um grupo de trabalho vai estudar como ocorreria a venda da energia paraguaia no mercado livre e submeterá as conclusões aos presidentes dos dois países, em três meses.
- Os presidentes decidiram “trabalhar juntos” pela integração energética regional, abrindo a possibilidade de o Paraguai vender energia de Itaipu a terceiros países após 2023.
- Um pacote de bondades com financiamentos no valor de US 1.535 bilhão, alguns a fundo perdido, para a realização de obras de infra-estrutura e de um mirante no valor de US 20 milhões, no lado paraguaio do lago de Itaipu.
O Congresso Nacional, portanto, será chamado a opinar sobre:
• Compatibilidade dessas decisões com as cláusulas do Tratado de Itaipu
-A atualização da compensação pela cessão da energia e a eliminação do índice de inflação americana que reajustam o empréstimo externo implicarão modificação do anexo C, parte integrante do Tratado, segundo dispõe o Artigo VI. Trata-se da terceira modificação do fator de correção do bônus pago ao Paraguai e do reajuste da divida pela inflação dos EUA. As duas primeiras, em 2005 e 2007, foram efetuadas por Troca de Notas Diplomáticas, sem audiência do Congresso;
- a venda direta ao mercado livre brasileiro da energia cedida pelo Paraguai deve ser analisada à luz dos Artigos XIII e XIV;
- a possibilidade venda da energia pertencente ao Paraguai para terceiros mercados depois de 2023, não está prevista no artigo XXV do Tratado. Cabe esclarecer que o Tratado de 1973 tem duração indefinida. O ano de 2023 representa apenas o final do pagamento da divida externa contraída para a construção da hidroelétrica.
• O eventual aumento do custo da energia para o consumidor brasileiro.
Trata-se de questão importante tendo em mente o que ocorreu quando da concessão feita à Bolívia para o aumento do preço do gás, depois da nacionalização das refinarias da Petrobras em 2006, e quando da modificação do bônus para o Paraguai em 2005. Nos dois casos, a opinião pública foi reiteradamente informada – a exemplo do que acontece agora – de que o aumento não seria repassado para o consumidor final, industrial ou residencial. Na realidade, os consumidores tiveram de absorver os aumentos. Quem vai pagar agora os quase US$300 milhões que serão transferidos a mais ao Paraguai?
• A forma como essas mudanças serão incorporadas ao sistema jurídico nacional
Ao submeter ao Congresso Nacional as modificações acordadas com o Paraguai, o governo reconhece que o Tratado está sendo alterado, apesar de dizer que as “decisões não mexem no Tratado de Itaipu porque há limitações concretas” que deveriam ser respeitadas. A forma de tratar essas questões, portanto, tem de ser o encaminhamento ao Legislativo das Notas Reversais trocadas com o Paraguai e não de projeto de lei ou Medida Provisória.
É importante política e economicamente que o Brasil ajude o Paraguai a crescer e a desenvolver-se, não por sentimento de culpa ou por afinidades ideológicas.
A generosidade, porém, tem como limite o nosso interesse nacional. Está em jogo não só a segurança energética do Brasil (mais de 20% da energia consumida no centro-sul é gerada por Itaipu), como também a segurança jurídica dos contratos e Tratados firmados pelo Brasil.
As concessões no tocante à venda direta de energia no mercado aberto brasileiro e a possibilidade de venda a terceiros países a partir de 2023 abrem precedentes perigosos na estrutura do Tratado de Itaipu. Essas novidades, se aprovadas pelo Congresso, ficarão na pauta da agenda bilateral e permanecerão como um legado incômodo para os futuros governos.
Como nota positiva, o Paraguai, depois desses entendimentos, efetuou o depósito dos instrumentos de ratificação dos quatro Acordos de Residência e Regularização Migratória do MERCOSUL. Espera-se que, assim, possa ser solucionado o problema dos brasiguaios que vivem em território guarani.
|