13/10/2009
O BRASIL E A (NÃO) PROLIFERAÇÃO NUCLEAR
Rubens Antonio Barbosa

A revelação recente da existência de uma unidade secreta de enriquecimento de urânio no Irã e a aprovação, quase concomitante, pelo Conselho de Segurança da ONU de Resolução limitando mais rigidamente os arsenais e a proliferação de armas nucleares renovam a grande prioridade dessas questões na agenda internacional.

O Brasil já detém a sexta maior reserva de urânio do mundo, embora apenas 30% do território nacional tenha sido pesquisado. A pesquisa, a lavra, a produção, o enriquecimento e a comercialização de urânio são monopólio da União. A modificação de legislação para permitir a participação da iniciativa privada na prospecção e na exploração tornou-se urgente para aumentar rapidamente não só as reservas, como também a produção do minério no Brasil.

Quais as implicações desse fato, do ponto de vista do interesse brasileiro?

Em primeiro lugar, há o interesse estratégico de dispor da matéria prima para atender a uma crescente demanda interna. O aumento do consumo ocorrerá pela expansão da capacidade do pais de produzir energia nuclear pela construção de novas usinas, pela ampliação da pesquisa e do uso da energia nuclear para fins pacíficos, e, no campo da defesa, pela construção de submarino a propulsão nuclear.

Em segundo lugar, o mercado internacional para o urânio enriquecido deverá crescer, com expressiva tendência de alta. Enquanto em 2004, o preço do produto era US$12,00, em outubro de 2009 subiu para US$ 42,50 por libra peso. Somente no mercado da América Latina, mais de sete usinas nucleares estão sendo programadas.

Em terceiro lugar, o programa de ampliação do nosso parque nuclear, que prevê a construção de oito centrais nos próximos anos, terá assegurado o combustível para seu funcionamento sem depender do beneficiamento externo. Até aqui, o Brasil, para beneficiar o urânio utilizado por suas duas centrais nucleares e em pesquisa para fins pacíficos utiliza as facilidades de gaseificação no Canadá e de enriquecimento da Europa. Além de economizar mais de US$25 milhões, o Brasil terá receita crescente com a exportação do minério enriquecido e passará a competir com os EUA, a Europa e a Rússia para o seu fornecimento no mercado internacional.

Vale ressaltar que restrições constitucionais impedem ações visando a construção de artefatos nucleares. Em 1991, Brasil e Argentina colocaram suas facilidades e laboratórios sob a supervisão da Agência Internacional de Energia Nuclear (AIEA) e se comprometeram a desenvolver o uso da energia para fins pacíficos. O Brasil se tornou signatário do Tratado de Não Proliferação (TNP) em 1997, em decisão controvertida, especialmente depois da Índia tornar-se potência nuclear. Não há duvida, portanto, sobre as motivações e os resultados do que se fez até aqui e sobre as finalidades dos ambiciosos programas projetados para os próximos anos, tanto na área civil, quanto na área de defesa.

Em meados de 2008, com a entrada em funcionamento, em Rezende, de planta para o enriquecimento do urânio brasileiro a 4%, o que nos tornará auto-suficiente, o Brasil passou a deter o conhecimento do ciclo completo do combustível nuclear. Em dezembro de 2008, na nova Estratégia de Defesa Nacional, o governo brasileiro anunciou ter decidido não negociar Protocolo Adicional ao TNP, que daria a AIEA autorização para inspeções ampliadas das instalações nucleares brasileiras.

O projeto de construção de um super reator nuclear de pesquisa, a um custo de US$500 milhões, tornará o Brasil independente na produção de isótopos radioativos para medicina e será parte integrante do programa nuclear brasileiro.

Os acordos de cooperação com a China, com a Rússia, com a França e com a Ucrânia, para lançamento de satélites comerciais, a retomada dos entendimentos na área nuclear com a Alemanha, com a Índia, não só para o processamento de tório, mas também para o fornecimento de urânio enriquecido e o projeto binacional com a Argentina para enriquecimento de urânio, são alguns dos fatos recentes que indicam a alta prioridade que o governo brasileiro atribui a essa questão.

A entrada do país no rentável mercado de urânio enriquecido e os avanços no programa nuclear brasileiro poderão, na Conferência de Revisão do TNP em abril de 2010, colocar o Brasil no centro das discussões. As potencias nucleares deixaram o desarmamento, um dos pilares do Tratado, em segundo plano, e permitiram que quatro países, Israel, India, Paquistão e Coréia do Norte, contrariamente ao disposto no TNP, avançassem em seus respectivos programas nucleares e se tornassem potências nucleares. Agora elas querem fechar as portas.

A ação do governo está explicitada na Estratégia de Defesa Nacional.

É de nosso interesse, para a construção de um pais com crescente projeção e responsabilidades externas, avançar, em todas as áreas, com programas que fortaleçam o poder nacional, a competitividade industrial e o domínio do conhecimento e da tecnologia, inclusive de uso dual que possa levar a fabricação de artefato nuclear. O Brasil não pode abdicar dos meios para desenvolver os instrumentos necessários a garantia de sua segurança e soberania.

Cuidados adicionais deveriam ser tomados, em especial, no tocante a aproximação com o Irã, cujo programa nuclear esta sob cerrado ataque, apesar do controle pela AIEA. Declarações recentes comparando positivamente o programa nuclear iraniano ao do Brasil ou de apoio a construção da bomba atômica não ajudam a garantir a confiança que nosso pais soube construir.

Resta saber se a desenvoltura do Brasil nessa área vai favorecer ou dificultar a pretensão do atual governo de buscar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

 

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