27/10/2009
Novo Colonialismo ou Novas Oportunidades?
Rubens Antonio Barbosa

Uma das áreas que mais sofre os efeitos das profundas transformações que estamos vendo acontecer em todos os continentes é a da produção de alimentos.
                A mudança de clima, as crescentes dificuldades do uso da água nas plantações, o aumento da população e da demanda mundial, e a pouca disponibilidade de terra arável na maioria dos países são alguns dos fatores que influem na produção e no fornecimento de alimentos. Se acrescentarmos a isso a volatilidade dos preços das commodities, o gradual empobrecimento do solo, a forte presença da China no mercado e a decisão política de alguns países produtores, sobretudo asiáticos, de proibir a exportação de determinados produtos, como o arroz, temos um quadro realista das incertezas que afetam o setor agrícola mundial.
                De acordo com projeções de instituições especializadas, em 2050, a Terra poderá ter mais de 9 bilhões de habitantes, cerca de 2 bilhões a mais do que hoje. Nos próximos 20 anos, espera-se que a procura mundial de alimentos cresça cerca de 50%.      A China, com 20% da população mundial, dispõe de apenas 9% de terras aráveis. Os Estados do Golfo importam 60% de seus alimentos, enquanto as reservas naturais de água são suficientes apenas para irrigar a agricultura por mais 30 anos.
                Para garantir a segurança alimentar a suas populações, países desenvolvidos e emergentes estão examinando a possibilidade de criar estoques de alimentos e com isso evitar o risco de escassez. 
                A combinação de mais população e menos terra transforma os alimentos em investimento seguro com rentabilidade anual entre 20 e 30%, excepcional para os anos de crise em que estamos vivendo.
                Segundo o Relatório Mundial de Investimentos da UNCTAD, entre 1990 e 2007, o fluxo de investimento direto externo na produção agrícola triplicou, atingindo US$ 3 bilhões.
                Fundos de investimento e bancos começaram a antecipar essa situação de potencial desequilíbrio global entre a oferta e a demanda de produtos agrícolas. Não apenas essas instituições financeiras, mas também governos estão adquirindo terras em outros países, sobretudo na Africa, e também na Asia e na América Latina, para a produção de alimentos com o objetivo de reduzir sua dependência da volatilidade do mercado mundial e das importações. Não se trata de investimentos visando à produção para o consumo interno nesses países, mas para a exportação sobretudo para os países do Oriente Médio ou para a China.
                De acordo com o “International Food Policy Research Institute”, desde 2006, cerca de 20 milhões de hectares foram vendidos ou arrendados, a maior parte em nações pobres da Africa. Os principais compradores são países do Oriente Médio e da Asia. A China comprou extensas áreas no Congo, Zâmbia e Tanzânia e a Coréia do Sul, no Sudão. O Egito pretende cultivar trigo e milho em 840.000 hectares em Uganda; a Arábia Saudita, que já está presente no Sudão e no Punjab paquistanês, está alocando US$800.000 numa nova companhia pública que investirá em projetos agrícolas no exterior, buscando terceirizar o abastecimento das necessidades alimentares em culturas estratégicas, como arroz, trigo, cevada e milho.
Em virtude dos riscos envolvidos, a preferência crescente por parte dos fundos é por contratos de produção, em vez de compra de terra. Os investidores fornecem a tecnologia e o capital, enquanto os fazendeiros locais, trabalhando em suas próprias terras ou terras arrendadas, produzem arroz ou trigo a preços fixados. No Brasil, 75% da produção de frango e 33%, de soja são feitas com base nesses contratos.
                A América Latina, longe desses mercados ainda está imune a essa tendência. Há mais interesse nos recursos minerais e energéticos, como mostram exemplos recentes de iniciativas da China ao comprar companhias produtoras de cobre e petróleo, do que na compra de terras para a produção agrícola, até porque, na maioria dos países desta região, a venda de terra para governos é proibida, como é o caso do Brasil.
                Resta saber como essa tendência vai evoluir no futuro. Será uma nova forma de colonialismo? Como reagirão as populações eventualmente deslocadas de seu habitat por  companhias estrangeiras produtoras de alimentos? Como reagirão os governos desses países se houver escassez interna de alimentos, enquanto terras produtivas são utilizadas para a exportação? Caso essa tendência se firme e tenha impacto sobre a demanda global, qual o efeito sobre a exportação de produtos agrícolas brasileiros?  
                Se houver um planejamento adequado, essa situação critica poderá ser aproveitada por países como o Brasil para assegurar contratos a longo prazo em mercados como o do Oriente Médio ou da China, mediante joint ventures com empresas nacionais para produzir o que for demandado por países dessas duas regiões. Grupos nacionais poderiam associar-se a empresas de fora para plantar alimentos ou desenvolver a pecuária para a exportação casada com investimentos no Brasil.
                O setor agrícola brasileiro, tão competitivo e com tanta perspectiva de expansão, não pode observar passivamente essas tendências sem, de alguma forma, planejar as próximas décadas. Essa nova forma de negócios é tanto mais perigosa para o Brasil quando se sabe que nossa produção agrícola pode continuar aumentando, mas a infra-estrutura (estradas, ferrovias, portos) continua insuficiente, sem muita perspectiva de mudança no médio prazo.
Temos que começar a pensar como assegurar mercados, de forma estável, em um mundo em constante mutação. Valeria a pena explorar a possibilidade de combinar, por exemplo, investimento externo em infra-estrutura (portos), com contratos de longo prazo para fornecimento de produtos agrícolas.

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