Segundo dados da Organização Mundial de Comércio (OMC), em 2009, haverá queda de 11% nos fluxos comerciais globais, a maior em 70 anos. As exportações dos países em desenvolvimento, no primeiro semestre, ficaram 32% menor e o comércio exterior brasileiro recuou para níveis de 2007, com as exportações caindo mais de 25%. O crescimento das economias emergentes, sobretudo a da China, não será suficiente para permitir a retomada das altas taxas de expansão do início da primeira década do século XXI.
Para complicar ainda mais, os países desenvolvidos reagindo ao agudo problema político do desemprego, que não para de aumentar (nos EUA, acima de 10%), recorrem a novas e mais sofisticadas formas de protecionismo. Refiro-me à decisão dos EUA e da Europa de incluir em futuros acordos comerciais, seja bilateral ou regional, seja multilateral, novas regras, como as chamadas cláusulas sociais e de meio ambiente. Nos EUA, discute-se no Congresso projeto de lei de energia que promoverá uma profunda transformação na produção industrial norte-americana pela substituição gradual do petróleo por fontes renováveis. O custo que isso representará para as empresas americanas será enorme e os países que se beneficiarão de vantagem competitiva por não aplicar medidas idênticas, deverão pagar tarifas elevadas (“protecionismo verde”) para equalizar os custos, o que até aqui não está previsto nas regras da OMC. Essas limitações domésticas, tanto no mundo desenvolvido, quanto nos mercados emergentes, explicam, em grande parte, o fracasso da Rodada de Doha e tornam ainda mais difícil a retomada das negociações comerciais multilaterais.
Em Genebra, no fim de novembro, ocorreu reunião ministerial da OMC que tentava mais um esforço político para permitir a retomada das negociações. A Rodada de Doha, embora não incluída formalmente na Agenda, dominou os debates. Como era de prever-se, a reunião apenas serviu para troca de acusações entre os países desenvolvidos e os emergentes e agora, mesmo os mais otimistas, não esperam a conclusão das negociações antes de 2011. Provavelmente, um novo mandato deverá ser negociado no futuro para a reabertura das negociações. O Brasil tomou a iniciativa de convocar reunião do enfraquecido G-20 agrícola para discutir o assunto antes da abertura oficial da reunião de ministros, sem obter maiores efeitos práticos e políticos.
Os países desenvolvidos ampliaram suas demandas por maior proteção para sua agricultura e mais abertura dos mercados emergentes para seus produtos industriais o que, evidentemente, é difícil de ser aceito pelos países em desenvolvimento. Os EUA, no contexto de proposta de inclusão de acordos bilaterais nas negociações de Doha para retomar as negociações, apresentaram lista de 3.000 produtos e pediram publicamente concessões adicionais do Brasil, consideradas “irracionais” pelo Ministro Celso Amorim. Nem mesmo as ofertas dos países desenvolvidos arduamente conseguidas ao longo dos últimos oito anos estão asseguradas.
A revisão do funcionamento e a consideração de possíveis aperfeiçoamentos na operação da OMC, como na questão do processo decisório, que passaria de consensual para voto ponderado, sugerida pelos EUA, Índia, Brasil e por outros 15 países, não foi incluída na agenda ministerial pela oposição dos países menores, que resistem a essas modificação.
Um dos poucos resultados do encontro ministerial de Genebra teve a ver com a discussão das bases de um acordo-quadro multilateral entre países em desenvolvimento para a liberalização comercial de uma lista ampliada de produtos negociados no âmbito do Sistema Geral de Preferências Comerciais (SGPC). O projeto inicial, impulsionado pelo Brasil, previa a redução de 30% nos impostos de importação de 40 países. Com a oposição da China, Irã, Argélia, México e mais 17 países, o nível de ambição foi sensivelmente reduzido e 19 países concordam em que o corte tarifário será de 20% e incidirá sobre produtos agrícolas e industriais, representando pelo menos 70% das linhas tarifarias. Se superar dificuldades técnicas ainda pendentes, o acordo poderá ser assinado em setembro de 2010, formando um novo “espaço econômico do sul”, em mais um arroubo de retórica oficial.
Aferrado à decisão de dar total prioridade às negociações multilaterais, o governo brasileiro encontra dificuldades para avançar uma agenda de negociações bilaterais para a abertura de mercados para os produtos brasileiros. O único acordo de livre comércio negociado pelo Mercosul foi com Israel, em 2007, ainda não ratificado pelo Congresso. Agora, anuncia-se a idéia de ampliação dos acordos de preferências comerciais com a Índia e com a África do Sul, sem nenhuma perspectiva de conclusão ainda nesse governo e a abertura do mercado brasileiro para produtos de 30 países mais pobres, talvez como uma reação à pressão do Congresso americano que condiciona a manutenção do Sistema Geral de Preferências a esse tipo de concessão por parte do Brasil. Por outro lado, foi aparentemente aceita proposta feita pelo representante comercial dos EUA, Ron Kirk, em setembro, para negociar um acordo de facilitação de comércio e investimentos (TIFA), nos moldes do recém assinado pelos EUA com a Índia.
Ao contrário do que fez o Brasil, nos oito anos de negociação de Doha, os países membros da OMC firmaram mais de 100 acordos de livre comércio. Os países asiáticos (mais Peru e Chile), além dos acordos de livre comércio na região, iniciaram conversações com os EUA para a criação da “parceria trans-pacifica”, que acelerará a mudança do eixo do intercâmbio comercial global do Atlântico para o Pacifico.
Impõe-se mais pragmatismo e menos influência da política externa na estratégia de negociação comercial.