29/12/2015
OMC: Página Virada
Rubens Antonio Barbosa
A reunião ministerial da Organização Mundial de Comércio (OMC) realizada na semana passada em Nairobi, na prática, enterrou a moribunda Rodada Doha. Com claras manifestações dos EUA, da União Europeia e do Japão, os Ministros de 162 paises membros não reafirmaram o interesse em manter as negociações da Agenda para o Desenvolvimento, pela primeira vez desde o lançamento da Rodada de Doha em 2001. Os países em desenvolvimento e os emergentes (China, India e Brasil), conseguiram um reduzido pacote de medidas (pendentes da Rodada de Doha), incluindo a suspensão dos subsídios a exportação para produtos agrícolas até 2020 pelos paises desenvolvidos (só existem na Suiça, no Canadá e Noruega), novas orientações para financiamento de exportações agrícolas e acesso a mercados de países desenvolvidos para paises pobres produtores de algodão sem prazo para sua implementação.
A declaração final mantém, portanto, a possibilidade de negociação de alguns itens de Doha e abre espaço para os temas novos no âmbito da OMC. Os EUA deixaram claro, contudo, que só vão se engajar, se os entendimentos se processarem não mais segundo os mandatos de Doha e das regras da OMC. Ou seja, sem as flexibilidades hoje conferidas aos países em desenvolvimento e emergentes. Com isso, China, mas também Brasil e India, graduados, terão de negociar de igual para igual com os desenvolvidos pois as disciplinas terão de ser as mesmas para todos, apenas com variação de prazos. Princípios como o do consenso na tomada das decisões, tratamento especial e diferenciado, ”single undertaking”, e áreas como prioridade para a agricultura, eliminação dos subsídios e medidas restritivas `a exportação estão ameaçados pela recusa dos países desenvolvidos e poderão não voltar a balizar as negociações no contexto da OMC
Ao expressar satisfação com os resultados do encontro ministerial que colocaram um ponto final na Rodada de Doha, uma das principais estratégias de negociação comercial do lulopetismo, o governo brasileiro afirmou que "os resultados alcançados em Nairóbi comprovam a capacidade da OMC em alcançar (sic) resultados relevantes num contexto multilateral e não discriminatório, quando há efetivo engajamento de seus Membros. Nesse sentido, será retomada a negociação dos demais temas da Rodada de Doha e examinada a existência de consenso para o tratamento de novos temas". Resta saber com quem será retomada a negociação do pacote de consolação e como será apurada a existência de consenso para o tratamento de novos temas. Os países desenvolvidos deverão ignorar a agenda tradicional e seguir discutindo acordos pluriaterais (preferenciais e discriminatórios) em oposição aos multilaterais (aprovados por todos os paises membros) sobre temas setoriais como serviços, bens ambientais, de tecnologia da informação, sem que o Brasil até aqui participe desses entendimentos.
O papel protagônico do Brasil se manteve e por sua iniciativa o encontro de Nairobi também marcou o fim da atuação como porta-voz dos emergentes. O G-20 agrícola desapareceu pela divisão entre Brasil e China/India em virtude de interesses divergentes quanto a salvaguardas para manter barreiras para importações de produtos agrícolas e manutenção de estoques.
Enquanto, na última década, a natureza das negociações comerciais se transformava e os países desenvolvidos avançavam os entendimentos para acordos limitados com regras que vão além da OMC, a grande maioria dos países membros da Organização, inclusive o Brasil, teimaram em brigar por uma negociação multilateral baseada em premissas inviabilizadas pelo crescente número de países membros, pela complexidade das negociações e pela dificuldade de concordância em agricultura em virtude da grande diferença de interesses, em especial o desejo dos países desenvolvidos de graduarem a China e acabar com seu status de membro de acessão recente.
Além do acordo da facilitação de comércio, ratificado por 57 paises, foi adotado em Nairobi o acordo de tecnologia da informação com mais de 50 participantes e está avançando acordo sobre bens ambientais. O acordo de Parceira Trans-Pacifica, com os EUA e Japão, além de 10 paises, inclusive Chile, Peru e México, em nossso continente, foi concluido e deverá ser assinado em fevereiro, trazendo toda uma nova filosofia de acordos, abertos para os que quiserem aderir, com regras que vão além das existentes na OMC ou mesmo que ainda nela não existem.
Os paises em desenvolvimento membros da OMC não tem alternativa. Ou aprovam a inclusão dos novos temas, setoriais, com participação limitada de países que quiserem acompanhar as novas regras - criadas por inspiração e liderança dos EUA - ou a OMC ficará restrita apenas a sua função de mecanismo de solução de controvérsia. Dessa forma, a sobrevivência da OMC se dará pela sua renovação a partir de uma nova agenda que incorpore os acordos plurilaterais e a discussão de novas regras sob um outro modelo de negociação, também plurilateral.
O governo brasileiro terá de enfrentar a nova realidade da negociação multilateral na OMC. Embora atuando em Nairobi de forma pragmática e menos ideológica, os fatos se impuseram e não deixarão muito tempo para que o governo brasileiro ajuste as politicas de negociação comercial e a politica externa `as mudanças em curso.
Na reunião presidencial do Mercosul, realizada, na semana passada em Assunção, continuou a incerteza quanto ao interesse da União Europeia (UE) em aceitar a negociação com o Mercosul. Se e quando as negociações entre o Mercosul e a UE acontecerem, as autoridades brasileiras se confrontarão com essas novas realidades e terão de atuar de acordo com os interesses do setor produtivo e exportador e não ideológico.
Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp
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