28/10/2014
O Dia Seguinte
Rubens Antonio Barbosa

Ao final de uma das eleições mais renhidas das últimas décadas, as urnas falaram de forma clara. 120 milhões de votantes se manifestaram de forma ordeira e tranquila, dando mais um sinal de maturidade democrática. Na disputa entre dois modelos distintos de governo, a maioria mais apertada desde 1945 optou pelo do PT. Não se deu a alternância de poder, tão saudável à democracia.

No dia seguinte dos resultados, contudo, temos de pensar no Brasil em primeiro lugar, virar a página dessa histórica eleição e tratar de olhar para frente pensando no futuro de nosso pais. O Brasil não pára e não pode ficar refém de rixas radicais entre grupos políticos. A sociedade brasileira espera que de Norte a Sul, dos mais favorecidos aos mais desvalidos, as feridas e ressentimentos deixados pelos duros embates e evidentes exageros das campanha eleitorais sejam superados. A intolerância atingiu níveis perigosos e inaceitáveis no contexto de um rotineiro enfrentamento politico que se pressupõe civilizado e conducente ao aperfeiçoamento das práticas democráticas.

O país terá de enfrentar a partir de agora a dura realidade da economia em recessão e das contradições e desafios na política nacional.

O governo vai ter de cumprir os principais compromissos assumidos pela presidente reeleita, tais como medidas para estabilizar a economia, ajustes na política econômica para reduzir a inflação, volta do crescimento para manter o nível de emprego e reforma política para permitir o avanço das mudanças de que tanto o pais necessita. Por outro lado, espera-se o prometido combate a corrupção e o restabelecimento dos princípios éticos com a punição dos culpados pelo assalto aos cofres públicos e que tanto prejuízo causaram à maior e mais prestigiosa empresa brasileira.

As oposições que saem derrotadas têm de se reinventar e atuar de forma diferente dos últimos doze anos para melhor defender o modelo e as politicas que expuseram na campanha e cobrar resultados do governo nas áreas política, econômica e social.

Os ataques pessoais e a exacerbação das criticas fizeram crescer as paixões partidárias e a animosidade entre os simpatizantes do PSDB e do PT. O ardor da disputa em diversos momentos, não só nos debates na televisão, mas também nas ruas, acirrou os espíritos e fez com que o pais emergisse depois da eleição dividido eleitoralmente, entre Norte/Nordeste e Sul/Sudeste e socialmente, entre pobres e ricos, povo e elite, entre “nós e eles”.

Olhando para os interesses permanentes do Brasil, esse elemento novo é preocupante. A insistência na divisão, tão explorada pelo PT para manter-se no poder, é uma receita bastante perigosa para a preservação da democracia e da tranquilidade em nosso país.

O novo mandato não se prenuncia fácil para o governo do PT. Se a tática de divisão entre “nós e eles” continuar, a radicalização politica e o enfrentamento derivado das opções que serão adotadas vão gerar uma situação de conflito que não deveria interessar a ninguém.

Temos de encontrar formas de restabelecer a harmonia interna para podermos avançar nas agendas que interessam ao Brasil. Desde o inicio do novo governo PT, teremos de estabelecer pontes e canais de comunicação para evitar que a radicalização e a polarização dos últimos meses da campanha eleitoral se mantenham fracionando nossa sociedade. Isso vai exigir um esforço de moderação dos dois lados. Temos de demonstrar maturidade para poder dialogar de forma democrática e pacífica.

A legitimidade consagrada pela vitoria eleitoral impõe a responsabilidade de que as propostas apresentadas durante a campanha sejam discutidas e aprovadas pelo Congresso Nacional, que, passando a contar com representantes de vinte e oito partidos, normalmente verá seu processo decisório tornar-se mais difícil e complexo.

O próximo ano se prenuncia difícil não só, como tudo indica, pela gradual deterioração da economia – o que exigirá a tomada de medidas fortes para equilibrar as contas publicas, conter o crescimento da inflação e tentar aumentar o crescimento, mas também porque, do ponto de vista político, os detalhes divulgados nas delações premiadas no caso de corrupção na Petrobras começarão a ser expostos com provas ao grande público e os acusados deverão começar a ser julgados.

Algumas das políticas e medidas prometidas pela então candidata, agora presidente reeleita, tem um grande potencial de gerar o aprofundamento das divisões internas: o plebiscito para a reforma politica, o controle social da mídia, o controle econômico das empresas de comunicação, a revisão da Lei de Anistia, a criação da política nacional de representação social, a modificação da lei que torna privativa funções de chefia no Itamaraty, para mencionar apenas algumas, não contam com o apoio da maioria da sociedade brasileira. Caso o governo reconduzido queira aplicá-las, haverá sem duvida o aprofundamento da divisão interna e um novo inevitável choque de consequências imprevisíveis para a democracia e a estabilidade do pais.

Embora o discurso da presidente Dilma após o anúncio oficial dos resultados no domingo tenha conclamado “todos os brasileiros e todas as brasileiras sem exceção” para a união” e o diálogo, não houve um gesto em relação `a oposição, nem sequer uma menção, como é de praxe, a seu opositor, que a havia cumprimentado pouco antes.

O grande desafio que o pais vai enfrentar nos próximos meses será como estabelecer as referidas pontes para evitar a radicalização e procurar deixar as diferenças de lado. Não será fácil.

Governo e oposição têm responsabilidade compartilhada para evitar que a divisão se agrave, se aprofunde e leve a uma crise institucional.

Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comercio Exterior da FIESP.

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