27/03/2018
NOVA POLÍTICA COMERCIAL DOS EUA
Rubens Antonio Barbosa
Uma agenda de política comercial (Trade Policy Agenda), acaba de ser divulgada pelos Estados Unidos. O documento descreve as prioridades, princípios e objetivos que traçarão a sua política comercial para o ano de 2018.
Segundo o texto, a nova politica comercial está fundamentada em 5 pilares: i) manutenção da segurança nacional; ii) fortalecimento da economia americana; iii) negociação de melhores acordos comerciais; iv) aplicação agressiva de leis domésticas; e v) reforma do sistema multilateral de comércio.
Dentre as iniciativas citadas no documento, destacam-se as revisões de acordos comerciais como o NAFTA (Canadá e México) e a Coreia, as críticas a determinadas políticas chinesas, tidas como distorcivas, bem como ressalvas ao Órgão de Apelação da OMC e suas decisões. Além disso, o documento menciona também que será encaminhado ao Congresso Americano um pedido para a renovação da Trade Promotion Authority (TPA) do Presidente até 2021. O TPA funciona como uma aprovação rápida, um “fast-track” para a negociação de acordos comerciais, visto que o Presidente passa a ter autoridade prévia para negociar acordos que serão submetidos ao Congresso, sem possibilidade de alteração.
Logo em seguida, o Departamento de Comércio publicou o resultados das investigações de segurança nacional sobre aço e alumínio. Conduzidas ao amparo da Seção 232, os relatórios das investigações sobre esses dois produtos concluíram que as atuais quantidades e circunstâncias das importações dos mesmos representam uma ameaça à segurança nacional dos EUA. As recomendações apresentadas ao Presidente para remediar a situação, em ambos os setores, foram aceitas, sendo que o aço recebeu uma sobretaxa de 25% e o alumínio, de 10%.
No caso das restrições ao aço e ao alumínio, além do precedente de invocar o artigo XXI do GATT, que autoriza os membros da OMC a aumentar tarifas “se for considerado necessário para a proteção de seus interesses essenciais de segurança“, as reações dos países atingidos podem gerar uma escalada protecionista e o envolvimento da OMC para tentar resolver o conflito. Qualquer decisão do órgão de apelação da OMC, poderá agravar ainda mais a precária situação da Organização. Se for aceita a fundamentação do critério de segurança nacional, em tempos de paz, ficaria estabelecido o precedente que poderá ser invocado por todos os outros países. E se se condenar os EUA por práticas discriminatórias, contrárias às regras vigentes, o governo de Washington poderá se retirar da OMC abalando de vez as frágeis estruturas do sistema multilateral do comércio. As normas do mecanismo multilateral de comércio atuam como um elemento de dissuasão para a escalada protecionista no mundo e seu desmantelamento significaria a desordem internacional, deixando os países em desenvolvimento sem um importante recurso contra medidas protecionistas. Canadá e México foram isentados temporariamente das sobretaxas enquanto são renegociados os termos do NAFTA. No caso do Brasil, Argentina, União Europeia, Coréia e Austrália está sendo feito esforço no sentido de isentar produtos que afetam negativamente as duas partes e a tendência é a aplicação de restrições voluntárias de exportação com quotas menores de cada um desses países de modo a permitir o aumento da produção nos EUA.
No último dia 23, o governo norte-americano anunciou medidas unilaterais adicionais contra a China: restrições à entrada de produtos chineses que poderiam alcançar US$ 60 bilhões e plano para impor novas restrições a investimentos chineses em equipamentos robóticos, aeroespaciais, marítimos e ferroviários modernos, veículos elétricos e biofármacos. No âmbito da OMC, os EUA vão pedir a abertura de processo contra regras de licenciamento de tecnologia que impedem empresas dos EUA de competir no mercado chinês e a possibilidade de medidas contra práticas chinesas de propriedade intelectual. As sanções incluiriam restrições a investimentos nos EUA, entraves para emissão de vistos para pesquisadores chineses e confrontos diretos na OMC sobre práticas comerciais chinesas, que incluiriam guerra digital, entrega de segredos comercias e formação de parcerias com empresas chinesas, dentro do programa Made in China 2025 que objetiva o desenvolvimento de industrias nacionais de interesse estratégico. O Congresso norte-americano está avaliando legislação que reforçaria o controle nacional de segurança do investimento chinês. Em recente relatório, o Departamento de Defesa mostrou que o aumento do investimento chinês no Vale do Silício na Califórnia está dando à China acesso sem precedentes às tecnologias militares do futuro e aumentado a propriedade do pais das cadeias de suprimento que atendem as Forças Armadas dos EUA. A reação da China veio imediatamente com a divulgação de lista de 128 produtos americanos que poderão ser alvo de sobretaxas para equilibrar as perdas causadas pelas tarifas sobre o aço e o alumínio.
Essas medidas protecionistas para defender empresas que perderam competitividade em relação o resto do mundo e para evitar que empresas de avançado estágio tecnológico passem para o controle chinês com importantes e estratégicos segredos comerciais, trazem grandes riscos para o comércio internacional e para o próprio sistema multilateral de comércio.
Considerada como competidora estratégica, a China foi escolhida por Washington como o grande rival econômico e militar no mundo atual com todas as consequências que isso possa acarretar. Quando a economia global e o comércio internacional crescem mais de 3,5%, a ninguém interessa uma guerra comercial entre os dois países e, muito menos, uma escalada militar confrontacionista entre os dois maiores e mais potentes países do mundo.
Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e de Comércio Exterior (IRICE)
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