25/02/2014
Desafios para o Brasil na OMC
Rubens Antonio Barbosa
A última reunião ministerial da Organização Mundial de Comércio (OMC), em dezembro passado, terminou com acordos nas áreas de facilitação de comércio, em alguns itens da agenda da agricultura, em algodão e em temas de interesse dos países de menor desenvolvimento relativo. Esse fato deu alento e esperança de que os entendimentos multilaterais no âmbito da OMC possam retomar seu vigor. E ficou afastada, pelo menos no futuro imediato, a ameaça de esvaziamento da OMC.
Nesse contexto, os países membros terão de enfrentar três desafios para manter a OMC viva: retomar efetivamente as negociações da Rodada de Doha; tentar incluir na OMC os acordos regionais e bilaterais e suas regras, assim como reformar a governança da instituição.
Os países membros decidiram dar um mandato de um ano para a OMC definir uma pauta para a retomada das negociações da Rodada de Doha. Pela complexidade das negociações no contexto de baixo crescimento e de alto nível de desemprego na Europa não será uma tarefa fácil. O desinteresse dos países desenvolvidos, manifestado publicamente pelos dirigentes americanos e europeus, e evidenciado pela abertura de negociações de mega acordos regionais (EUA e Asia e EUA e Europa) e de suas regras que vão muito além do que as existentes hoje no âmbito da OMC reforça o ceticismo de muitos. Por outro lado, os países em desenvolvimento dificilmente abrirão mão da agenda do desenvolvimento e de seus interesses na área agrícola, em especial quanto a redução ou eliminação dos créditos a produção e aos subsídios a exportação. Conforme já indicado pelo Diretor Geral da OMC, o brasileiro Roberto Azevedo, realisticamente, a agenda a ser definida em 2014, terá de ser menos abrangente e mais enxuta para obter consenso. A reação dos países em desenvolvimento é previsível, como já indicou o ministro do exterior, Luis Figueiredo: para o Brasil, a retomada das negociações da Rodada de Doha depende da inclusão na pauta das distorções comerciais na agricultura.
O segundo desafio é o de como incluir nas negociações multilaterais os acordos de livre comércio que estão sendo discutidos fora da OMC. Mais de 500 acordos regionais e bilaterais estão em discussão e 345 foram notificados `a organização e estão em vigor. A função de monitoramento desses acordos, no entanto um dos pilares da OMC, não está sendo exercida por falta de condições técnicas e políticas. Como multilateralizar as concessões e as regras negociadas fora da OMC e que ultrapassam os limites hoje vigentes, como as chamadas de OMC plus (serviços, barreiras técnicas ou propriedade intelectual), bem como as que tratam de temas que estão fora do marco da OMC, como investimento, concorrência, meio ambiente, padrões trabalhistas. As negociações de acordos preferenciais de comércio e dos mega acordos regionais não se restringem `a redução de tarifas de importação, hoje muito reduzidas, mas focam um quadro regulatório que impacta diretamente o intercâmbio de bens e serviços, como barreiras técnicas, sanitárias e fito sanitárias, mudança climática, eficiência energética, direitos humanos, padrões (standards), economia digital, entre outros. Para incluí-los no âmbito da OMC, poderiam ser transformados em acordos plurilaterais, permitindo que os países que queiram aderir o façam, desde que cumpram suas regras.
Para enfrentar esses questões (ressuscitar Doha e acordos e regras fora da OMC), os países membros deverão responder ao terceiro desafio: como reformar e modernizar a OMC. Tal como funciona hoje, a OMC não está preparada para reagir `as demandas da globalização, da evolução do comércio global e da revolução das cadeias produtivas, responsável por 56% do intercâmbio comercial e 72% dos serviços no mundo. Questões espinhosas vão ter de ser examinadas como a questão das decisões por consenso, do tratamento especial e diferenciado, do princípio de que nada estará aprovando a menos que cada acordo individual esteja decidido (“single undertaking”). Com 160 países membros, as decisões por consenso serão cada vez mais difíceis e formas alternativas para formar consenso pela maioria terão de ser encontradas; a manutenção do tratamento especial e diferenciado aos países em desenvolvimento já está sendo questionada pelos desenvolvidos para países como a China, o Brasil, a India e outros; o “single undertaking” está sendo um fator impeditivo de avanço, como se viu na Rodada de Doha. Ao lado desses itens, a possibilidade de acordos plurilaterais (abertos ou restritos) terá de ser discutida para permitir que quem quiser participar possa fazê-lo, sem esperar que todos venham a participar. Hoje existem dois acordos plurilaterais em negociação fora da OMC – que não permite esse tipo de negociação – o de Serviços e de Tecnologia da Informação. O funcionamento da alguns órgãos da OMC terá de ser revisto para aumentar a eficiência e a aplicação das decisões. Um desses órgãos é o comitê que examina os acordos regionais. Caso haja um efetivo interesse em incorporar os acordos negociados fora da OMC, o comitê deverá ser transformado em um Conselho para aumentar seu peso político. Finalmente, em função da importância dos temas e de sua relevância para os operadores privados, deveria ser considerada a participação do setor privado. A OMC é uma instituição intergovernamental sem a presença de representantes empresariais, por isso alguma forma de participação privada será importante para influir do processo de negociação.
As transformações por que passam o comércio internacional e a economia brasileira exigem que a análise e a decisão desses temas seja feita de maneira pragmática, segundo o que é de fato o interesse nacional e sem influência ideológica.
Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comercio Exterior da FIESP.
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