O Relatório Sachs e Itaipu
Rubens Antonio Barbosa
O Centro de Estudos Vale, da Columbia University, dirigido por Jeffrey Sachs, contratado pelo governo Paraguaio, produziu um trabalho, “Alavancando a Hidroenergia do Paraguai para o Desenvolvimento Econômico Sustentável”, no qual incluiu capitulo sobre Itaipu.
As recomendações, que estão sendo apresentadascom grande repercussão no Paraguai como “Relatório Sachs”sobre Itaipu,partem de três premissas:
- a divida do Paraguai deveria ser recalculada a uma taxa de juro menor de 5%;
-O Paraguai deveria ter recebido preço de mercado pela exportação de energia ao Brasil, o que equivaleria pelo menos a US$52,7 MWhs (preço garantido hoje pelo Brasil para a energia exportada pelo Paraguai).
- os custos de capital do projeto deveriam equivaler aos investimentos diretos realizados no projeto
Deixando de lado os aspectos técnicos e jurídicospactados livremente pelos dois países no Tratado de Itaipu, Sachs apela para a demagogia pouco acadêmica e decreta que o Paraguai já pagou sua parte da divida de Itaipu por três motivos:
- as taxas de juro foram demasiadamente altasdesde o inicio;
- o preço pago pela eletricidade exportada ao Brasil foi inferior a US$52,7/MWh
- os custos de capital estão acima dos investimentos diretos por razões que não são transparentes;
Embora ressalvando que suas conclusões não são definitivas e que as premissas podem não ser corretas, Sachs- que não deve ter lido o relatório que assina - expressa dúvidas sobre a validade da divida restante. O estudo recomenda que o Paraguai receba um pagamento justo pela exportação da energia, possa vender a energia de Itaipu para terceiros países, que os pagamentos deveriam basear-se no consumo real em lugar da potencia contratada e que as negociações sobre esses pontos não deveriam esperar ate 2023.
As premissas assumidas por Sachs são equivocadas ou representam meias verdades. Suas recomendaçõesignoram que as condições da amortização da dívida e da fixação do preço da potência gerada estão reguladas pelo Tratado de Itaipu e só podem ser revistas em 2023 quando o Tratado completar 50 anos e a Usina estiver amortizada. O estudo ignora o legitimamente pactuado e as vantagens que o Paraguai obteve nos últimos anos por decisões politicas (não técnicas) tomadas pelo governo Lula.
Se Sachs tivesse lido o Tratado, teria verificado que no Anexo C, que trata das bases econômicas do contrato, ficou definido que o custo de "venda" seria determinado pelos custos de produção e manutenção da empresa divididos pela potênciadisponível de suas máquinas, chamada de "Potência Garantida".
Assim, a empresa Itaipu Binacional vende sua energia a preço de custo (construção, expropriações, administração e amortização da dívida). Para garantir a viabilidade econômica da empresa, o Brasil tem de comprar energia de Itaipu, em dólares, por vezes a um custo superior à produzida internamente, mesmo que haja excesso de oferta.
Por entender que as condições de financiamento eram muito desfavoráveis (o que não é verdadeiro), o Paraguai sempre pleiteou a retirada da correção monetária do dolardo valor devido. Essa demanda foi atendida no Governos Lula, que transferiu esse encargo (27,5%) à Tarifa de Repasse da Eletrobrás, onerando de forma crescente o consumidor brasileiro, que tem de pagar, inclusive, a parcela devida pelo Paraguai.
O Brasil segue rigorosamente tudo o que ficou inicialmente pactuado no Tratado para definir esse custo de Potência gerada pela hidrelétrica.
Assim, nunca o Paraguai recebeu menos que o definido no Tratado. Como o investimento de Itaipu veio de financiamentos externos e quem os levantou e forneceu os avais foi apenas o Brasil, o Paraguai fez uma "adesão" às cláusulas desses financiamentos, pois,naquela época o pais não teria condições de dividir com o Brasil o custo do empreendimento.
Quanto a basear-se em consumo real para efeito de pagamento, quem é francamente beneficiado pelo critério de contratação de potência é o Paraguai, pois subcontrata a potência aos custos da ITAIPU e supre a diferença necessária para abastecer seu mercado utilizando 50% de toda a energia produzida pela empresa e não proporcional à energia gerada pela Potência contratada.
Traduzindo essa explicação técnica, as taxa de juros da época da contratação e em 1996, quando a divida foi renegociada, foram as vigentes no mercado; quanto `a insinuação de superfaturamento pela diferença entre o imobilizado e o investimento, nunca houve qualquer questionamento e, se aconteceu, o maior prejudicado foi o consumidor brasileiro;o preço foi livremente definido pelos dois paises e revisado de forma favorável ao Paraguai.
Além disso, o Paraguaitem se beneficiado de Itaipu pela transferência de recursos de três modos:
- “Fundos Sociais”, criadosdurante o governo Lula, que beneficiam os municípios do lado paraguaio próximos de Itaipu, cujas despesas passaram de cerca de U$ 200 milhões em 2002 para U$ 600 milhões previstos para 2013
- royalties, que são maiores do que os pagos em outras hidrelétricas brasileiras, e
- “Compensação pela Cessão de Energia”, que é dinheiro transferido do governo brasileiro ao paraguaio, sem passar pela empresa Itaipu Binacional, pelavenda ao Brasil de uma energia que não consegue consumir. Esse custo, triplicado no governo Lula para cerca de US$ 1 bilhão a cada três anos, não é o preço da energia, como os paraguaios afirmam, mas um sobrepreço pago pelo Brasil.
Quem paga a dívida de Itaipu não é o Governo do Paraguai, nem o do Brasil, mas o consumidor brasileiro, que compra cerca de 90% da energia.
Em 2023, o Paraguai, sem ter feito nenhum investimento, ficará com 50% da usina de Itaipu, cujo valor então será maior do que o PIB do pais.
Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp