14/08/2012
A Presidência Brasileira do Mercosul
Rubens Antonio Barbosa

O Brasil está assumiundo a presidência do Mercosul no momento mais delicado do grupo nos últimos 21 anos. A crise deflagrada em Mendonza, na Argentina, com a suspensão do Paraguai e a inclusão da Venezuela, terão profundas consequências sobre o funcionamento do Mercosul nos próximos anos, cabendo ao Brasil administrar até dezembro os primeiros meses dessa situação inédita.

Os desafios e incertezas colocados pela ausência do Paraguai e pela presença da Venezuela com direito a voto, darão à presidência do Brasil uma característica especial e bem distinta das exercidas até aqui.

No tocante aos temas econômicos e comerciais, herdados de reuniões anteriores, dificilmente poderão ser concluidas as conversações sobre inovação, integração produtiva, interligação de centros de pesquisa, a criação de uma agência de ciência e tecnologia, assim como o fundo de garantia de pequenas e médias empresas, criado em Mendonza, e a possivel criação de escritório regional de aduanas com sede no Rio de Janeiro.

O reinício das negociações com a Venezuela sobre a definição dos compromissos assumidos no Protocolo de Adesão terá prioridade. Foi constituído um grupo de trabalho com a Venezuela que deverá concluir a definição dos prazos para a entrada em vigor da Tarifa Externa Comum, para a liberalização do comércio com os parceiros do Mercosul, para a incorporação dos regulamentos e normas aprovados pelo Mercosul ao ordenamento jurídico da Venezuela. Não menos importante serão negociados prazos para a aceitação da nomenclatura de produtos do Mercosul (hoje a Venezuela aplica a nomenclatura do Grupo Andino) além da aprovação dos acordos comerciais firmados pelo Mercosul com Egito e Autoridade Palestina e Israel, tendo em mente que Chaves rompeu relações com Tel Aviv. O Grupo, a partir do dia 12 de agosto, terá 180 dias, prorrogáveis por mais seis meses, para concluir seus trabalhos. A expectativa brasileira – aparentemente corroborada por declarações de Chaves – é de que o processo esteja concluído até o final do ano, já que o Protocolo de Adesão foi amplamente discutido até 2008. Novos prazos terão de ser ajustados e o governo de Caracas terá de tomar decisões políticas quanto à participação nos fundos do Mercosul, como o Focem (recursos para obras de infraestrutura), que deverá ser ampliado e revisado e ao acordo com Israel, com relações rompidas pela Venezuela. Deverá também ser examinada a adesão da Venezuela ao Acordo de Alcance Parcial n.18, que incorpora o Tratado de Assunção à ALADI, base legal para que as preferências tarifárias concedidas pela Venezuela não se estendam aos demais países aladianos.

Talvez com o objetivo de atrair o setor privado, crítico do ingresso da Venezuela, deverá ser criado o Forum Empresarial, que passará a reunir-se em paralelo aos encontros presidenciais do Conselho do Mercosul.

O Brasil terá que coordenar, durante sua presidência, o ingresso de novo membro, visto que o Equador, convidado, já aceitou. A adesão da Bolivia, do Surinã e da Guiana deverá ficar para mais tarde. Nesse particular, certamente serão discutidos critérios mais flexíveis – a exemplo do que ocorreu com a Venezuela – para a incorporação de novos países ao bloco. Parece clara a intenção de ampliar o Mercosul para incluir todos os países sul-americanos, o que poderá coincidir com a composição da Unasul e propiciar a fusão de ambos.

A agenda externa do grupo, em sua nova composição - acordo com a União Europeia e Canadá - e a oferta da China de ser feito um estudo de viabilidade sobre um eventual acordo de livre comércio com o Mercosul - também deverá ser examinada, com poucas possibilidades de avanços pelas barreiras protecionistas argentinas e pelas dificuldades da indústria brasileira.

O Mercosul entra decididamente em nova fase. Os temas políticos e sociais certamente serão ampliados (Pacto Social, Cidadania, nova composição do Parlamento).

Menor país do Mercosul, o mais pobre, e extremamente dependente da economia brasileira, o Paraguai não tem alternativa e não deverá abandonar o Mercosul. O executivo paraguaio enviou ao Congresso o Protocolo de Adesão da Venezuela e ameaça tomar uma série de medidas de natureza politica, como levar a decisão de suspendê-lo à Corte Internacional de Justiça da Haia, não ceder a energia gerada em Itaipú ao Brasil, conforme o Tratado que regulou a criação da hidreletrica binacional, aproximar-se dos EUA, cogitar o ingresso na Aliança do Pacifico (acordo entre o Chile, Mexico, Perú e Colombia) e outras. Dificilmente, contudo, o governo de Assunção terá condições de levar a cabo essas bravatas nacionalistas, mais para consumo interno do que com intenção de criar uma crise com seus principais vizinhos.

No caso do rompimento do Tratado de Itaipu, que prevê a cessão da parte não utlizada dos 50% da energia que cabe ao Paraguai, além de não ter a quem vender essa energia, pois não existem linhas de transmissão para a Argentina ou o Chile, o Brasil poderia reagir vigorosamente por ser um assunto de segurança nacional, uma vez que 20% da energia é consumida na área mais industrializada no Sul e no Sudeste do pais. O Congresso paraguaio, se rejeitar o ingresso de Chaves, estará criando uma situação que, a partir da sua reintegração ao Mercosul depois das eleições presidenciais em abril de 2013, levará o país ao confronto com a Venezuela e demais membros do Mercosul. O entendimento do governo brasileiro é de que Assunção não poderá questionar as decisões tomadas pelo bloco no período de suspensão, em especial a adesão da Venezuela.

O grande desafio para o Brasil – agora na presidência do Mercosul e no futuro - será administrar as frustrações e os ressentimentos do pequeno Paraguai.

Rubens Barbosa, Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp.

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