12/08/2014
Mercosul Indígena
Rubens Antonio Barbosa

Finalmente, depois de mais de um ano, os presidentes dos cinco países membros do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela) conseguiram marcar a reunião semestral do Conselho do Mercosul na Venezuela.

Nos longos comunicados ao final do encontro, poucas referências a avanços na área comercial. Em compensação, foram assinadas declarações de apoio a Argentina relacionado com o pagamento de sua divida soberana, sobre o Banco do Sul e sobre os direitos nos EUA das crianças e adolescentes migrantes não acompanhados. Além disso, Hugo Chaves e Nestor Kirchner foram declarados cidadãos ilustres do Mercosul.

Poucos notaram que na declaração do Mercosul sobre a situação de Gaza houve um significativo fato politico: o Paraguai recusou-se a assiná-la e quebrou a unidade do grupo em tema tão sensível

Uma das decisões mais inusitadas, anunciada ao final da reunião, foi a instituição do Mercosul Indígena, que certamente dará grande impulso `as relações comerciais do grupo...

A proposta brasileira para antecipar para este ano a formação de uma área de livre comércio com a Colômbia e o Peru, prevista para 2019, apresentada como grandes manchetes pelo governo, foi recusada e nem chegou a ser examinada, mostrando a fragilidade do Brasil no âmbito do grupo.

Sem acordo com a União Europeia, o Mercosul, por proposta da Venezuela, se contentou com a proposta de negociar acordo para a criação de zona econômica complementar com a Aliança Bolivariana (ALBA) e o Petrocaribe, que ninguém sabe o que é. O calote da Argentina, que vai afetar ainda mais a imagem do Mercosul e prejudicar as exportações brasileiras para aquele mercado, foi o tema mais palpitante da cúpula presidencial.

A paralisia e a perplexidade do grupo podem ser notadas por alguns exemplos que demonstram o estado em que se encontra o principal projeto de politica externa do governo do PT nos últimos doze anos.

- a Bolívia, membro associado do Mercosul desde 1997, assinou protocolo de adesão quase em segredo de estado, sem nenhuma discussão pública. Recentemente, o Congresso do Uruguai e da Venezuela ratificaram o protocolo. A Bolívia terá que adotar gradualmente as normas e regulamentos do Mercosul, mas apenas depois de um período de quatro anos apos sua incorporação como membro pleno; o pais ganhou o status de pais membro em processo de adesão, e já está participando plenamente de todas as reuniões do Mercosul, sem voto. Até o momento, o documento de adesão não foi submetido ao Congresso brasileiro, porque, se fosse, teria dificuldades para aprovação em virtude do impasse em relação do asilo ao senador boliviano.

- a negociação do acordo Mercosul-União Europeia desapareceu dos radares. Dificuldades com a Argentina (como sempre), desinteresse por parte do governo brasileiro, apesar das declarações em contrário de altas fontes oficiais, talvez em função das eleições e a mudança na presidência da Comissão Europeia com a saída do português Durão Barroso (muito favorável ao acordo) e sua substituição pelo antigo primeiro ministro do Luxemburgo, sem qualquer compromisso com a prioridade dos entendimentos com o Mercosul, podem explicar o adiamento dos entendimentos para 2015.

- a negociação entre Brasil e Argentina sobre o acordo automotriz terminou com mais um retrocesso. Ao invés de manter o livre comércio, o governo brasileiro cedeu mais uma vez à pressão argentina e aprovou uma trava a exportação do Brasil de até uma vez e meio do total comprado da argentina (antes era 1,90). O setor privado dos dois países também anunciou um acordo de autolimitação de venda no mercado vizinho de cerca de 44% e as empresas argentinas 11% no brasileiro. Em troca, o governo argentino se comprometeu a eliminar as travas às exportações brasileiras, o que esperamos venha a acontecer.

- a grave situação econômica na Argentina e na Venezuela com crescimento em baixa, inflação em alta e moeda depreciada, e total insegurança jurídica, prejudicam as empresas brasileiras pela redução do mercado e pelo não pagamento das exportações. No caso argentino, a decisão de Juiz americano sobre o pagamento da divida externa levou a outro default, agora técnico, com grave repercussão sobre a percepção externa no Mercosul.

- o comércio do Brasil com a Argentina está afetando por toda essa situação com queda de 20%, sendo que as exportações brasileiras de produtos manufaturados reduziram-se significativamente. Se isso não bastasse, nos últimos anos, registrou-se também desvio de comércio, visto que nossos produtos foram substituídos por chineses, coreanos, mexicanos e chilenos.

O Brasil aposta todas sua fichas comerciais em um grupo que apresenta esses problemas, sem perspectivas de superá-los a curto e a médio prazo.

O que fazer?

O Brasil não tem como evitar sua geografia, mas pode tentar influir no desenvolvimento futuro do Mercosul, ao contrário do que tem sido feito nos últimos doze anos.

O Mercosul, criado por um Tratado em 1991, está isolado das negociações comerciais e sem nenhuma estratégia. Olhando apenas para o estrito interesse brasileiro, a política passiva e reativa em relação ao grupo regional terá de ser revista. A redução da influência ideológica nas decisões e a flexibilização de algumas regras estão entre as mudanças que o Brasil deveria buscar a partir de 2015 com o objetivo de facilitar as negociações comerciais com países que possam ampliar o mercado para as exportações do grupo e permitir acesso a tecnologias e inovações para as empresas brasileiras.

Enquanto o mundo expande rapidamente as negociações comerciais, o Mercosul se perde em longas discussões políticas, cujo foro mais apropriado seria a UNASUL.

O Brasil não pode continuar atrelado ao atraso.

Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comercio Exterior da FIESP.

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