Paraguai Parceiro Estratégico
Rubens Antonio Barbosa
Em momento delicado para as relações com os parceiros do Mercosul, assume no Paraguai, no próximo dia 15, um novo Presidente: Horácio Cartes.
Os presidentesdos países membros do bloco,em recente reuniãoem Montevidéu, decidiram cancelar, a partir desse dia, a suspensão do Paraguai do Mercosul. Cartes, contudo, por meio de comunicado oficial, já informou que seu pais, enquanto a Venezuela ocupar a sua presidência rotativa, não retomaráseu lugar no bloco, nem participará de qualquer reunião por considerar que o ingresso de Caracas não ocorreu “de acordo com as normas legais”. Por pressão da opinião pública e do Parlamento, Cartes endureceu sua posição e diz não abrir mão da defesa da dignidade e da soberania de seu pais, exigindo respeito ao império do direito no tocante às circunstâncias do ingresso da Venezuela.
Tudo indica que o Paraguai vai privilegiar a normalização de suas relações bilaterais com o Brasil, Argentina e Uruguai, mas vai boicotar o Mercosul até dezembro, quando outro país, a Argentina, passaráa coordenar o grupo. Caso isso efetivamente ocorra, os entendimentos com a União Europeia para fazer avançar as negociações de acordo comercial, que se arrastamhá mais de dez anos, terão de avançar sem o Paraguai. O Brasil havia prometido definir a lista comum de produtos a ser entregue aos países europeus até setembro. No último trimestre,os entendimentos seriam retomados antes de expirar o mandato da comissão europeia em dezembro, evitando a interrupção das negociações.
O relacionamento com o Paraguai é exemplo de desacertos recentes na área externa e mostra como a ideologização pode ser contrária ao interesse nacional. É longa a sequência de equívocos. O então presidente Lugoconseguiu de Lula um aumento na sobretaxa paga ao Paraguai pela energia de Itaipú, com custo de bilhões de dólares para a sociedade brasileira. Enquanto negociava, Lugo permitiu, se é que não incentivou, uma perseguição impiedosa aos brasiguaios, apesar de a imensa maioria daquela comunidade ter nascido no Paraguai e possuir cidadania guarani. Quando o Congresso paraguaio, por imensa maioria e de acordo com as regras definidas em sua Constituição, destituiu Lugo por “mau desempenho de suas funções”, a decisão foi referendada pela Corte Suprema e pelo próprio ex-presidente.O Brasil e seus vizinhos do Mercosul, no entanto, alegando violação da cláusula democrática, resolveram que nem as instituições nem o povo paraguaio - que em sua maioria apoiou a decisão - sabiam o que era legítimo ou melhor para eles, trataram de suspender o país do bloco e de retirar seus embaixadores do Paraguai. Com a sanção politica ao parceiro estratégico, a Venezuela pôde ser aceita como membro pleno do Mercosul, já que o Senado paraguaio era (e continua sendo) o único a não aprovar a entrada do novo membro no bloco. Talvez o mais irônico seja que esse exemplo de ingerência nos assuntos internos do Paraguai tenha sido feita com a desculpa de “resguardar a democracia”, como se Argentina, Bolívia e Venezuela fossem exemplos a serem seguidos.
O vazio politico-diplomático deixado por esse episódio não causou um mal maior porque o setor privado brasileiro e paraguaio se articulou e avançou uma agenda de interesse mútuo visando a aumentar os investimentos brasileiros no Paraguai estimulados pelo diferencial de competitividade entre os dois países (lá o custo de produção é cerca de 35% mais baixo do que no Brasil) e pela construção em fase final de linha de transmissão levando a energia de Itaipu até Assunção. A Fiesp promoveu em São Paulo seminário sobre oportunidades de negócios no Paraguai, e planeja encontros entre empresas dos dois países depois da posse do novo presidente.
Nos últimos anos, o Brasil definiu uma série de parcerias estratégicas com outros países. Poucas, no entanto, podem ser mais relevantesdo que aquela com o Paraguai: 350.000 brasileiros lávivem e trabalham, ajudando o pais a tornar-se um grande produtor agrícola;20% de toda energia consumida na região mais industrializada de nosso pais depende da potência gerada por Itaipu, inclusive a não consumida pelo Paraguai.
O que ganhou a sociedade brasileiracom o abandono dos princípios de respeito aos contratos e de não ingerência nos assuntos internos de outros países, para defender um governo como o de Lugo? A opção preferencial pela Venezuela e pela Argentina, deixa em segundo plano nossos interesses mais permanentes com o Paraguai elega um custoa ser arcado e administrado pelos nossos futuros governos.
O relacionamento com os países da América do Sul, devido a esse e outros equívocos, será o maior problema que o Itamaraty deverá enfrentar nos próximos anos.
Não resisto uma referência à opinião do então ministro do exterior, Barão do Rio Branco, sobre as relações Brasil-Paraguai. De forma lapidar, o patrono da diplomacia brasileira, com clara percepção dos interesses brasileiros e com visão de futuro,definiu qual deveria ser o tom das relações bilaterais. Em 1903, em um contexto que ainda tinha bem presente os acontecimentos militares e as disputas na Bacia do Prata, Rio Branco deixou registrado para a historia que“O Brasil é e será sempre amigo do Paraguai quaisquer que sejam seus governantes”. É importante resgatar essa percepção, no momento em que altos funcionários do governo de Assunção recordam a formação da Tríplice Aliança (Argentina, Brasil e Uruguai) contra o Paraguai no conflito do século XIX, repetida, por coincidência, agora na questionávelpunição ao Paraguai pelo Mercosul.
Cem anos depois, o ensinamento de um dos maiores estadistas brasileiros foi esquecido em nome de afinidades ideológicas e de uma agenda que não favorece o Brasil.
Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp