12/03/2013
CHAVES E O FUTURO DE CHAVISMO
Rubens Antonio Barbosa

Quando exerci as funções de embaixador em Washington, tive a oportunidade de conhecer e de participar de algumas poucas reuniões com o Presidente Hugo Chaves no contexto da Cúpula das Américas e das negociações da ALCA.Impressionava-me, além do carisma, o seu voluntarismo. Um homem comum, com determinação incomum.

Orador sem papas na língua e conhecido por seus longos discursos, “ala Fidel Castro”, se tivesse seguido o conselho do Cardeal Mazarin, em seu Breviário para os Políticos “seja pouco loquaz a fim de evitar colocar em perigo tua bolsa ou tua vida pelas palavras supérfluas”, teria partido sem ouvirdo Rei Juan Carlos aquele famoso “por que não te calas?”

Estigmatizado por uns como líder totalitário por violar as liberdades individuais, subjugar o legislativo e o judiciário, deixar a economia devastada pela incompetência da gerência e exaltado por outros como líder carismático que ampliou a participação popular, desenvolveu programas sociais e democratizou o pais com profundas mudanças na vida politica e econômica, Chaves, não foi nem plenamente democrata, nem plenamente autoritário.

As eleições marcadas para 14 de abril não trarão surpresas.O presidente-candidato, Maduro,apesar da polarização e radicalização politica, não terá dificuldade de convencer a maioria dos eleitores que tem condições de levar adiante o ideário de Chaves, sobretudo no tocante aos programas sociais para os mais pobres.

A nova liderança,para se afirmar, deverá,de início,radicalizar sua retórica, tanto interna quanto externa com apoio militar. Resta conferir se governará de forma autoritária ou tenderá a reduzir a extrema interferência do Estado tendo em vista as dificuldades para estabilizar a economia. Em qualquer hipótese, o chavismo deverá continuarcom diferente entonação. Chaves – transformado em mito - estará para a Venezuela assim como Peron está para a Argentina:eternamente cultuado,a exploração de sua imagem garantirá a continuidade de uma liderança renovada com nuances e mudanças que a conjuntura determinar.

Chaves defendeuno hemisfério um modelo alternativo de desenvolvimento econômico e politico com forte critica contra os EUA, criando uma aliança com Equador, Bolívia, Nicarágua, El Salvador no que chamou de ALBA (Aliança Bolivariana das Américas). Qual o destino da ALBA sem seu inspirador e principal expoente? Como será o futuro do Socialismo do Século XXI e da Revolução Bolivariana sem seu líder e mentor? Não creio que a sombra de Chaves possa ser tão longa como a de Che Guevara ou Fidel. Mesmo que Maduro e o equatoriano Rafael Rodrigues tentem manter viva a chama bolivariana e assumam a liderança da Alba, depois de algum tempo as ideias-força do movimento, respaldadas pela força do petrodólar, tenderão a desaparecer. A mensagem bolivariana só poderia ser transmitida por alguém com a energia e a personalidade do presidente venezuelano. Não parece ser o caso do sucessor de Chaves, nem do presidente do Equador, pais sem a visibilidade, nem a importância econômica da Venezuela.

É possível prever um menor ativismo externo por parte do governo de Caracas, mais preocupado em evitar divisões internas, tomar as rédeas da economia e manter os programas sociais. Nesse sentido, pode-se indagar o destino dos programas de assistência financeira e depetróleo a preços subsidiados, aos demais membros da ALBA, em especial a Cuba, que recebe mais de US$ 7bilhões por ano. É possível prever uma atuação menos militante do governo de Caracas em temas hemisféricos, como a Cúpula das Américas e a OEA e a Comissão de Direitos Humanos. Caso prevaleça essa tendência, a atuação da diplomacia venezuelana terá perfil mais baixo, diferente do que ocorreu nas questões de Honduras, das Farc na Colômbia e mais recentemente na suspensão do Paraguai e do ingresso da Venezuela no Mercosul. Apesar da retórica antiamericana, não será surpresa uma gradual distensão nas relações com os EUA e menor militância na divisão dos países da América do Sul em relação a Washington, sobretudo se, a exemplo do Brasil, as relações com o Irã se tornarem menos intimas.Os primeiros contatos com os EUA foram feitos recentemente com o vice-presidente Maduro sobre a cooperação no combate ao narcotráfico. Apesar das resistências de setores industriais quando da entrada da Venezuela no Mercosul, não é de se esperar que haja retrocesso no processo de integração com Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A Venezuela deve permanecer no subgrupo regional e os compromissos assumidos no Protocolo de Adesão deverão ser mantidos, apesar de nem sempre cumpridos.

Os três governos brasileiros (FHC, Lula e Dilma) que tiveram de tratar com Chaves, procurarammoderar seu voluntarismo, visando atrair e não isolar a Venezuela apesar das ações muitas vezes provocadoras do presidente venezuelano.

O incremento das relações políticas e econômico-comercias do Brasil com a Venezuela,iniciada com FHC,se consolidou por decisão pessoal de Hugo Chaves por suas afinidades ideológicas com Lula e Dilma. O comércio, os investimentos e, sobretudo, os serviços brasileiros cresceram significativamente durante os anos de Chaves no poder. O portfolio de empresas construtoras brasileiras na Venezuela sobe a cerca de US$20 bilhões, o que explica, em larga medida, o apoio de Lula e de Dilma ao projeto de Chaves de se juntar ao Mercosul. O superávit comercial brasileiro é o maior entre nossos parceiros externos.Chaves foi, de fato, um grande amigo (ideológico) do Brasil. O sucessor de Chaves deverá manter os compromissos do líder morto. A incógnita reside na incerteza da continuidade dessa ampla cooperação, quando a oposição assumir o poder em uma das futuras eleições.

Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

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