12/04/2011
Mercosul 20 anos depois
Rubens Antonio Barbosa
Quando da criação do MERCOSUL pelo Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, as circunstâncias políticas e comerciais eram muito diferentes das existentes hoje.
A prevalência das visões nacionais, as diferenças surgidas na América do Sul e a emergência da China como primeiro parceiro comercial de muitos países da região, inclusive o Brasil, tornaram a negociação no âmbito do MERCOSUL mais difícil.
Em seu início, o Mercosul estava voltado para a integração econômica e comercial. As negociações para a abertura dos mercados dos países membros foram importantes para as empresas brasileiras, servindo como um exercício útil para o acompanhamento e a negociação de acordos regionais e multilaterais. A motivação para promover a liberalização comercial e a coordenação macroeconômica com vistas a chegar-se a um mercado comum foi sendo aos poucos perdida.
Os descumprimentos do Tratado de Assunção começaram em 1995, quando a Tarifa Externa Comum (TEC) entrou em vigência e o grupo passou para a fase de união aduaneira. Todos os países estavam imersos em graves crises econômicas.
Ao longo dos anos, em especial nos últimos quatro ou cinco, com as crescentes dificuldades institucionais para avançar o projeto de integração, como inicialmente concebido, os países, liderados pelo Brasil, passaram a dar ênfase aos aspectos políticos e sociais das relações. Embora essas novas ênfases representem uma distorção do Tratado de Assunção, muitos vêem essas medidas como igualmente importantes para a integração regional. Esse processo, no entanto, vive hoje um momento de crise institucional, que, caso fosse superada, poderia fazer crescer ainda mais o relacionamento comercial entre os países membros.
Os atuais órgãos do Mercosul funcionam de maneira precária, o que não permitiu maiores avanços nas negociações. O Tratado de Assunção seguiu sendo seguidamente desrespeitado por todos os países membros, com crescentes exceções à TEC, aplicada apenas a cerca de 35% dos produtos, e restrições às exportações, como licenças prévias e restrições voluntárias, contrárias à letra e ao espírito do Tratado. A freqüente mudança de regras gera insegurança jurídica e incerteza para os investidores e para as empresas industriais e exportadoras. Esses fatos não impedem que empresas individuais aproveitem as oportunidades de comércio e de investimento existentes nos países do MERCOSUL, como ocorre com as brasileiras.
A necessidade de avanços institucionais, para corrigir os rumos do Mercosul, deverá exigir esforços adicionais para fortalecer a TEC, o mecanismo de solução de controvérsias, o sistema normativo, o Parlamento e a transformação do sistema de votação de consensual para ponderado.
Os números do intercâmbio comercial intra-bloco são bastante positivos e alcançaram níveis recordes (US$ 45 bi) em 2010. Não são as virtudes do Tratado de Assunção, contudo, que despertam o ativismo do setor privado nos paises membros. A realidade é que o MERCOSUL comercial perdeu importância relativa. No caso do Brasil, as trocas dentro do bloco representavam em 1998 cerca de 17% do comércio exterior brasileiro. Em 2010, caíram para cerca de 9% do total.
Mesmo reconhecendo o reduzido impacto para a estrutura produtiva nacional e a quase marginalidade para as necessidades brasileiras de modernização produtiva, o processo de integração sub-regional é um ganho político e econômico para os países membros, pela relevância no plano estratégico-diplomático.
Para ser objetivo, e não parecer apenas negativo, não se deve esquecer os avanços que ocorreram recentemente no processo de negociação. Depois de seis longos anos de discussão e impasses, foram aprovados o código aduaneiro, com algumas concessões contra o livre comércio, para entrar em vigor até 2019, a gradual eliminação da dupla cobrança da TEC, em etapas sucessivas que terminarão em 2017, e a distribuição da renda aduaneira. Foram feitos avanços também no Fundo para a Convergência Estrutural (FOCEM) que hoje sobe a US$ 470 milhões. Com recursos do FOCEM, em larga medida integralizados pelo Brasil, estão sendo financiados nove projetos no valor de US$ 800 milhões para a construção de estrada no Paraguai e a implantação de linhas de transmissão elétrica na Argentina, no Paraguai e no Uruguai.
No tocante à agenda externa, a prioridade atribuída, nos últimos oito anos, às negociações multilaterais da Rodada de Doha explica, em parte, a parcial paralisia dos entendimentos mantidos pelo MERCOSUL. O reduzido número de acordos comerciais assinados (Israel e Egito) e em negociação é resultado tanto dos interesses conflitantes como da dificuldade de entendimento entre os quatro países membros. Impõe-se a flexibilização das regras para permitir que cada país possa negociar individualmente. O fracasso da Rodada e as dificuldades para avançar nos entendimentos com a União Européia, sobretudo agora com as hesitações da Argentina, deixaram o Mercosul em situação de isolamento. O ingresso da Venezuela poderá tornar esse quadro ainda mais complicado.
A fidelidade do Brasil ao Mercosul durante o governo anterior, apesar da perda de espaço para outras instituições recém criadas, como a Unasul, pela superposição de competências, foi uma garantia da não desintegração do sub-grupo regional,.
É em meio a uma crise institucional que o Tratado de Assunção completa 20 anos e o Mercosul se torna cada vez menos relevante no contexto do comércio exterior brasileiro.
É o momento de termos uma idéia clara do que se quer para o Mercosul. E o Brasil deveria liderar, com vigor, os esforços para retomar o projeto inicial de liberalização comercial.
Rubens Barbosa, ex-Embaixador em Washington (1999-2004)
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