11/10/2011
Terrorismo e Segurança Nacional
Rubens Antonio Barbosa

Em artigo recente, procurei mostrar que o mundo não mudou em decorrência dos ataques terroristas de 11 de setembro, mas que a sociedade norte-americana sim. Os EUA nunca tinham sido atacados em seu território desde 1814, quando, na guerra anglo-francesa, depois da independência, a Casa Branca foi incendiada pelos ingleses. A alma americana foi profundamente afetada, o que explica a mudança rápida ocorrida no comportamento do povo e do governo norte-americanos.

Uma das conseqüências da transformação da sociedade norte-americana foi a obsessiva preocupação quanto à possibilidade de novos atos terroristas. Em conversa com o presidente eleito Lula, em dezembro de 2002, o presidente G.W.Bush, disse enfaticamente que “todos os dias, sentado a mesa onde trabalharam Kennedy e Johnson, recebia do CIA mais de 40 alertas de possíveis ataques terroristas”.

A guerra global contra o terrorismo passou a ser a primeira prioridade do governo de Washington. Impedir novos ataques ao território norte-americano e capturar vivo ou morto Bin Laden e outros lideres da Al Qaeda foram objetivos perseguidos tenazmente nos últimos dez anos.

Depois de 11 de setembro, um tentacular aparato de segurança nacional foi criado. Integrada por agências governamentais, companhias privadas e por comandos militares, formou-se uma rede sigilosa dentro do governo norte-americano (Pentágono, CIA, Departamento da Segurança Interna), que se tornou um braço autônomo e auto-sustentável do governo e pouco conhecido pela opinião pública norte-americana.

Desde os ataques terroristas, o número de pessoas contratadas para trabalhar em programas ultra-secretos sobe a mais de 250.000. Mais de 1.200 organizações do governo e cerca de 2.000 empresas privadas foram criadas e trabalham em programas sigilosos relacionados com a luta global contra o terrorismo, defesa interna e inteligência em mais de 10.000 edifícios espalhados por todo país. Somente na região de Washington, nos últimos dez anos, foram construídos ou estão em construção 33 conjuntos de prédios para tratar desses temas, um deles verdadeira cidade secreta. Mais de 850.000 funcionários e não funcionários do governo dispõem de acesso a informações ultra-secretas.  

Analistas, que tentam interpretar documentos e conversações, obtidas por meio de espionagem doméstica ou externa, compartem suas idéias por meio de mais de 50.000 relatórios de inteligência todos os anos, um volume tão grande que faz com que sejam rotineiramente ignorados. Ninguém no governo sabe exatamente qual o montante dos custos envolvidos, quais os programas que realmente são relevantes e mereceriam ser mantidos ou quantas agências estariam duplicando o mesmo trabalho. A polícia, sob a justificativa de combater o terrorismo, está usando instrumentos de alta tecnologia, utilizados na guerra do Afeganistão e do Iraque, para investigar ativistas políticos ou mesmo cidadãos comuns.

Apesar de todo esse aparato, ninguém é claramente responsável pela coordenação das ações contra terrorismo. Os civis e militares que trabalham nessa engrenagem tem um conhecimento limitado do que os demais membros dessa comunidade estão fazendo. Seu funcionamento se assemelha muito às células dos movimentos armados de contestação ao regime militar no Brasil, com poucos vasos comunicantes e informação parcial entre todos.

Tudo isso foi revelado agora com a publicação do livro TOP SECRET AMERICA (A America ultra-secreta), da jornalista Dana Priest e de William M. Arkin. Exemplo de jornalismo investigativo, o livro revela aspectos desconhecidos do crescimento dos órgãos de segurança e da comunidade de informações e o impacto disso nas ações do governo, na política interna e na externa.

A cultura do medo justificou o gasto para enfrentar a ameaça do terrorismo. Isso levou à crença de que o governo deve fazer tudo para evitar o risco de ataque, antes que ele ocorra, sem diferenciar uma rede de terroristas de uma ação isolada de pessoa desequilibrada.

Obama, ao assumir, herdou dois governos: um, administrado de maneira mais ou menos aberta, e outro, paralelo, ultra-secreto, que, em uma década, se expandiu sem controle, e, no dizer do chefe da inteligência do Pentágono, só é conhecido, na sua totalidade, por Deus.

Essa máquina de combate ao terrorismo desenvolve meios próprios para alcançar seus objetivos. Significativos e sofisticados avanços tecnológicos foram desenvolvidos visando à busca de pistas para descobrir possíveis ameaças e mesmo para a eliminação física de lideres de organizações terroristas. Dos muitos exemplos citados no livro, ressalto os veículos não tripulados (VANTs ou ”drones”) e a guerra cibernética. Os VANTs são responsáveis pela coleta de informações e pelo assassinato de indivíduos marcados para morrer por sua atuação em atividades consideradas como ameaça para os EUA. Com autorização presidencial (Memorando Secreto), estão sendo utilizados no Afeganistão e no Iraque, foram empregados para identificar os passos de Bin Laden no Paquistão e mais recentemente estão sendo usados na Líbia e no Yemen. Grupos libertários, acadêmicos e cientistas começam a questionar o governo dos EUA por essa auto concedida licença para matar, em qualquer país, o que coloca em causa questões legais, éticas e mesmo leis internacionais.

Os meios sofisticados de quebra de sigilo na internet e de defesa e ataque na guerra cibernética tornam os desenvolvimentos nessa área um dos meios mais avançados de que dispõe a comunidade de segurança para interferir, com precisão e discrição, na vida privada e em assuntos internos de outros paises, como se viu, recentemente, no ataque aos computadores do Irã, visando a atrasar o programa nuclear daquele país.

Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington (1999-2004)

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