Vinte anos atrás, o Brasil lutava para sobreviver as fortes crises internacionais e a grande instabilidade econômica interna. Ainda está na memória coletiva impacto das crises mexicana, asiática, russa e argentina, da do déficit fiscal, dos desmandos do estado empresário e dos efeitos nefastos da inflação para o trabalhador.
O cenário hoje graças a continuidade da política econômica nos últimos quase 20 anos é bastante diferente. Estamos preocupados com a inflação que chegou a 6,5% em 2011, mas poucos se lembram que na década de 90 era de 3% ao dia. A estabilidade econômica e os programas sociais permitiram a expansão do mercado interno com a ascensão da classe medida que hoje representa 54% da população brasileira, quando o quadro era de empobrecimento e de desemprego.
Respaldada pelo fortalecimento e crescimento da economia brasileira e pela estabilidade política e institucional, a percepção externa sobre o Brasil mudou gradualmente, ao mesmo tempo em que aumentou a visibilidade e a atuação brasileira, no cenário internacional, agora como a 6a economia global. A crescente projeção externa brasileira se reflete na presença internacional além dos limites do continente sul-americano, na internacionalização da empresa brasileira e na afirmação de nossos interesses no BRICS e nos fóruns internacionais em temas globais como meio ambiente, mudança de clima, comércio exterior, energia, agricultura, água e direitos humanos.
O cenário internacional experimentou mudanças de natureza tectônica, aceleradas pela crise financeira e econômica que abalaram os fundamentos da globalização e do mercado. A gradual mudança do eixo econômico e político do Atlântico para o Pacífico com a emergência da Ásia, sob a liderança da China, motor do reordenamento produtivo global. O novo cenário eliminou o unilateralismo bushiano e trouxe a multipolaridade dos centros de poder econômico e político, tendo como elemento principal o surgimento dos países emergentes como, em especial, a China, a Rússia, a Índia e o Brasil.
Dentro desse novo quadro, esboçado de maneira sumária, quais os grandes desafios que o Brasil passou a enfrentar? Essa discussão, que ainda não está posta de maneira clara para a sociedade brasileira, não poderá ser adiada por muito tempo, sob risco de colocar em perigo o crescimento da economia brasileira, nos próximos anos, e a eficácia da atuação do Brasil no cenário externo.
Quando combinados os dois aspectos mencionados (as transformações globais e a projeção externa), surgem pelo menos dois desafios para os formuladores de políticas econômica e externa: como ajustar a política econômica interna a essas mudanças e como adaptar a política externa ao novo papel que o Brasil passou a desempenhar no concerto das nações. Políticas ad hoc e paliativas começam a mostrar rendimento decrescente e não demorará muito para a sociedade demandar fortemente que os problemas reais nas duas áreas seja enfrentados com coragem e determinação.
De maneira bastante simplificada, os desafios da economia interna são a manutenção e a ampliação das taxas de crescimento, a manutenção do controle da inflação, a perda da competitividade, a desindustrialização e os problemas que cercam o comércio exterior. O Brasil crescentemente integrado na economia global esta vulnerável a crise econômica européia e a desaceleração da economia dos EUA, pela redução das exportações, dos fluxos e das linhas de crédito a exportação, pela avalanche de produtos chineses que competem, muitas vezes de forma ilegal, com a produção nacional, e pelo protecionismo, inclusive de nossos parceiros mais próximos.
Na politica externa, ajustes começam a ser feitos, mas deverão ser incrementados em função do novo papel desempenhado pelo Brasil. Temos de enfrentar o desafio de ter de assumir a liderança em nossa região e repensar o processo de integração e o Mercosul. Ademais o Brasil terá de assumir novas responsabilidades perante a comunidade internacional nos temas globais e nas áreas de conflito onde manifestamos interesse em ter um papel mais preeminente, como na África e no Oriente Médio. Temos de enfrentar a contradição entre interesses e valores que também confronta países que já ocupam posição de visibilidade e influência no contexto das nações. Sem perder de vista nossos interesses políticos, econômicos ou comerciais, não podemos deixar de defender valores que respeitamos internamente como democracia e direitos humanos. Para exercer efetiva liderança e passar a influir de forma concreta, o Brasil tem de ser propositivo, como ocorreu corretamente em dois exemplos recentes: a proposta de discutir-se não só a responsabilidade de intervir, mas também a responsabilidade ao intervir, tendo em mente o desastre ocorrido na Líbia, e a proposta feita ao Secretário Geral das Nações Unidas para se examinar a legalidade, perante as normas internacionais, do direito de intervir preventivamente em terceiros estados, como ocorre agora nas ameaças ao Irã.
O Brasil já está sendo propositivo em relação a África, mas poderia ser mas explícito em relação aos EUA e ao BRICS, novo e importante instrumento da política externa brasileira para projetar nossos interesses além dos limites territoriais sul-americanos. Os resultados da visita presidencial a Washington e do encontro dos BRICS na Índia são exemplos recentes dessa atitude.
Em conclusão, o Brasil enfrenta hoje um grande desafio geopolítico e geo econômico. Temos de sair de uma posição defensiva nas politicas econômica e externa e decidir que país queremos ser. A ausência de debate sobre essas questões mostra uma falta de visão estratégica de médio e longo prazo do governo, dos trabalhadores e do setor empresarial.