09/04/2013
A OMC NA ENCRUZILHADA
Rubens Antonio Barbosa

Para discutir o funcionamento do sistema multilateral de comércio, o International Center for Trade andSustainableDevelopment e o World Trade Institute, de Genebra, resolveram criar um grupo de peritos.

Convidado a integrá-lo, participei em Genebra de dois dias de reuniões em que foram passados em revista diferentes aspectos da situação atual da Organização Mundial de Comércio (OMC) à luz do fracasso da Rodada de Doha e da proliferação dos mega acordos regionais e bilaterais de comércio.

A função negociadora da OMC, um dos pilares da organização, e a participação e maior engajamento do setor privado nos entendimentos multilaterais foram dois dos principais temas tratados pelo grupo de peritos.

O grande número de países membros tornou difícil o processo decisório baseado no consenso e deixou a negociação necessariamente mais arrastada e demorada, chegando muitas vezes a paralisá-la. Há uma forte demanda dos países membros por maior participação, ao mesmo tempo em que cresce o anseio por mais transparência nas decisões epela redução das assimetrias na capacidade de absorção das informações, cada vez mais técnicas e complexas.

Estão sendo cogitados ajustes na regra do consenso, no tocante `a tomada de decisãopara evitar que os entendimentos sejam bloqueados por um número reduzido de países; maioria qualificada, massa crítica, geometria variável, acordos plurilaterais e setoriais são algumas das ideias colocadas sobre a mesa.

O impacto das decisões da OMC sobre as operações comerciais também ocupou boa parte das discussões do grupo. Afinal, as decisões tomadas pelos governos afetam diretamente o setor produtivo e exportador privado. Há um sentimento geral de que o empresariado não está devidamente informado sobre as negociações multilaterais que ocorrem em Genebra e nem está preparado para acompanhá-las pela sua complexidade. O fracasso da Rodada Doha nos últimos dez anostambém contribuiu para o desestímulo do setor.

Os peritos reconheceram haver um crescente interesse por parte de todos os países em propiciar uma maior participação do setor privado. Registrou-se a disposição dos governos em responder aos empresários com mais informação e explicações. Apesar disso, sendo a OMC uma organização intergovernamental, não está prevista a participação de empresas, associações ou federações nas delegações dos países membros, nem a presença delas nas reuniões fechadas. Como aumentar o nível da informação sobre as negociações e da transparência nas decisões tomadas pelos governos para que haja um efetivo engajamento da comunidade privada? Como os governos poderiam aproveitar melhor a experiência e o conhecimento do setor privado? A OMC poderia receber contribuição diretamente desse grupo? Foram aventadas diversas possibilidades, como a criação de um Conselho Consultivo do setor privado ou de um Conselho Empresarial da OMC para fazer recomendações aos governos sobre os temas em discussão.

Em termos mais gerais, ficou claro em nossos debates que, com 159 membros, a OMC deixou de ser um clube que regula o comércio tradicional e busca a liberalização dos fluxos de intercâmbio pela redução ou eliminação das barreiras tarifárias e não tarifárias na fronteira. A negociação multilateral está entrando em nova fase. A elaboração de regras de comércio nos acordos regionais e bilaterais, nos últimos vinte anos, está marginalizando a OMC e vai obrigar os países membros a adaptar a organização às novas demandas de transparência e tratamento justo exigidas pelospaíses que não fazem parte das negociações dos acordos de livre comércio. Os acordos dos EUA com a Ásia e com a União Europeia vão criar uma dinâmica distinta no comércio internacional, baseada na integração das cadeias produtivas globais. A tendência atual nas negociações plurilaterais para promover a liberalização dos mercados é a redução das restrições existentes dentro do território (“behindtheborderrules”) dos países que participam desses entendimentos. Além da redução das tarifas e das barreiras não tarifárias, o que está sendo discutido nos mega acordos são regras que vão além daquelas existentes na OMC, como investimento, serviços, compras governamentais, propriedade intelectual, ou mesmo que nem estão reguladas pela organização, como controle de capital.

Como os países que estão discutindo e já aprovaram regras nos acordos regionais e bilaterais fora da OMC são também membros da organização, o momento é de perplexidade. Como será feita a transição da instituição para absorver o novo cenário que se abre com os mega acordos? Será possível incorporar as novas regras à OMC? O esforço realizado nas grandes rodadas de negociações, como a de Doha, onde o principio básico de que nada seria decidido sem que tudo estivesse decidido, parece esgotado, pois as expectativas agora são diferentes. Os países que não estão participando dessas mega negociações – inclusive os emergentes, onde se inclui o Brasil – relutam em encarar negociações futuras sobre essas regras. Outros, como a China, estão sendo deliberadamente excluídos por questões geopolíticas.

Não se trata portanto de uma questão menor de procedimento (como facilitar a tomada de decisões no âmbito da OMC, a manutenção ou não de “single undertaking” e do tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo). Trata-se de um problema de substância das negociações comerciais que abrem caminhos em áreas nunca antes reguladas.

As discussões no âmbito do grupo de peritos, depois de novo encontro em junho, serão resumidas em um documento com propostas concretas a serem encaminhadas à reunião ministerial da OMC que ocorrerá em Bali, na Indonésia, em dezembro.

Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

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