A crise econômica na Europa, com a queda do crescimento e o aumento do desemprego, não impediram entendimentos ou o início de negociações comerciais da União Européia (UE) com os EUA, India, Canadá, Vietnã, Coréia.
O mesmo não acontece com as negociações com o Mercosul.
Na última reunião entre o Mercosul e a UE, em março último, os grupos de trabalho avançaram nos textos sobre regras (concorrência, defesa comercial, solução de controvérsias, compras governamentais, investimentos, regras de origem, barreiras técnicas, medidas sanitárias), continuando pendente a troca de ofertas de produtos.
A decisão de Bruxelas de manter os subsídios agrícolas na UE até 2020 e a posição do governo uruguaio de rever a decisão de negociação conjunta dos países do Mercosul poderão representar dificuldades adicionais para a retomada desses entendimentos.
Existe uma série de questões pendentes que compõem o estágio atual do contencioso com a UE e que de alguma forma deverão ser examinados visando a um acordo de livre comércio.
- Dois painéis sobre açúcar e pneus no Mecanismo de Solução de Controvérsias (MSC) da OMC, ambas com o Brasil tendo ganho de causa. Os dois processos foram encerrados e estamos hoje cumprindo plenamente a decisão, tendo permanecido a proibição de importações de pneus usados da UE.
- Questão das apreensões abusivas, por alfândegas européias, de medicamentos genéricos em trânsito. Essa questão não evoluiu para um painel, tendo sido satisfatoriamente encaminhada, pelo menos até o momento, por meio de consultas.
- Embora não haja em curso nenhum processo Brasil-UE no MSC, existem questões que poderão evoluir na direção de um contencioso: No caso de restrições técnicas á exportações brasileiras de carne de frango, a CAMEX já chegou a autorizar o início de procedimento no MSC, mas a decisão final ainda não foi tomada. No caso de restrições à carne bovina, há outras duas barreiras que poderão motivar procedimentos no MSC: barreiras técnicas à exportação de carne e a resolução 61 que instituiu a obrigatoriedade de rastreamento/registro de propriedades rurais aptas a exportar para o mercado europeu.
- Discriminação sofrida pelo café solúvel brasileiro. As exportações de outras origens para a UE, beneficiadas pelo Sistema Geral de Preferências (SGP) europeu recebem tarifa zero, enquanto o Brasil paga 9%. Há pressões recorrentes em favor da abertura de processo, mas há dúvidas sobre a possibilidade de êxito.
- Do lado da UE, o aumento de 30 pontos percentuais do IPI sobre automoveis importados gerou queixas e restrições.
Em sentido mais amplo, nosso principal contencioso com a UE diz respeito às barreiras concentradas nas exportações de produtos agrícolas, seja por picos tarifários, seja por razões sanitárias ou fito-sanitárias, como as da resolução 61. Dentre os irritantes com a UE, cabe mencionar a questão dos subsídios agrícolas. As últimas estimativas da OCDE mostram que o apoio recebido por produtores europeus sobe a mais de 20% do valor da produção, em comparação com 5% no Brasil. Como se sabe, subsídios agrícolas constituem um dos itens mais sensíveis no âmbito das negociações Mercosul-UE.
Sempre fui cético a respeito das perspectivas de conclusão dos entendimentos visando a um acordo comercial amplo e abrangente com a UE por dificuldades políticas nos principais países do velho continente. Nunca acreditei que eles pudessem aceitar as condições do Mercosul na área agrícola como contrapartida para as concessões nos setores industriais e de serviço de interesse europeu.
Se os entendimentos do Mercosul com a UE são difíceis, a grave crise entre a Argentina e a Espanha, em virtude da nacionalização da empresa de petróleo Repsol torna sua conclusão ainda mais problemática. A Argentina cancelou recente visita de alto funcionário europeu e a próxima reunião negociadora, que se realizaria em Buenos Aires, não foi marcada e teve de ser transferida para o Brasil.
Caso as negociações com a UE não prosperem, o Brasil continuará a ser um dos poucos países a não ampliar sua rede de acordos de livre comércio. Nos últimos doze anos, o Brasil negociou apenas um acordo comercial em vigor, com Israel. Os dois outros assinados com o Egito e com a Autoridade Palestina ainda não entraram em vigor e tem pouca relevância comercial.
A situação ficará ainda pior para o Brasil se a UE e os EUA formalizarem nos próximos anos um acordo comercial estendendo preferências na área agrícola para os EUA. Isso afetaria a competitividade dos produtos agrícolas brasileiros no mercado europeu e acarretaria a perda de espaço para os dos EUA. Por outro lado, o já anunciado desaparecimento do SGP, que beneficia cerca de 15% das exportações brasileiras para a Europa, tornará ainda mais difícil o acesso de produtos manufaturados naquele mercado.
No difícil contexto político, agravado pela decisão argentina e a reação espanhola, o Mercosul, para avançar os entendimentos, não terá alternativa, senão repetir com a UE o que foi feito com Israel e com a Comunidade Andina de Nações: formalizar um acordo quadro Mercosul-UE, que incluiria normas comerciais, e aprovar, como propõe o Uruguai, a negociação de listas individuais, separadas, de produtos, com regras de origem e salvaguardas rígidas. Os países membros do Mercosul, no futuro, poderão negociar a convergência da Tarifa Externa Comum, a qual, aliás, não está sendo respeitada por ninguém pelas sucessivas e crescentes exceções.
O Brasil não pode continuar sem uma estratégia de negociação comercial e permanecer assim à margem da tendência global de abertura de mercado por meio de acordos de livre comércio.