28/12/2004
A Fiesp e o Mercosul 
Rubens Antonio Barbosa

Continua grande a preocupação do setor industrial de São Paulo com os rumos do Mercosul. A reunião do Conselho do Mercosul, com a presença de todos os presidentes dos países membros, no último dia 17, não discutiu nem aprovou nenhuma medida que possa ser interpretada como um passo adiante na direção do restabelecimento da confiança e da credibilidade do subgrupo regional.

São mais simbólicas do que efetivas as principais medidas adotadas, como a criação do Parlamento em 2006, os estudos para a criação de um fundo para o financiamento de convergência estrutural, sem saber de onde virão os recursos, e a aprovação de protocolo para compras governamentais, que estende o tratamento nacional a empresas do Mercosul, ainda por ser regulamentado. Além de avanços cosméticos no programa de trabalho 2004-2006, a exemplo de estudos para eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC), para produtos com zero de tarifa e, portanto, de sem efeito fiscal.

Mesmo sob a presidência do Brasil, o que se conseguiu foi apenas empurrar com a barriga, mais uma vez, os verdadeiros problemas da União Aduaneira.

O Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em reunião anterior ao encontro presidencial, examinou a atual situação de virtual paralisia do Mercosul e as implicações das medidas restritivas impostas pela Argentina contra produtos brasileiros.

De um ângulo positivo, o conselho registrou a recuperação dos fluxos do intercâmbio bilateral, estimulada pelo crescimento das economias argentina e brasileira, e a ação, extremamente construtiva, do empresariado brasileiro nas negociações setoriais com o lado argentino no exame das restrições impostas sem base nas disposições do Tratado.

Quanto às preocupações no tocante ao futuro do Mercosul, o conselho registrou três aspectos que considera relevantes para o encaminhamento de soluções efetivas para a recuperação da credibilidade e da segurança jurídica do Mercosul:

Descumprimento das regras do Tratado de Assunção - O descumprimento das disposições do Tratado de Assunção gera uma situação de instabilidade das regras, falta de previsibilidade para os agentes econômicos e de dificuldade para a aproximação de posições de negociação com terceiros países.

Não basta "mais Mercosul" para resolver problemas conjunturais, como se vem repetindo retoricamente. É necessário um Mercosul para valer, no qual as regras e as disposições regulamentares sejam respeitados por todos.

É importante que o Brasil lidere um efetivo esforço para restabelecer a credibilidade do subgrupo e a aplicação de suas normas.

Criação de salvaguardas permanentes, segundo proposta argentina - A Fiesp não concorda com as propostas feitas pelo governo argentino sobre o estabelecimento de mecanismo de salvaguardas permanentes para proteger seus produtos, por serem elas contrárias ao espírito e à letra do Tratado de Assunção, como, aliás, reiteraram os presidentes do Uruguai e do Paraguai.

Aprovação do programa de trabalho 2004-2006 - Na reunião de cúpula do Mercosul, em julho de 2003, o Brasil apresentou um programa para a consolidação da União Aduaneira e para o lançamento do mercado comum, sintetizado sob o título Objetivo 2006.

O documento brasileiro reúne iniciativas de um programa para a efetiva implementação da União Aduaneira. De acordo com a proposta, as perfurações da TEC, entre outras medidas, deveriam ser eliminadas até 2006. Alguns avanços foram registrados no exame do programa de trabalho, mas uma efetiva vontade política terá de ser demonstrada pelos governos dos quatro países membros para avançar nos itens mais sensíveis, como a perfuração da TEC ou a imposição de salvaguardas.

Caso não se consiga resolver satisfatoriamente o contencioso comercial, se surgirem novas áreas para a aplicação de salvaguardas permanentes contrariamente ao disposto no Tratado de Assunção (como volta a ser insinuado para as áreas de calçados, têxteis e suínos) e se a discussão do Programa de Trabalho para 2006, proposta pelo Brasil, continuar sem progresso significativo, a Fiesp, em conjunto com o governo, espera fazer uma avaliação do processo de integração sub-regional para tomar posição em relação ao futuro com o objetivo de rever o Tratado de Assunção, a fim de ajustá-lo à realidade.

Gradualismo, ao invés de tratamento de choque, foi a decisão adotada pela Fiesp em relação ao Mercosul, na expectativa de resultados concretos, e não de novos retrocessos nos próximos meses.

No contexto mais amplo das negociações comerciais externas, há também queixa generalizada diante da deficiente comunicação do governo com o setor privado, como exemplificado pelo acordo de preferências tarifárias com a Índia, assinado ao final do recente encontro presidencial. Todo o processo negociador entre o governo brasileiro e o indiano foi feito sem nenhuma participação do setor privado, pelo menos o da Fiesp. Não houve nenhuma consulta sobre os cerca de 450 itens, incluindo milhares de produtos, que foram objeto de negociação. O setor industrial de São Paulo tomará conhecimento dessa relação de produtos somente quando o acordo for publicado no Diário Oficial.

Na retórica da política externa do PT, o Mercosul ocupa um lugar central para reforçar a integração sul-americana e, por meio desta, evitar a efetivação da estratégia comercial dos EUA.

Para dar substância a essa ambiciosa estratégia o governo do PT já deveria ter dado sinais de uma real disposição no sentido de fazer com que as regras do Mercosul sejam de fato cumpridas.

 

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