22/03/2005
Tensão Crescente
Rubens Antonio Barbosa

Ao longo dos últimos anos, desde que Hugo Chaves assumiu o poder democraticamente na Venezuela, os atritos com os EUA vem se ampliando, não só pela percepção e dúvida de Washington em relação às práticas democráticas do presidente venezuelano, como também pelos indícios de envolvimento com a oposição armada na Colômbia ou a civil radical no Equador e na Bolívia.

Noticias recentes sobre compra de armas em volumes significativos, novas medidas de restrição interna à liberdade de expressão, o aumento no tom da retórica anti-americana e sobretudo sinais desencontrados em relação à política de venda de petróleo para os EUA aumentaram de forma perigosa a tensão entre os dois países.

Nos momentos mais agudos de instabilidade na política interna, quando a produção petrolífera foi reduzida por sabotagem na PDVESA e o fornecimento foi afetado pela greve nos portos, e mesmo em seguida ao golpe de estado, a Venezuela sempre manteve seus contratos de fornecimento de petróleo para os EUA.

Na minha opinião, essa foi a principal razão – não explicitada – pela qual os EUA, apesar das críticas estridentes contra Chaves, sempre evitaram atitudes confrontacionistas mais duras. O reconhecimento apressado do golpe contra Chaves foi um acidente de percurso, motivado por questões ideológicas no setor hemisférico do Departamento de Estado.

A situação passa a adquirir novos e perigosos contornos com a confusa sinalização de uma nova política venezuelana de fornecimento de petróleo e pela ameaça que isso representa para a segurança nacional dos EUA.

Nos últimos meses, a Venezuela embarcou em uma série de negociações com a China para fornecimento de petróleo e desenvolvimento de projetos conjuntos. Na América Latina, firmou acordos com o Brasil para a ampliação da parceria com a Petrobras e com a Argentina, para a compra de postos de gasolina da Royal Dutch/Shell em associação com a Petrobras e a compra da Energia Argentina S.A . No Oriente Médio, com a Líbia e Qatar acertou a ampliação da cooperação da PDVESA com as companhias estatais desses países.

Simultaneamente a essa tentativa de diversificar parceiros e negócios em diferentes partes do mundo, surgiram noticias de que a Venezuela teria intenção de desviar para a China suas exportações de petróleo para os EUA. Essa noticias, desmentidas por Chaves, foram complementadas com a informação de que o Governo teria decidido vender suas refinarias e postos de distribuição nos EUA, o que foi igualmente negado pelo Presidente da Citco, subsidiária americana da PDVESA.

Essa situação de incerteza é particularmente preocupante por que a Venezuela, através da Citco, é responsável por 15% da capacidade de refino nos EUA e a eventual venda dessas refinarias poderá criar problemas para o fornecimento de alguns produtos no mercado norte-americano, até porque essas refinarias foram construídas para processar óleos pesados, de alto conteúdo de enxofre, produzidos na Venezuela.

A Venezuela produz cerca de 2.6 milhões de barris/dia, menos do que os 3.1 milhões que produzia antes de Chaves. Os EUA compram cerca de 50% da produção. A PDVESA tem capacidade de refino nos EUA da ordem de 800.000 barris/dia e mantém uma rede de 14.000 postos de gasolina Citco.

Não se coloca em dúvida o fato de que o Governo venezuelano é soberano para tomar essas medidas, na defesa de seus interesses, como visto pelo atual governo.

Caso essas noticias se confirmem e na hipótese de o Governo venezuelano adotar uma atitude não transparente, ideológica e confrontacionista em todos esses entendimentos, pode-se prever momentos de grande tensão com os EUA.

A questão é saber até que ponto os interesses estratégicos e de segurança nacional dos EUA, em uma área crítica como a da energia, possam ficar afetados pelas medidas de Caracas, sem algum tipo de reação de Washington.

As declarações de Condoleezza Rice, em audiência pública no Senado por ocasião de sua confirmação como Secretária de Estado, a respeito das dificuldade que Chaves estava criando para o relacionamento bilateral poderiam estar relacionadas com a crise com a Colômbia, então no auge, mas também poderiam estar centradas na perspectiva de crise na área energética com os EUA.

Aparentemente esse foi o sinal para uma importante mudança na política dos EUA em relação à Venezuela.
Nos últimos dias, ficou claro que a política seguida até aqui deverá ser alterada. Sem muita cerimônia na reedição e atualização da Doutrina Monroe, Diretor da CIA declarou no Congresso que a aproximação do Presidente Chaves com a China e com Cuba ameaça os interesses dos EUA na América Latina. O Presidente Bush deu o toque final na nova atitude ao determinar a realização de estudo com o objetivo de mudar a política dos EUA em relação à Venezuela.

A ameaça à democracia na Venezuela e o potencial de desestabilização dos regimes democráticos na América do Sul pela ação de Chaves (compra de armas e exportação da revolução bolivariana) serão certamente invocados na escalada anti-Chaves, sobretudo no contexto da OEA e da Carta Democratica daquela Organização.

Na realidade, contudo, a grande preocupação dos EUA é a manutenção do fornecimento do petróleo venezuelano ao mercado norte-americano.

Uma ação de força contra Chaves, pelo menos por hora, parece descartada.

Dado o envolvimento político do Governo brasileiro com a Venezuela e o relacionamento entre os dois Presidentes, não se pode minimizar o potencial de problemas que uma crise séria Venezuela-EUA poderá representar para o Brasil e para a América do Sul, que, certamente, ficará contra qualquer medida unilateral dos EUA.

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