05/04/2005
A Outra Eleição Global
Rubens Antonio Barbosa
O papado é a mais antiga institução ocidental. O pontífice máximo, ao longo de quase vinte séculos, exerceu marcante presença nos acontecimentos de seu tempo e sua sucessão é acompanhada com grande atenção e interesse.
João Paulo II entra para a história como um dos “grandes papas” e um dos últimos “gigantes do século XX”.
Não seria exagero observar que a eleição nos EUA e a escolha do sucessor de João Paulo II podem ser consideradas as únicas eleições globais, pela importância e pelas repercussões sobre o rumo dos acontecimentos internacionais.
Nos últimos meses, a lenta deterioração da saúde do papa João Paulo II colocou em evidência, mais uma vez, a perspectiva sucessória e suas implicações para a Igreja e para o mundo.
A tradição de Roma, desde o primeiro concilio do Vaticano de 1870 – que instaurou o princípio da primazia pontifícia – é extremamente formal. O papa tem um poder supremo e exclusivo.
No caso de João Paulo II, apesar da gradual falência dos orgãos vitais, sua decisão foi de permanecer enquanto houvesse um sopro de vida que pudesse mantê-lo no trono inaugurado por Pedro. Sua serena agonia foi acompanhada pelo mundo emocionado.
Com 84 anos, João Paulo, no vigéssimo sétimo ano a frente do Vaticano, exerceu, corajosamente, segundo John Cornwell, um dos principais especialistas em Vaticano, de forma autoritária e centralizadora, o terceiro mais longo papado da história. Eleito em 1978, transformou-se no primeiro lilder católico não italiano em 455 anos e fez história esquiando, escrevendo, pregando e viajando por mais de 130 países.
João Paulo II, polones de origem simples, ao longo de seu papado deixou sua marca inovadora e de transformações, com um viés conservador tanto nos assuntos religiosos no âmbito da Igreja católica, quanto nas questões seculares e de política internacional.
Na Igreja, a ala progressista criticou o fato de o papa ter descartado a ordenação de mulheres como padres, o aborto, o uso de métodos contraceptivos, o casamento entre homossexuais e procurado afastar os sacerdotes de correntes politicamente engajadas. Os conservadores o apoiaram como um líder que assumiu uma Igreja sacudida pelos ventos do liberalismo e a recolocou em uma trilha teologicamente restrita.
João Paulo II lançou – sem êxito - pontes para a aproximação com as Igrejas ortodoxa, anglicana e do Islã. Vai deixar igualmente sua contribuição para o debate sobre os principais temas da atualidade por meio de encíclicas que serão testemunho de suas ideias e perceções.
Coerente com suas posições conservadoras no contexto interno do Vaticano, João Paulo II teve um papel de grande realce e visibilidade no período da Guerra Fria. Nunca deixou de defender a liberdade e os direitos humanos. Carismático, pela sua presença física nos países socialistas da Europa Oriental e pela sua crítica contundente do regime comunista foi um dos que ajudaram a derrubar o muro de Berlin e a terminar com a União Soviética.
João Paulo II globalizou a Igreja católica e talvez tenha sido o papa que mais deu atenção aos países em desenvolvimento, o combate à pobreza e à busca de entendimento e paz entre judeus e palestinos no Oriente Médio. Seu pontificado viu crescer o desafio do crescimento da Igreja evangélica, em muitos países predominantemente católicos.
Acredito que a sucessão de João Paulo II terá profundo significado para os rumos da Igreja catolica, mais do que para os caminhos da política internacional.
Depois de um pontificado tão marcante como o de João Paulo II, como poderá ser o de seu sucessor ?
O atual papa indicou a quase totalidade dos 117 cardeais que deverão participar do conclave que deverá eleger, por maioria de dois terços, o 266º. sucessor de Pedro, o que poderia induzir ao entendimento de que o próximo papa teria o mesmo perfil de João Paulo II e daria continuidade à linha conservadora.
O futuro papa deverá enfrentar questões que dividem a cristandade e por isso deverá buscar definições e compromissos que aproximem as diversas correntes de opinião no conclave a fim de unir as igrejas cristãs e construir canais de participação dos fieis na Igreja.
É díficil antecipar, em uma Cúria romana conservadora, como essas correntes vão atuar e qual emergirá como predominante.
As divisões ideológicas e teológicas no âmbito da Igreja, poderão fazer com que nos próximos anos o papel do Vaticano esteja concentrado mais nos assuntos domésticos do que nos temas da atualidade internacional, embora a palavra do papa continuará a ter um peso significativo.
Relacionada com essa questão estará a nacionalidade do sucessor de João Paulo II. O futuro papa restabelecerá a tradição da Italia, será de outro país europeu, será de um país em desenvolvimento, será de um país africano ? Muitos acreditam que o próximo lider dos católicos deveria vir de um país em desenvolvimento, área onde vivem cerca de 65 % dos católicos do mundo e de onde se originam perto de 40% dos cardeais que participarão da eleição.
As rapidas transformações porque passa o mundo globalizado no campo político, tecnológico, social, ético, biotecnológico, entre outros, parecem indicar que os desafios para a Igreja serão crescentes. Ao futuro papa caberá atualizar os cânones católicos a essas transformações e liderar a Igreja de forma menos conservadora e mais pragmática. Resta saber se o crescente individualismo e princípios mais abertos e democráticos serão assimilados.
Por isso, mais do que o perfil do futuro papa, o que estará em jogo são as características do pontificado que virá.
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