Sumiço do Brasil e Marginalização do Itamaraty
Rubens Antonio Barbosa
Ao contrário da política externa “ativa e altiva” nos oito anos de Lula, o atual governo se retraiu e evita tratar questões relevantes que o Brasil, pelo seu peso no cenário externo, não pode ignorar.
Nas votações nas Nações Unidas, além do voto afirmativo, do negativo e da abstenção, os diplomatas, sempre criativos, inventaram outra forma de permitir que os países evitem ter de se manifestar em importantes votações, mesmo estando presentes nos debates e na própria reunião decisória: a “não participação”.
Recolhi alguns episódios de domínio público - haverá (muitos) outros que não foram tornados públicos - em que fica evidenciada a decisão de não participação brasileira. Na maioria dos casos, o Brasil – contrariando a opinião do Itamaraty - é levado a omitir-se por razões diversas, inclusive ideológicas ou partidárias.
- A decisão de não enviar o Ministro do Exterior a reunião sobre a Síria em Genebra. O Brasil- representado muito bem pelo secretario geral, Eduardo Santos - foi incluído no encontro restrito a um grupo limitado de países a pedido da Rússia que, junto com os EUA, convocaram o encontro para tentar discutir uma solução negociada para a crise militar que matou mais de 120.000 pessoas.
- A ausência do Brasil na Conferência anual de Segurança realizada em Munique, fórum conhecido pela oportunidade que oferece para conversas informais sobre as crises internacionais e as negociações em curso entre diplomatas e ministros da defesa de todo o mundo. Entre os participantes estavam o mediador da ONU na Síria, o Ministro do Exterior da Rússia, do Japão e os Secretários de Estado e de Defesa dos EUA.
- A omissão do governo brasileiro no tocante ao asilo de senador boliviano. Depois de concedido o asilo pela Embaixada em La Paz nada foi feito para que o salvo conduto fosse concedido por Evo Morales, conforme previsto nos Tratados regionais.
- O silêncio do governo, escondido atrás da posição do Mercosul e da UNASUL favoráveis ao governo de Maduro, apesar do agravamento da atual crise política na Venezuela, com clara violação da cláusula democrática e dos direitos humanos.
- A ausência do governo em relação aos acontecimentos na Crimeia.
- A ausência do Brasil na negociação e na participação do Acordo de Serviços da OMC, apesar de hoje na composição do PIB brasileiro, o setor de serviços representar quase 60%.
- A ausência do Brasil nas discussões sobre o impacto das negociações de acordos regionais e bilaterais de ultima geração negociados fora da OMC.
- A ausência de uma posição firme do Brasil no tocante à convocação da reunião presidencial do Conselho do Mercosul. Pela primeira vez em 20 anos, o conselho deixou de se reunir no semestre passado e até hoje não há data para o encontro que deveria discutir, entre outros temas, as negociações comerciais entre o Mercosul e a União Europeia.
- A ausência de liderança do Brasil no processo de integração sul-americana e da revitalização do Mercosul.
- Os episódios recentes envolvendo reuniões para discutir as restrições comerciais na Argentina e a situação politica na Venezuela em que a presidência da república assumiu a condução do processo, deixando a chancelaria à margem.
Esses fatos afetam a credibilidade do Brasil e repercutem sobre a percepção externa sobre a atuação de nosso pais.
Ao lado do sumiço do Brasil, cresce a marginalização do Itamaraty, sobretudo no tratamento dos assuntos relacionados com os países vizinhos da América do Sul. Exemplo disso foi o afastamento da Chancelaria quando, por motivações ideológicas, a presidência interferiu na decisão de suspender o Paraguai do Mercosul e na maneira como foi decidido o ingresso da Venezuela no Mercosul.
Nunca antes na história deste pais, a presidência influiu tanto nas questões de competência do Itamaraty de analisar e recomendar cursos de ação para que a presidente possa tomar as decisões. Não é segredo o descaso com que o Itamaraty tem sido tratado nos últimos anos, inclusive na questão orçamentária, e a pouca importância que tem sido dada às posturas tradicionais recomendadas pela Chancelaria para problemas que afetam diretamente o que seria, de fato, do interesse do Brasil.
Como já assinalei nesta página (Instituição Em Perigo 10/9/13), em virtude de interferências indevidas em seu trabalho analítico e em seus processos decisórios, o Itamaraty deixou de ser o principal formulador e coordenador das propostas e temas que tem como finalidade a projeção internacional do pais.
A execução de políticas seguindo uma plataforma partidária, certamente, não estaria agradando ao velho Barão do Rio Branco, que ensinou que “a pasta das Relações Exteriores não é e não deve ser uma pasta de política interna”. O Itamaraty não deve servir a um partido político, mas ao Brasil.
Surge agora outra perigosa novidade promovida pelo PT: a presidência da república quer criar o Conselho Nacional de Política Externa, presidido pelo Secretário Geral da presidência, pelo Assessor Internacional e pelo Ministro do Exterior. Discute-se se seria um órgão consultivo ou se teria competência para interferir na formulação e execução da política externa. Caso criado - esteve a ponto de sê-lo ainda com o ex-ministro Patriota - o Conselho completaria o processo de esvaziamento do Itamaraty, apesar de representar uma flagrante violação do artigo 87, I da Constituição que dá atribuição exclusiva ao MRE para coordenar os órgãos da Administração pública federal em sua área de competência.
Chegou a hora de restaurar o prestígio do Itamaraty e recuperar sua centralidade no processo decisório interno para a execução de uma politica de Estado, tendo como único objetivo a defesa do interesse nacional.
Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comercio Exterior da FIESP.